A qualificação registral na regularização fundiária
Artigo do diretor de Meio Ambiente do IRIB, Marcelo Augusto Santana de Melo
INTRODUÇÃO
O Registro de Imóveis como órgão pacificador de conflitos – instituto destinado à garantia da segurança jurídica do tráfego imobiliário, bem como de exercer um filtro jurídico dos títulos que ingressam no fólio real, surge no direito de propriedade como importante ferramenta para estabilizar as negociações e atos jurídicos que envolvem imóveis. Para realizar a tarefa, o Registro de Imóveis possui a qualificação registral que é a análise ou juízo que o registrador realiza dos títulos submetidos o registro.
A qualificação registral está para o Registro de Imóveis como o “Cogito, ergo sum” ou penso logo existo de René Descartes [2] está para a filosofia moderna, se o Registrador qualifica o Registro de Imóveis existe no mundo jurídico, já que se trata do eixo principal do sistema de transmissão de propriedade brasileira.
Mas na qualificação registral são diversas as hipóteses de aplicação do princípio da legalidade que Oficial de Registro de Imóveis deve analisar. A análise na qualificação não é uniforme ou robótica para todos os títulos submetidos ao Registro de Imóveis. Assim, para as hipóteses de títulos judiciais não é possível o oficial adentrar no mérito das decisões jurisdicionais, apenas analisa os princípios registrários aplicados [3].
Na regularização fundiária a qualificação registral também possui características exclusivas e este é o objetivo do nosso estudo, para isso, é preciso estudar o que vem a ser direito de moradia porque a regularização fundiária é um de seus principais instrumentos.
Cresce no Direito Urbanístico o contorno de um Direito à Moradia, firmando-se em um de seus principais pilares e fruto do desenvolvimento de um direito essencial inerente também à própria dignidade da pessoa humana.
O Registro de Imóveis, por seu lado, recebeu importantes funções para ajudar a garantir o direito à moradia, tornando-se um dos principais atores da regularização fundiária. O instituto que originariamente tem garantido a propriedade imobiliária no Brasil e no mundo, há séculos, agora exerce funções sociais e ambientais, tudo isso decorrente da transformação do direito de propriedade contemporâneo.
A velocidade dessas transformações é surpreendente. Estudar o papel do Registro de Imóveis na garantia do direito de moradia e, especialmente, na regularização fundiária é imprescindível para que o mecanismo criado ganhe efetividade. Inegável, assim, que a prática tem grande influência no mundo jurídico.
A esse respeito, Jean-Louis Bergel leciona que: “[…] o direito contemporâneo consagra, de fato, a influência da prática, das organizações profissionais e das administrações públicas na formação do direito. Os tabeliães, os profissionais ou os usuários do direito, os funcionários públicos, os meios profissionais, graças à sua experiência e ao seu conhecimento das necessidades e das lacunas do direito vigente, podem sugerir utilmente as reformas almejáveis.”[4]
E a prática nunca teve tanta importância nos direitos urbanísticos e registral brasileiro. Aos profissionais do direito incumbe agora aplicar a legislação com a ideia principal de facilitar a execução dos instrumentos criados conforme diretriz constante do próprio Estatuto da Cidade (art. 2º, inciso XV). Também conseguir conferir o direito humano à moradia para milhares de pessoas que ao menos estavam incluídas em estatísticas oficiais, vivendo à margem da legalidade; e o pior, à margem da dignidade.
DIREITO À MORADIA
Ter acesso a uma moradia constitui claramente uma necessidade para o ser humano, é sem dúvida a estrutura principal que permite ao homem a realização de suas obras; de sonhar e realizar os mesmos; de estabelecer uma raiz; de ser conhecido em uma comunidade; um abrigo para os dias ruins e o palácio para os dias de comemoração. É a moradia que condiciona o acesso a outros direitos essenciais do homem e não se entende o porquê de não ter recebido o tratamento adequado prévio. É impossível garantir a saúde, educação e segurança sem, ao menos, não oferecer uma habitação digna para o homem. Carecer de uma moradia provoca a dispersão da cédula familiar, conduz ao fracasso escolar e contribui fortemente à degradação da saúde.
O Direito Urbanístico sempre foi tido como subárea do Direito Administrativo ou ainda do Direito Ambiental, mas observamos que o advento do Estatuto da Cidade no Brasil inovou de forma surpreendente o tratamento. Edésio Fernandes aduz que “[…] mais do que nunca, o Direito Urbanístico brasileiro tem seu próprio conjunto de leis próprias e específicas, além das disposições do capítulo constitucional sobre política urbana e o Estatuto da Cidade, a importante lei federal de parcelamento do solo e diversas outras leis federais ambientais e sobre o patrimônio-cultural; centenas de leis estaduais e milhares de leis municipais”. [5]
Mas a compreensão do Direito à Cidade como principal foco do Direito Urbanístico é tema que vem ganhando força nos últimos anos, na doutrina, principalmente.
Nelson Saule Júnior leciona que “[…] o direito urbanístico tem o papel de regular e disciplinar as normas de ordem pública referentes à proteção e promoção do direito à cidade, estabelecendo as legislações, os instrumentos jurídicos, os organismos públicos, as obrigações e responsabilidade dos agentes públicos para assegurar que os componentes do direito à cidade sustentável das atuais e futuras gerações sejam plenamente respeitados”[6].
A cidade nas palavras do sociólogo urbano Robert Parker é o “[…] intento mais exitoso do ser humano de refazer o mundo em que vive de acordo com o desejo mais íntimo de seu coração. Mas se a cidade é o mundo que o ser humano criou, é também o mundo em que a partir de agora está condenado a viver. Assim, indiretamente é sim um sentido nítido da natureza de sua tarefa, ao fazer a cidade, o ser humano refez a si mesmo.” [7]
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 reconhece o direito à moradia em seu art. 25.1: “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.”.
O direito à habitação ou moradia se reiterou em termos praticamente coincidentes no art. 11.11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966. Porém, o documento base para o Direito à Cidade, indubitavelmente, é a Carta Mundial do Direito à Cidade cuja redação vem sendo discutida e construída desde 2004 (Fóruns Social das Américas – Quito e Mundial Urbano – Barcelona) e 2005 (V Fórum Social Mundial – Porto Alegre).
Fonte: Blog Marcelo Augusto Santana de Melo
Em 27.10.2015
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