Em 20/07/2018
Artigo - Da aquisição de imóveis rurais por empresa jurídica brasileira equiparada à estrangeira, por Bernardo Freitas Graciano e Bruno Malta Pinto
A aquisição de imóveis rurais por estrangeiros é tema sensível e que mereceu, como continua a merecer, importantes contribuições no sentido de se ofertar interpretações que promovam a compatibilização das regras e princípios regentes da matéria com aquele que é o pano de fundo que parece modular o debate: o resguardo da soberania interna a partir da defesa do território nacional
I – Introdução
A aquisição de imóveis rurais por estrangeiros é tema sensível e que mereceu, como continua a merecer, importantes contribuições no sentido de se ofertar interpretações que promovam a compatibilização das regras e princípios regentes da matéria com aquele que é o pano de fundo que parece modular o debate: o resguardo da soberania interna a partir da defesa do território nacional.
A Lei federal nº 5.709, de 07 de outubro de 1971, regulou a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no território brasileiro, estabelecendo o regramento da matéria, dentre permissões, restrições e vedações.
As restrições e vedações de aquisição dos imóveis rurais é tema com contornos sinuosos e de debates que já se desenrolam por longo período de tempo, experimentando flutuações de opinião em razão da superveniência de novos instrumentos normativos que interferem na regulamentação da matéria ou mesmo em razão de diversas interpretações conferida às regras que, no contexto dessas alterações, regularam a matéria.
Em decorrência de leituras estreitas das restrições estabelecidas pelo diploma normativo, seus reflexos têm se estendido indevidamente ao campo de obrigações ambientais estabelecidas em regulares processos administrativos de licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos minerários que, mais das vezes, em razão da constituição societária das sociedades empresárias desenvolvedoras dessas atividades, esbarrarão em algumas das hipóteses legais.
O presente artigo tempo por objetivo, portanto, apresentar uma leitura consonante entre as regras (permissões, proibições, obrigações) estabelecidas pelas normativas que regulam a matéria e o desenvolvimento de atividades passíveis de licenciamento ambiental por sociedades empresárias estrangeiras.
Interessa mais proximamente no presente artigo as restrições estabelecidas em lei para a aquisição de imóveis rurais e a opinião jurídica decorrente de manifestação exarada pela Advocacia-Geral da União (AGU), por intermédio do Parecer AGU nº LA 01, de 19 de agosto de 2010, que versou sobre a aquisição de terras por estrangeiros e afirmou a recepção do § 1º, do art. 1º, da Lei Federal n.º 5.709/71, estabelecendo-se, portanto, restrições à aquisição de terras por pessoa jurídica brasileira equiparada à estrangeira.
O enfoque particular e específico na opinião da AGU justifica-se no fato de que, a partir de sua manifestação, há uma vinculação de sua opinio aos órgãos e entidades da Administração Pública federal, dentre eles, exemplificativamente, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), responsável por manifestar-se nos requerimentos de aquisição de terras por estrangeiros.
O entendimento ofertado pela AGU impede, na prática, que sociedades empresárias, ainda que constituídas sob as lei pátrias e com sede no Brasil, mas que tenham, de alguma forma, controladoras estrangeiras, com o objetivo de cumprir obrigações decorrentes de condicionantes e medidas compensatórias apostas em processo administrativo de licenciamento ambiental, adquiram terras em território nacional ou mesmo que adquiram terras para a consecução de seus objetivos estatutários.
II. – Soberania: o pano de fundo para as restrições legislativas
A Soberania, elemento conformador do Estado em sua feição moderna, aparece como balizador no ordenamento jurídico brasileiro das diversas disposições especiais afetas ao regramento jurídico das Pessoas Jurídicas estrangeiras.
Segundo se verifica na Lei federal nº 5.709/71 e do Decreto federal nº 74.965/74, considera-se Pessoa Jurídica estrangeira, a sociedade constituída e organizada em conformidade com a legislação do país de origem, onde também mantém sua sede administrativa.
Por outro lado, conceituando as pessoas jurídicas nacionais, o artigo 60 do Decreto Lei 2.627/40 (que versa sobre sociedade por ações) dispõe que:
Art. 60. São nacionais as sociedades organizadas na conformidade da lei brasileira e que têm no país a sede de sua administração. Vide Lei nº 6.404, de 1976.
