Artigo - As partes ideais e copropriedade de imóveis – Por Giuliano Ferreira da Costa Gobbo
Terrenos urbanos ou glebas rurais tem causado sérios problemas aos seus proprietários, tendo em vista que não possuem localização pré-definida dentro do imóvel e os detentores destas frações são coproprietários de um todo.
Terrenos urbanos ou glebas rurais tem causado sérios problemas aos seus proprietários, tendo em vista que não possuem localização pré-definida dentro do imóvel e os detentores destas frações são coproprietários de um todo.
Em nosso ordenamento legal, principalmente o vinculado a questões do direito imobiliário, encontramos diversas particularidades que profissionais jurídicos, não familiarizados com a matéria, esbarram em enormes dificuldades para promoverem práticas e céleres soluções aos problemas de seus clientes, principalmente aos voltados a localizações e transferências de partes ou frações ideais de imóveis, sendo estes urbanos ou rurais.
Estas partes ideais de terrenos urbanos ou glebas rurais tem causado sérios problemas aos seus proprietários, tendo em vista que não possuem localização pré-definida dentro do imóvel e os detentores destas frações são coproprietários de um todo. Existindo um condomínio de fato.
Esclarecendo o que vem a ser o condomínio de fato, trata-se do regime jurídico pelo qual cada condômino, ou seja, coproprietário, é detentor de uma fração ou parte ideal sobre um bem, possuindo desta forma uma parte do todo, porém, sem que propriedade venha a ser exatamente sobre a situação física da área do imóvel.
Um dos problemas mais comuns encontrados nesta copropriedade, é o relativo aos herdeiros que recebem um imóvel em herança, e quando do registro do formal de partilha passam ser condôminos ou coproprietários do mesmo imóvel, não sendo definida a área física que compete a cada herdeiro, em diversas hipóteses impossibilitados de venderem suas frações a terceiros.
A compra e venda de partes ideais sempre foi uma prática corriqueira no mercado imobiliário, mas há alguns anos tem se tornado um grande problema, tendo em vista que as serventias de registros de imóveis tem se recusado a registrar estas transferências com a alegação de que, dependendo do caso, como por exemplo a metragem mínima, se caracteriza parcelamento irregular do solo em conformidade com a lei 6.766/79, através de orientação de Prefeituras ou Órgãos Estaduais/Federais, tem oficiado aos oficiais registradores a se absterem de registrar ditas transferências sob pena de responsabilidade sobre o ato.
Estes problemas aumentam consideravelmente quando os condôminos, diante da impossibilidade do registro das transferências de suas partes, passam a vender estas frações através de contratos de compromissos de compra e venda, assim ficando cada vez mais complexo de se alcançar uma solução aos casos, solução esta muitas vezes alcançada apenas através do instituto da Usucapião.
Quando tratamos de imóveis localizados dentro do perímetro urbano das cidades, a propriedade de partes ideias tem causado transtornos a seus detentores, tanto na venda como na tentativa de localização.
Esta problemática deve-se ao fato de que algumas frações não cumprem o requisito mínimo de metragem de lote exigida pelos Municípios, exigência constante de legislações municipais e frequentemente encontrada nos Códigos de Normas das Corregedorias da Justiça dos Estados, citando como exemplo o art. 713 do Capítulo X – Parcelamento do Solo do Código de Normas de Santa Catarina onde prevê a seguinte restrição aos oficiais registradores:
“Art. 713. É vedado ao oficial proceder ao registro de:
I- venda de parcela de loteamento ou desmembramento não registrado;
II- fração ideal de condomínio não aprovado pelo município;
III- fração ideal com localização, numeração e metragem certa;
IV- qualquer forma de instituição de condomínio ordinário que desatenda aos princípios da legislação civil ou que, de modo oblíquo e irregular, caracterize parcelamento do solo urbano; e
V- escritura pública ou contrato particular que verse sobre promessa de compra e venda de propriedade imobiliária e implique parcelamento irregular do solo urbano ou fracionamento incabível de área rural.”
A definição de metragem mínima de lote cabe aos Municípios, e ainda podem variar pela localização, sendo influenciada pelo zoneamento urbano.
Assim, estas vedações preservam a não caracterização de loteamento irregular, e ainda impossibilitam a regularização por subdivisão, neste caso quando todos os coproprietários se unem com o objetivo de obterem matrículas individualizadas com localização específica.
Para a regularização das frações ideais em lote urbano, nos casos em que as frações atingem os requisitos, os coproprietários, em comum acordo, devem proceder um levantamento da área total com seus “lotes” individualizados, para que desta forma realizem a subdivisão perante o Município, e após realizarem uma divisão amigável através de escritura pública, desta forma possibilitando a abertura de uma matrícula individualizada para cada, agora sim, lote de terreno.
Importante ressaltar que a divisão amigável deve ser através de Escritura Pública lavrada em tabelionato de notas e não incide o ITBI.
