BE2850
Compartilhe:
Processo e Registro
A forma além do conteúdo
Insegurança imobiliária
Joaquim Falcão*
Como se compra um imóvel hoje em dia em um grande centro urbano? A resposta parece óbvia: por meio da escritura definitiva de compra e venda passada em cartório, diria o Código Civil. Certo? Não. Errado. Hoje em dia, e cada vez mais, o principal instrumento da transação imobiliária é a promessa de compra e venda. Como diz o professor Gustavo Kloh, da Escola de Direito da FGV do Rio de Janeiro, ensinar direito da propriedade imobiliária atualmente quase se resume a ensinar o contrato de promessa de compra e venda.
É cada vez menor o número de compradores e vendedores que estão aptos a passar a escritura definitiva. Sem falar que se usa cada vez mais outro tipo de instrumento jurídico: a procuração sucessiva. Ou seja, como o detentor do imóvel não tem escritura definitiva, mas apenas uma promessa, passa-se o imóvel ao terceiro comprador por meio de uma procuração. E assim sucessivamente. Um dia, que pode chegar ou não, num futuro incerto, quando toda a documentação estiver pronta, aí sim a promessa se transformará em escritura definitiva. Enquanto esse dia não chega, o título de propriedade de fato é a procuração. Mas por que isso tudo?
Por razão simples. Hoje, é fácil comprar um imóvel novo, mas é muito difícil vendê-lo amanhã. As exigências dos cartórios são exageradas. No Rio de Janeiro, o empresário Márcio Fortes estima que são necessárias pelo menos 17 certidões para passar uma escritura definitiva. Certidões referentes à pessoa do vendedor, comprovando que ele não é incapaz ou interditado; certidões sobre sua eventual vida pregressa judicial; certidões fiscais e por aí vamos. A mais recente exigência é uma certidão do Ministério do Trabalho para provar que o vendedor não está respondendo a ações trabalhistas — mesmo sem nunca ter sido empregador em toda a vida.
Ultrapassada a barreira da documentação pessoal, vêm as certidões que dizem respeito ao próprio imóvel, como as negativas de IPTU, de taxa de incêndio e de débitos com o condomínio. Quando tudo estiver pronto, o vendedor tem ainda que preencher formulário da Receita Federal comunicando a venda.
Essas exigências provocam três conseqüências econômicas danosas a um país que quer e necessita muito desenvolver seu mercado imobiliário. Primeiro, a overdose documental estimula a depreciação do valor do imóvel. Vejam só. Se em alguma certidão consta que você está processando alguém por ter batido o carro, não somente terá que explicar ao futuro comprador os melindres do caso, como terá que lidar com o temor dele de que você perca a ação. Aí, é claro, o comprador embute um risco no preço, por mais improvável que seja a sua derrota no processo. O preço cai.
Segundo, dificulta-se a liquidez do imóvel. Quase o inviabiliza como reserva de valor, como investimento, como bem de mercado. Pois, para que o seja, é indispensável que a transação de compra e venda seja rápida e segura. A burocratização e a excessiva cautela legal dificultam. No fundo, trata-se de legislação paternalista. Pretende minimizar ao máximo os riscos do comprador diante de eventuais — presentes e futuros — credores do imóvel. Pretende também minimizar o risco de eventuais créditos do Estado, da Previdência e do fisco. Ser proprietário hoje em dia é ser a priori provável e inconfiável devedor. Até que dezenas de certidões provem em contrário.
Finalmente, cria-se uma situação de insegurança jurídica. A promessa de compra e venda e as procurações sucessivas são by-passes que os advogados criam para sobreviver à legislação. E às práticas de um formalismo jurídico que paralisa o livre fluxo dos investimentos. Insegurança jurídica que gera insegurança imobiliária que cria o clima de insegurança econômica.
Por algum tempo, os defensores de menos Estado — alguns neoliberais radicais — pregaram a necessidade desregulamentação do mercado. Não é o caso. Trata-se, sim, de regulamentar melhor, com mais eficiência e menos formalismo, a compra e venda de imóvel. E de não aproveitar esse momento para acertos de contas que devem ocorrer em outros lugares. Na justiça e na fiscalização, por exemplo. Assim como hoje é consenso que a iniciativa empreendedora dos brasileiros necessita de simplificação dos procedimentos para se abrir ou fechar uma empresa, começa a ser também consenso que, sem uma revisão das exigências para compra e venda de imóveis, o maior desenvolvimento do mercado imobiliário vai ser demorado e complicado.