Neste cenário, uma sociedade com sede no Brasil, constituída sob as leis brasileiras, com sócios controladores brasileiros (sejam pessoas físicas ou jurídicas), não deveria sofrer as mesmas restrições previstas no Decreto Lei 9.760/46, que trata de bens imóveis da União.
Todavia, não se trata de entendimento dominante, por força do disposto no §1º, do artigo 1ºda Lei federal n. 5.709/71 que equipara sociedades nacionais com sócios estrangeiros, às sociedades estrangeiras para fins de aquisição de imóveis rurais, senão vejamos:
Art. 1º [...]
§ 1º – Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior. (grifos nossos)
Analisando o disposto no art. 171, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB 88) antes de sua revogação pela Emenda Constitucional n. 06/1995 (EC 06/95), sobreveio o Parecer da Advocacia Geral da União – AGU GQ-22/1994, de 07/06/1994 e deu nova leitura ao § 1º, art. 1º, da Lei 5.709/71, para manifestar sobre sua não recepção ante a nova ordem constitucional inaugurada pela CRFB 88. A partir desse entendimento exarado pela AGU, as pessoas jurídicas brasileiras, ainda que tivessem controle acionário de estrangeiro, não estavam adstritas aos limites, controles e limitações da Lei federal n. 5.709/71.
Com a revogação do citado dispositivo constitucional pela EC 06/95, novo parecer AGU foi lavrado e aprovado em agosto de 2010, o parecer CGU/AGU 01, mudando o entendimento anterior, para afirmar que o § 1º, art. 1º, da Lei federal 5.709/71 fora regularmente recepcionado. Dessa forma, as pessoas jurídicas brasileiras que tivessem controle acionário de estrangeiro estavam novamente sob a incidência da Lei federal n. 5.709/71.
A Constituição, nos termos do art. 190[1], estabelece que caberá a legislação regular e limitar a aquisição de propriedade rural por pessoa natural ou jurídica estrangeira.
A definição de imóvel rural é encontrada no art. 4º, inciso I, da Lei federal n. 4.504/64, conhecida como “Estatuto da Terra”:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
I – “Imóvel Rural”, o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada;
A partir da definição de imóvel rural promovida pelo Estatuto da Terra, coube a Lei federal n. 5.709/71 e seu regulamento, o Decreto federal 74.965/74, regularem a aquisição deste tipo de imóvel por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil[2].
Verifica-se que há dois requisitos para a aquisição de imóvel rural quanto à pessoa: o estrangeiro ter residência no país e a pessoa jurídica estrangeira estar autorizada a funcionar no Brasil.
Igualmente, fica sujeito ao regime estabelecido pela citada Lei federal n. 5.709/71, a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior (art. 1º, § 1º, Lei 5.709/71).
Com a vigência da CRFB 88 o conceito de empresa brasileira seria aquela “constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país” (art. 171, inciso I).
Reforçando esta tese, em meados de abril de 2015, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, editou o Provimento nº 43/2015, que normatizou o arrendamento de imóvel rural por estrangeiro residente ou autorizado a funcionar no Brasil, bem como por pessoa jurídica brasileira da qual participe, a qualquer título, pessoa estrangeira física ou jurídica que resida ou tenha sede no exterior e possua a maioria do capital social, aplicando-se integralmente a Lei federal n.º 5.709/71.
III – Dos aspectos afetos ao Direito Constitucional e Ambiental
Como salientado linhas atrás, por detrás das restrições impostas aos estrangeiros para a aquisição de terras em solo pátrio, encontra-se um fundamento de resguardo da Soberania nacional. Mas também o tema – aquisição de imóveis rurais por estrangeiros – indica a concretização de outro elemento conformador do Estado em sua acepção moderna (ao lado da mencionada Soberania): o território.
Vê-se, portanto, que o tema da aquisição de terras por entes estrangeiros é sensível por colocar em relevo a possibilidade de desconstrução da própria figura do Estado, muito embora correntes de pensamento de matiz pós-modernistas já apresentem releituras de mencionados elementos, afastando, dentro dessa ótica, as ressalvas levantadas pelos modernistas.
De toda sorte e considerando-se que, via de regra, a Administração Pública esconde-se sob o princípio de legalidade para perpetuar práticas que paradoxalmente atentam contra a eficiência (outro princípio com assento constitucional), não se deve desconsiderar aqui os receios e cautelas que o tema suscita.
