BE2838

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Processo e Registro
A forma além do conteúdo

Tempos modernos


O debate sobre Processo & Registro (a forma além do conteúdo) prossegue.

O registrador Ulysses da Silva não deixou passar a oportunidade para nos brindar com uma elegante réplica ao meu artigo publicado no BE 2834, de 8/2 passado. Ei-la abaixo publicada, coisa que esta editoria faz com muito gosto. Todos nós conhecemos o cavalheiro gentil e elegante que é o nosso Sir Ulysses da Silva.

Mas o tema aqui enfocado tem suscitado discussões apaixonadas.

Aqueles que agora se debruçam sobre o assunto – como o faz meu amigo Eduardo Pacheco, do Rio de Janeiro – dedicam-se ao problema com a força de bons argumentos. Outros já não se dão ao trabalho. Longe da elegância típica de “gente fina elegante e sincera” (como terá dito outro carioca ilustre) congestionam os canais corporativos com surpreendentes declarações que não são nem elegantes, nem sinceras.

Querida São Sebastião! Que venham seus filhos à luz! Que alcancem a ágora e se mostrem a essa pequena, mas elegante e sincera, comunidade de juristas que se dedica aos estudos registrais e à busca da verdade. (SJ)

 


 

Debatendo a Lei 11.382, de 2006.
Ulysses da Silva*


Quando decidi escrever sobre essa lei em artigo publicado no Boletim Eletrônico do IRIB, sabia que Sérgio Jacomino, meu caro amigo, não deixaria passar em branco as críticas que fiz a ela. Mas, ele também sabia que a minha discordância, quanto a determinados aspectos considerados polêmicos, seria manifestada.

Aprendi a admirar Sérgio por sua competência e elevada cultura, não só jurídica, como, também, literária, durante o longo tempo em que exerceu, de forma brilhante, a presidência do IRIB, cultura essa, aliás, que demonstra fartamente em seu longo artigo que pode ser encontrado no mesmo BE, sob o título de Averbação premonitória, publicidade registral e distribuidores. E, nesse artigo, vejo mais uma de suas louváveis iniciativas, ao dispor-se a promover amplo debate sobre a matéria em pauta, com a participação de juristas de renome, reconhecendo que o tema é polêmico.

Cumprimento-o, assim, pela iniciativa, esperando que notários e registradores continuem dando a sua valiosa opinião a respeito de tão momentoso tema. Considere-se, a propósito, e para melhor compreensão, que as minhas críticas se devem ao fato de que a Lei 11.342, ao introduzir alterações importantes no Código de Processo Civil, adentra área do direito notarial e registral para dispor, em alguns pontos, sobre matéria de interesse do registrador, para o exercício de cuja função não é essencial a especialidade em direito processual.

Feitas essas observações iniciais, cumpre-me assinalar que, apesar da beleza da forma e do texto elaborado, das inúmeras citações de notáveis autores, e do exaustivo esforço para neutralizar os efeitos de minha discordância, sou levado a manter minha posição.

Não o faço por desconsiderar o valor do sonho de meu querido amigo de ampliar a função do registro imobiliário, mas, sim, por entender que os legisladores foram infelizes na redação da lei sob análise e não souberam expressar, no papel, o referido sonho. Com efeito, a redação dada ao art. 615-A não deixa dúvidas quanto ao objeto da averbação autorizada, que é o “ajuizamento da execução”, não podendo, tal natureza de ação ser confundida, com a que a antecedeu. É certo que quaisquer ações, a rigor, podem gerar futura execução, como afirmam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, citados por Jacomino.

Contudo, também é correto que, se o legislador pretendesse estender a prática do ato a elas, seria de se esperar que o dissesse expressamente, tornando dispensável a ginástica  interpretativa que estamos, todos nós, fazendo.

Como não o fez, o registrador pode ter a percepção de que a intenção do legislador foi a de limitar o alcance da averbação criada, em virtude da circunstância de que, na ação preliminar, seja qual for a sua natureza, o autor já conta com outros recursos para garantir o seu direito e futura execução, como, por exemplo, o arresto ou a citação em ação real ou pessoal reipersecutória, cujos registros estão previstos no inciso I do art. 167 da Lei 6.015, de 1973.

Não vejo, pois, apesar da respeitável intenção de Sérgio Jacomino, como o registrador brasileiro, seja de que Estado for, possa fundamentar-se no citado art. 615-A para estender a prática do aludido ato a qualquer ação, sem, pelo menos, que as Corregedorias Gerais autorizem.