* Joaquim Falcão (Diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (RJ) e membro do Conselho Nacional de Justiça); Artigo publicado na edição de 22/2/2007, no Correio Brasiliense
Últimos boletins
-
BE 5844 - 06/06/2025
Confira nesta edição:
Inscreva-se já no L ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL! | Expropriação e transmissão de propriedade foram temas da nova edição da RDI em Debate | CEF registra lucro líquido de R$ 4,9 bilhões no 1º trimestre | PL disciplina trânsito por propriedade privada para o acesso a sítios naturais públicos | Seis novas RPPNs são criadas pelo Governo Federal | Clipping | XVIII Congresso Notarial e Registral do Estado do Pará | L ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL | Imersão em Direito Registral: curso será realizado pela UNI ÍTALO e CENoR | Marco Legal das Garantias: novas regras sobre o valor mínimo de excussão na alienação fiduciária de imóvel – por Clodomiro Fernandes Lacerda | Jurisprudência do CSMSP | IRIB Responde.
-
BE 5843 - 05/06/2025
Confira nesta edição:
Condomínio de lotes será tema de painel do L ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL | Provimento CN-CNJ n. 196, de 4 de junho de 2025 | Dia Mundial do Meio Ambiente: Cartórios brasileiros cada vez mais engajados na sustentabilidade ambiental | Confira a nova edição da revista “Cartórios com Você” | Amazônia: estudo aponta que 10,2 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas apresentam alto risco de grilagem | XVIII Congresso Notarial e Registral do Estado do Pará | L ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL | Imersão em Direito Registral: curso será realizado pela UNI ÍTALO e CENoR | Atualizações normativas para a usucapião extrajudicial em Minas Gerais – por Letícia Franco Maculan Assumpção, Paulo Hermano Soares Ribeiro e Carlos Rogério de Oliveira Londe | Jurisprudência do TJPR | IRIB Responde.
-
BE 5842 - 04/06/2025
Confira nesta edição:
L ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL debaterá aspectos do fracionamento da propriedade imobiliária | INCRA envia Ofício ao IRIB sobre emissão do CCIR-2025 | Portaria SPU/MGI n. 4.322, de 2 de junho de 2025 | Provimento CN-CNJ n. 195, de 3 de junho de 2025 | CNJ publica Provimento CN-CNJ n. 195/2025 criando IERI-e e SIG-RI | Exame Nacional dos Cartórios: FGV divulga resultados preliminares | RDI em Debate: próximo episódio aborda a expropriação no Registo Predial e a transmissão inter vivos de propriedade no Direito Visigótico | L ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL | Imersão em Direito Registral: curso será realizado pela UNI ÍTALO e CENoR | Consolidação da propriedade, leilão extrajudicial e a essencialidade da intimação pessoal do devedor – por Priscylla Bezerra Lima | Jurisprudência do TJRJ | IRIB Responde.
Ver todas as edições
Notícias por categorias
- Georreferenciamento
- Regularização fundiária
- Registro eletrônico
- Alienação fiduciária
- Legislação e Provimento
- Artigos
- Imóveis rurais e urbanos
- Imóveis públicos
- Geral
- Eventos
- Concursos
- Condomínio e Loteamento
- Jurisprudência
- INCRA
- Usucapião Extrajudicial
- SIGEF
- Institucional
- IRIB Responde
- Biblioteca
- Cursos
- IRIB Memória
- Jurisprudência Comentada
- Jurisprudência Selecionada
- IRIB em Vídeo
- Teses e Dissertações
- Opinião
- FAQ - Tecnologia e Registro
Últimas Notícias
- Adjudicação compulsória extrajudicial – impugnação fundamentada. Promessa de compra e venda. Nulidade. Título causal. Via judicial.
- Marco Legal das Garantias: novas regras sobre o valor mínimo de excussão na alienação fiduciária de imóvel
- PL disciplina trânsito por propriedade privada para o acesso a sítios naturais públicos