Primeiramente, o ponto que merece debate é aquele que diz respeito ao alcance da Lei Federal n. 5.709/71 para que, assentado tal entendimento, perscrutemos sobre sua aplicação às atividades minerárias regularmente desenvolvidas.
Consoante se extrai da ementa da citada lei, seu objetivo é regular a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil. Nesse sentido, os dispositivos insertos na citada lei, em especial, seus art. 3º e 5º, cuidaram de delinear os contornos da matéria, senão vejamos:
Art. 3º – A aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira não poderá exceder a 50 (cinquenta) módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua.
§ 1º – Quando se tratar de imóvel com área não superior a 3 (três) módulos, a aquisição será livre, independendo de qualquer autorização ou licença, ressalvadas as exigências gerais determinadas em lei.
[...]
Art. 5º – As pessoas jurídicas estrangeiras referidas no art. 1º desta Lei só poderão adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários.
§ 1º – Os projetos de que trata este artigo deverão ser aprovados pelo Ministério da Agricultura, ouvido o órgão federal competente de desenvolvimento regional na respectiva área.
§ 2º – Sobre os projetos de caráter industrial será ouvido o Ministério da Indústria e Comércio.
Considerando-se as disposições aplicáveis às pessoas jurídicas estrangeiras, vê-se que há uma restrição genérica à aquisição de terras rurais, decorrente de interpretação, ao contrário do disposto no §1º, do art. 5º que, por sua vez, excepciona a aquisição desses bens ao desenvolvimento das atividades que especifica.
À par da discussão acerca do que se deva entender por pessoa jurídica estrangeira e equiparadas, o comando normativo do regramento estatuído pela lei oportuniza, ainda assim, a aquisição de terras por entidades estrangeiras que objetivem desenvolver projetos agrícolas, agropecuários, industriais ou de colonização, após necessária aprovação do órgão de governo competente.
Há, como se percebe, a possiblidade de se estabelecer estreita relação das atividades que possibilitem a aquisição de terras com a finalidade última da restrição, qual seja, resguardo de soberania. Dito de outra forma: se a finalidade última da lei federal ao impor restrição de aquisição de terras brasileiras por estrangeiros é resguardar elementos de conformação do Estado brasileiro, as aquisições que tivessem por objetivo o desenvolvimento de projetos agrícolas, agropecuários, industriais ou de colonização, poderiam ocorrer, desde que autorizadas pelo Governo brasileiro.
No plano infra legal cuidou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) de estabelecer, por intermédio de instrução normativa (IN INCRA n. 88, de 13 de dezembro de 2017) e em atenção ao tema em debate – aquisição de imóvel rural por estrangeiros – regramento específico para a emissão de autorização por parte dessa autarquia para a compra e arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros.
Lê-se no artigo 13 da citada IN 88/17 restrições lastreadas na Lei Federal n.º 5.709/71, senão vejamos:
Art. 13: a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil, ou a pessoa jurídica brasileira a ela equiparada, nos termos do § 1º do art. 1º, da Lei nº 5.709, de 07 de outubro de 1971, e do Parecer AGU nº LA-01/2010, só poderá adquirir ou arrendar imóvel rural destinado à implantação de projetos agrícolas, pecuários, florestais, industriais, turísticos ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários ou sociais.
Parágrafo único. A autorização para aquisição ou arrendamento de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira, ou pessoa jurídica brasileira a ela equiparada, dependerá da aprovação do projeto de exploração referido no caput.
Como se percebe, existe um paralelismo com as disposições legais. De toda forma, transpostas tais conclusões preliminares às situações experimentadas por sociedades empresárias desenvolvedora de atividades minerárias, a questão ganha outros contornos.
Pela leitura dos dispositivos até aqui citados e transcritos, não foi objeto das atenções do legislador de 1971 as atividades desenvolvidas por aquelas sociedades empresárias. Dito de outra forma: às atividades de mineração não se aplicam os regramentos da Lei Federal n. 5.709/71 e, por consequência, da IN INCRA n.º 88/17.
Para dar guarida a tal entendimento, alguns argumentos podem ser alinhados.
Em primeiro: trata-se a Mineração de uma atividade reconhecidamente de utilidade pública desde os idos de 1941, quando da edição do Decreto-lei 3.365. Tal reconhecimento revela o interesse nacional, posteriormente ratificado pelo Constituinte de 1988, no desenvolvimento da atividade. O que, ao seu turno, permitiria afastar qualquer intenção de restrição ao seu desenvolvimento.
