1VRPSP - USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL - IMPUGNAÇÃO FUNDAMENTADA. CONCILIAÇÃO - AUDIÊNCIA.
Ocorrendo a hipótese de impugnação fundamentada, o Oficial deverá buscar a conciliação entre as partes. No insucesso, remeterá o processo ao juízo competente que julgará a impugnação. Caso mantida, este devolverá o processo ao Oficial, que extinguirá o procedimento e a prenotação, cabendo ao interessado buscar a via judicial se entender pertinente o prosseguimento do feito deste modo.
1VRPSP - PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS: 1000162-42.2018.8.26.0100
LOCALIDADE: São Paulo DATA DE JULGAMENTO: 12/03/2018 DATA DJ: 20/03/2018
UNIDADE: 14
RELATOR: Tânia Mara Ahualli
USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL - IMPUGNAÇÃO FUNDAMENTADA. Ocorrendo a hipótese de impugnação fundamentada, o Oficial deverá buscar a conciliação entre as partes. No insucesso, remeterá o processo ao juízo competente que julgará a impugnação. Caso mantida, este devolverá o processo ao Oficial, que extinguirá o procedimento e a prenotação, cabendo ao interessado buscar a via judicial se entender pertinente o prosseguimento do feito deste modo (ementa não oficial).
ÍNTEGRA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - COMARCA DE SÃO PAULO - 1ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS
Processo Digital nº: 1000162-42.2018.8.26.0100
Classe - Assunto Pedido de Providências - REGISTROS PÚBLICOS
Requerente: 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Requerido: Tec Fama Administração e Assessoria Empresarial Ltda e outro
Vistos.
Trata-se de procedimento iniciado após encaminhamento, pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, dos autos de usucapião administrativa, após impugnação, em observância ao Art. 216-A, §10º, da Lei 6.015/73.
Consta dos autos (fls. 02/723) que Tec Fama Administração e Assessoria Empresarial Ltda. requereu usucapião extrajudicial do imóvel situado na Avenida Prof. Abraão de Morais, nº 283 e 285. Foram apresentados documentos, incluindo ata notarial, comprovando a posse do bem. Foram notificados os confrontantes, os titulares de domínio e as Fazendas Públicas do Município, Estado e União, além de publicado edital para ciência de terceiros interessados.
Houve impugnação por Marcelo Emanuel Fangio Ferreira Cabral (fls. 391/400). Aduz que o justo título apresentado é nulo ou ineficaz, pois lavrado por Neuza Simões Cabral, que declarou-se inventariante do titular de direitos sobre o bem, quando não continha poderes para tanto.
Houve tentativa, pelo Oficial, de conciliação entre requerente e impugnante (fls. 701/709). O impugnante alegou que não foi possível a conciliação (fl. 710). A requerente (fl. 713) solicitou a homologação de desistência do feito, o que foi indeferido pelo Oficial, por falta de previsão legal (fl. 714). À fl. 715, manifestou-se a requerente alegando que teria sido alcançado um acordo com o impugnante, e que juntaria aos autos naquela data (19 de dezembro de 2017) o pedido de baixa de impugnação. Não foram apresentados quaisquer documentos, razão pela qual o Oficial encaminhou os autos a este juízo, conforme disposto no §10º do Art. 216-A da Lei de Registros Públicos.
O Ministério Público apresentou parecer à fl. 729, aduzindo ser o caso de conversão do procedimento extrajudicial em judicial.
É o relatório. Decido.
Conforme o item 429.5, nos pedidos de usucapião extrajudicial, após impugnação fundamentada, os autos serão encaminhados ao juízo competente, que poderá, de plano, julgar a pertinência da impugnação.
Pois bem. Do que consta dos autos, o título que justificaria a posse dos requerentes (fls. 53/60), a possibilitar a usucapião ordinária, foi assinado pelo espólio de Manuel Ferreira Cabral, na condição de anuente cedente, representado pela inventariante Neuza Simões Cabral, “nomeada nos termos do alvará citado”.
O impugnante aduz que tal alvará é inexistente, pois nunca houve autorização para venda do imóvel. Além disso, alega que o espólio não teria prometido qualquer venda, e sim os herdeiros e a viúva, de modo que qualquer negociação dependeria da anuência destes últimos. Sendo um destes herdeiros, e alegando não ter concordado com a escritura, o impugnante reputa contaminado o título que daria origem ao direito da requerente sobre o bem.
Entendo, assim, como fundamentada a impugnação. Do que consta dos autos, não há provas a sustentar, em cognição sumária, a validade dos poderes da inventariante para lavrar a escritura. Sendo este elemento essencial para a justificativa da posse, qualquer dúvida relativa a sua validade ou eficácia demanda análise judicial com ampla dilação probatória, o que afasta a possibilidade da usucapião extrajudicial.
Ainda, a impugnação não se encaixa nas hipóteses do item 429.2 do Capítulo XX das NSCGJ. Cito:
429.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais ou semelhantes pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião; e a que o Oficial de Registro de Imóveis, pautado pelos critérios da prudência e da razoabilidade, assim reputar.
Junte-se a isso a manifestação da própria requerente (fls. 713), que em nenhum momento sustenta estar infundada a impugnação, entendendo ser “um problema da família vendedora cumprir o contrato de venda, assinado por todos vendedores, inclusive o impugnante”.
Por tais razões, considero como fundamentada a impugnação, o que inviabiliza o prosseguimento do procedimento extrajudicial.
Não obstante, deve-se discutir qual o procedimento a ser adotado quando julgada válida a impugnação. Assim consta das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX, Tomo II:
“429.4. Se a impugnação for fundamentada, depois de ouvir o requerente o Oficial de Registro de Imóveis encaminhará os autos ao juízo competente.