Prosseguindo, quando afirmo que a averbação autorizada não substitui as certidões dos distribuidores, assim o faço porque a Lei 11.382 não revogou, nem implícita, nem explicitamente, a Lei 7.433, de 18 de dezembro de 1985, regulamentada pelo Decreto 93.240, de 9 de setembro de 1986. Se o tivesse feito, isso seria motivo de regozijo, inclusive meu, porque teríamos dado um passo no caminho da desburocratização, como demos no caso da recente Lei 11. 441, de 2007.

A bem da verdade, entretanto, reconheci em meu artigo que a averbação discutida possibilita conhecimento imediato da existência da execução, para quem, eventual interessado em negociar imóvel do executado, solicita, como primeira providência, para exame da documentação, certidão da matrícula correspondente. Mas, também adiantei, com outras palavras, que a eficiência dessa averbação, para tal fim, é relativa porque o ato registral fica na dependência do interesse do exeqüente, nos termos do art. 13 da Lei 6.015, de 1973, com as ressalvas ali consignadas, não havendo garantia de que requeira, em tempo hábil, a sua realização.

Coincidentemente, Sérgio lembra, em seu artigo, que todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios, mas, estamos cansados de saber que a obrigatoriedade vista somente se impõe quando os interessados são premidos pelas circunstâncias. Ora, assim ocorrendo, conclusão resultante é de que a inexistência da averbação do ajuizamento da execução na matrícula não significa que o imóvel inscrito se encontra livre dela.

Relativamente à presunção de fraude à execução na ocorrência de alienação ou oneração de bens após a averbação, prevista no § 3.º do mencionado art. 615-A, reafirmo o que já disse, com apoio em inúmeros autores, inclusive Amílcar de Castro, citado pelo nosso ex-presidente, o que é reiterado por Sérgio quando afasta liminarmente a interpretação de que, o  art. 615-A, criador do ato registral discutido, não representa nova hipótese de fraude à execução. A presunção já é, portanto, gerada pela existência da execução, como dissemos, e a falta da averbação não tem força para inibir os efeitos dela.

A significação de ficar o exeqüente com o ônus da prova de que eventual adquirente tinha conhecimento do litígio, na ausência da averbação, é outra coisa, que cabe ao magistrado apreciar e não ao registrador. E aí entra a utilidade da apresentação das certidões dos distribuidores (todos eles, evidentemente), que, na falta de outro meio mais eficiente e de menor custo, gera a certeza do conhecimento.

Passando a focalizar outra face da questão, é oportuno lembrar que o brasileiro, desde o mais humilde até o menos produtivo dos parlamentares, tem uma veia de legislador. É o que se infere do número de leis, decretos e medidas provisórias existentes É, por sinal, tão elevado esse número, que os escritórios de advocacia mais aparelhados e os próprios órgãos do Judiciário são obrigados a manter arquivo muito bem organizado para estudo e aplicação do direito. Contrariamente, países de primeiro mundo dispõem de leis com séculos de existência. Isso não significa, evidentemente, que vamos parar de elaborar novas leis, ou deixar de aperfeiçoar as antigas. Todavia, nesse nobre mister, é imperioso que a redação seja clara e objetiva, para evitar interpretações contraditórias.

Encerrando, sei que Sérgio Jacomino é desbravador, avançado no tempo, almeja maior segurança para o registro imobiliário e sempre trabalhou para melhorar a qualidade dos serviços registrais, até com sacrifício de sua vida pessoal e familiar. Mas, às vezes, somente às vezes, esquece algo importante. Ele e eu conhecemos bem o Dr. Ricardo Henry Marques Dip, um dos mais cultos magistrados que passaram pela Vara de Registros Públicos de São Paulo, Corregedoria Geral e Tribunal de Justiça, cujo parecer sobre o assunto em debate seria útil. Orador e escritor brilhante, evoluímos muito, nós registradores, com os seus ensinamentos. Mas, para ler os seus escritos era recomendável ter ao alcance das mãos um bom dicionário. Certa vez, em Porto Alegre, após a sua palestra, eu lhe disse: - Dr. Ricardo, às vezes, somente às vezes, o senhor esquece que nós, registradores, ouvintes ou leitores, somos simples mortais.

* Ulysses da Silva é registrador aposentado e Conselheiro do Irib.



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