Já com relação aos imóveis rurais, temos uma situação similar com relação a limitação na possibilidade de transferência, nestes casos somente serão aceitas no cumprimento dos requisitos da imposição da fração mínima de parcelamento (FMP) instituída pelo INCRA, atualmente estabelecida em 02 (dois) hectares, através da lei 5.868 de 1972, que cria o Sistema Nacional de Cadastro Rural, em seu artigo 8º, descrito a seguir:
“Art. 8º - Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do art. 65 da lei 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixado no § 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área.
§ 1º - A fração mínima de parcelamento será:
a) o módulo correspondente à exploração hortigranjeira das respectivas zonas típicas, para os Municípios das capitais dos Estados;
b) o módulo correspondente às culturas permanentes para os demais Municípios situados nas zonas típicas A, B e C;
c) o módulo correspondente à pecuária para os demais Municípios situados na zona típica D.
§ 2º - Em Instrução Especial aprovada pelo Ministro da Agricultura, o INCRA poderá estender a outros Municípios, no todo ou em parte, cujas condições demográficas e socioeconômicas o aconselhem, a fração mínima de parcelamento prevista para as capitais dos Estados.
§ 3º - São considerados nulos e de nenhum efeito quaisquer atos que infrinjam o disposto neste artigo não podendo os serviços notariais lavrar escrituras dessas áreas, nem ser tais atos registrados nos Registros de Imóveis, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal de seus titulares ou prepostos. (Redação dada pela lei 10.267, de 28/8/01)
§ 4º - O disposto neste artigo não se aplica aos casos em que a alienação da área se destine comprovadamente a sua anexação ao prédio rústico, confrontante, desde que o imóvel do qual se desmembre permaneça com área igual ou superior à fração mínima do parcelamento.
§ 5º - O disposto neste artigo aplica-se também às transações celebradas até esta data e ainda não registradas em Cartório, desde que se enquadrem nas condições e requisitos ora estabelecidos.”
Da mesma forma institui o art. 65 da lei 4.504/64 – Estatuto da Terra, “o imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural”.
Os imóveis de copropriedades são divididos em pro-diviso e pro-indiviso. O pro-diviso é quando existe a divisão física de cada proprietário, geralmente separada por muros ou cercas e ainda com uso exclusivo do proprietário. Já no caso do pro-indiviso, todos os coproprietários usufruem da totalidade do imóvel.
Como já explanado, no caso do condomínio pro-diviso, não localização das áreas pode causar inúmeros problemas aos proprietários, sendo na obtenção de recursos com a garantia do imóvel, averbações de construções, registros de transferências, entre outros.
Para imóveis rurais, a legislação possibilita uma solução através da chamada Estremação, correta a escrita, instituto este que pode ser descrito como a forma de demarcar ou delimitar por meios de estremas ou marcos divisórios, visando estabelecer as medidas e confrontações do imóvel em específico, para que passe a corresponder a sua real composição.
No Estado do Paraná temos esta possibilidade de resolução regulamentada pelo Provimento 276/18 da Corregedoria Geral da Justiça, que em seus 13 artigos estabelece passo a passo a forma de sua execução, porém não abre esta opção aos imóveis urbanos, aos quais somente resta a subdivisão perante o Município, desde que respeitados os requisitos, como por exemplo a metragem mínima de lotes.
Ressalta-se que cada Estado da Federação possui, em seus Códigos de Normas orientações similares, levando em consideração que se trata de legislação estadual.
Um requisito importante existente na possibilidade da aplicação da Estremação, além da fração mínima de parcelamento, é a posse pacífica de pelo menos 5 (cinco) anos, sendo permitida a soma do tempo de posse dos proprietários anteriores, devidamente comprovada, conforme consta do art. 3º do Provimento antes citado.
A localização da parcela pro-diviso deve ser necessariamente realizada através de Escritura Pública de Declaração, sempre respeitando o constante do art. 108 do Código Civil Brasileiro.
O instituto do pro-diviso não prevê e não deve ser usado para a regularização de loteamentos irregulares, para os quais devem ser aplicadas as regras específicas que podemos encontrar nos Códigos de Normas dos Estados, como orientação aos Oficiais Registradores, bem como na lei 13.465/17, a qual trata da Regularização Fundiária Rural e Urbana, que veio simplificar e muito o anteriormente previsto em outras legislações.
Desta forma concluímos que a frequente atualização de profissionais quanto a novos regramentos jurídicos tem possibilitado a soluções práticas a percalços encontrados na seara da regularização imobiliária em nosso país.
*Giuliano Ferreira da Costa Gobbo é advogado especializado em Direito Imobiliário, sócio do escritório Gobbo & Guimarães Advogados Associados, mestre em Propriedades Imobiliárias pela University of Miami School of Law e membro da Comissão Especial de Direito Imobiliário do Conselho Federal da OAB.
Fonte: Migalhas
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