429.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação."
Como se vê, conforme as normas da corregedoria deste Tribunal de Justiça, o juiz deverá, independentemente do resultado da impugnação, determinar o retorno dos autos ao Oficial. No caso de impugnação infundada, o Oficial deve prosseguir o procedimento extrajudicial. Quando fundamentada a impugnação, o Oficial extinguirá o procedimento, cancelando a prenotação.
Ainda, diz o supracitado item que o juízo que acolheu a impugnação remeterá os interessados às vias ordinárias. Tal previsão está em consonância com o seguinte item das mesmas NSCGJ:
"429.1. Sendo infrutífera a conciliação mencionada no caput e não sendo manifestamente infundada a impugnação, o Oficial de Registro de Imóveis remeterá os autos ao juiz competente da comarca de localização do imóvel usucapiendo, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá- la ao procedimento judicial."
Ao que parece, há uma contradição nos mandamentos normativos: por um lado, entendendo o Oficial ser fundamentada a impugnação, deve remeter os autos ao juízo competente, cabendo ao requerente adequar o procedimento, no sentido de seguimento da usucapião pelo rito judicial. Por outro, as mesmas normas dispõem que o juízo julgará a pertinência da impugnação e remeterá os autos ao Oficial, que os extinguirá.
Ou seja, há previsões no sentido de que a impugnação fundamentada levará a conversão automática em procedimento judicial, cabendo ao interessado emendar a inicial para adequação procedimental, como também previsão de que os autos retornarão à serventia extrajudicial, extinguindo-se o procedimento.
Na primeira hipótese, haveria uma obrigatoriedade na conversão, ficando o procedimento judicial em uma espécie de suspensão, aguardando a oportuna e eventual emenda do interessado. Já na segunda, respeitar-se-ia a autonomia do requerente, que poderia prosseguir com o procedimento judicial, se entender cabível, ou aceitar a extinção do feito, buscando outras formas de garantir seu direito, ou até mesmo por não ter interesse em um procedimento judicial.
Entendo ser a segunda hipótese a mais pertinente. Ao entender pela pertinência da fundamentação, o juiz competente declara a impossibilidade do prosseguimento do feito pela via extrajudicial, uma vez que há efetivo conflito quanto aos direitos sobre o bem, que só poderia ser solucionado na via judicial. Contudo, se a parte optou, inicialmente, pelo procedimento administrativo, não se pode realizar uma conversão automática ao processo judicial, sob pena de, por uma lado, haver um risco de acumulação de processos judiciais a espera de adequação e, por outro, determinar que a parte prossiga com a usucapião quando há possibilidade de que só haveria interesse no instituto se este seguisse extrajudicialmente.
Parece, também, ser esta a interpretação do Conselho Nacional de Justiça, que assim dispôs no Provimento 65/2017:
“Art. 18. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião apresentada por qualquer dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, por ente público ou por terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis tentará promover a conciliação ou a mediação entre as partes interessadas.
§ 1º Sendo infrutífera a conciliação ou a mediação mencionada no caput deste artigo, persistindo a impugnação, o oficial de registro de imóveis lavrará relatório circunstanciado de todo o processamento da usucapião.
§ 2º O oficial de registro de imóveis entregará os autos do pedido da usucapião ao requerente, acompanhados do relatório circunstanciado, mediante recibo.
§ 3º A parte requerente poderá emendar a petição inicial, adequando-a ao procedimento judicial e apresentá-la ao juízo competente da comarca de localização do imóvel usucapiendo.”
Como consta no §3º, a parte poderá emendar a petição inicial, o que demonstra a voluntariedade a ser observada para o procedimento judicial. Veja-se que, em sentido contrário, as NSCGJ, no item 429.1, prevê que “[caberá] ao requerente emendar a petição”, o que leva ao entendimento, como já exposto acima, de que haveria uma obrigatoriedade no prosseguimento do feito judicialmente, que deveria aguardar a emenda a ser realizada.
Por tudo isso, entendo que, havendo impugnação por confrontante, proprietário tabular, ente público ou terceiro interessado, deverá o Oficial analisar sua pertinência, nos termos do item 429.2 do Capítulo XX das NSCGJ. Caso entenda como infundada a impugnação, deverá prosseguir com o procedimento, sendo cabível recurso do interessado ao juízo corregedor.
No caso de entender fundamentada a impugnação, deverá buscar a conciliação entre as partes, como previsto no item 429. No insucesso, remeterá o processo ao juízo competente, que julgará a impugnação. Caso mantida, este devolverá o processo ao Oficial, que extinguirá o procedimento e a prenotação, cabendo ao interessado buscar a via judicial se entender pertinente o prosseguimento do feito deste modo.
Nesta hipótese, poderá aproveitar todos os documentos apresentados e provas produzidas perante a via extrajudicial, pois tais documentos e demais provas servem como meio probatório perante o juízo competente, sendo o ônus de impugnação imposto a quem se sentir prejudicado pela prova aproveitada.
Do exposto, julgo procedente a dúvida, determinando o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que deverá arquivar o feito e cancelar a prenotação, cabendo ao interessado iniciar o procedimento judicial se assim entender pertinente, podendo aproveitar-se dos documentos já apresentados.
Oficie-se a E. Corregedoria Geral de Justiça acerca da presente decisão, tendo em vista a necessidade de normatização do procedimento a ser adotado, sobretudo quando se considera a contradição entre o procedimento previsto no Provimento 65/2017 do Colendo Conselho Nacional de Justiça e as Normas de Serviço da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça.
Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.
Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.R.I.C.
São Paulo, 12 de março de 2018.
Tania Mara Ahualli
Juíza de Direito
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