Em segundo: as atividades de Mineração dispõem de rito específico e de regramento autônomo. Sob o aspecto formal, sua realização depende de autorização de órgão próprio, qual seja, a Agência Nacional de Mineração (ANM) e chancela, em determinadas situações, do Ministério de Minas e Energia (MME). Sob o aspecto material, a autorização eventualmente necessária à execução de atos decorrentes do exercício da atividade minerária é essencialmente técnica e, portanto, não afeita à atribuição do INCRA.
Em terceiro: de se salientar ainda que, sob o aspecto lógico, se uma empresa brasileira equiparada à empresa estrangeira recebe outorga da ANM para exploração mineral, o acesso e a interferência na superfície de imóveis rurais, propriamente onde ocorre o bem mineral, e consequentemente no direito de propriedade e superfície, é condição natural para que a sua obrigação perante a União possa ser efetivada e para que as autorizações e concessões se tornem práticas.
Retomando à discussão levada a efeito no Parecer AGU nº LA-01 /2010, referente à recepção/não recepção do §1º, do art 1º da Lei federal 5.709/71 em face do art. 171 da CRFB 88 em sua redação original ou, noutro viés, possibilidade de repristinação do citado artigo face à nova disposição constitucional da matéria, é imprescindível anotar que a celeuma acerca do entendimento sobre estímulos ou restrições à empresa brasileira ou empresa brasileira de capital nacional não alcançaram o setor da Mineração.
Tal conclusão se extrai da leitura do §1º, do art 176 da CRFB 88, já que pela alteração promovida pela EC n. 06/98, a pesquisa e lavra de recursos minerais podem ser efetuados mediante autorização ou concessão da União “por brasileiros ou empresas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país”. Vejamos sua redação na íntegra:
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.
§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o “caput” deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
O transcrito dispositivo, reafirmando tudo quanto exposto até aqui e revelando a especialidade da matéria minerária, faz encerrar a discussão sobre eventual aplicação das restrições previstas no §1º, do art.1º da Lei federal n. 5.709/71, pouco importando se o dispositivo foi recepcionado ou repristinado, visto ser inaplicável à matéria.
Como a corroborar ainda este entendimento, é imprescindível registrar de igual forma a inocuidade da discussão, também levada a efeito no mencionado Parecer AGU nº LA-01 /2010, sobre a extensão da interpretação dada à expressão “pessoa jurídica estrangeira” constante do art. 190 da CRFB 88 às atividades do setor minerário, não só porque o topos da discussão é incapaz de atingir à especialidade da matéria, e para tanto basta verificar que o citado artigo localiza-se no capítulo dedicado à política fundiária e reforma agrária, mas, sobretudo, porque as atividades minerárias não são conflitantes, e sim, desenvolvem-se no e para, o interesse nacional (cf. art. 176, §1º, CRFB 88).
Todos esses argumentos promovem, como salientado no citado parecer e em referência à feliz expressão do abalizado Eros Grau, uma leitura que perceba a unidade da Constituição.
Por estas razões, pode-se concluir que não há submissão da Mineração, por ausência de previsão, aos dispositivos da Lei Federal n. 5.709/71 e IN INCRA n. 88/17 que versam sobre as restrições na aquisição de imóveis rurais por pessoas estrangeiras. Ainda que se admitisse tal submissão às normativas citadas, o requisito nelas encontrado da “aprovação de projeto” estaria atendido por força da manifestação da autoridade competente na matéria, qual seja, o MME e a ANM, quando da outorga do direito de lavra.
Superada dessa forma a restrição imposta pelo §1º, do art. 1º da Lei federal n. 5.709/71 face à sua inaplicabilidade às atividades de Mineração, outros elementos podem ainda ser apontados com o objetivo de afastar qualquer leitura que se tente realizar para trazer as imposições e restrições da citada lei.
Atentos aos contornos da matéria, é digno de registro que a necessidade de aquisição de terras rurais por sociedades empresárias desenvolvedoras de atividades minerárias se dá em razão de uma séria de fatores, como a rigidez locacional da atividade a exigir a aquisição de terras, em sua grande maioria, situadas em área rural, a necessidade de desenvolvimento de suas atividades estatutárias, o que, por si e ante todo o exposto, é passível de autorização noutra esfera de Governo, mas também em razão da necessidade de cumprimento de obrigações de natureza ambiental, estabelecidas em processo administrativo de licenciamento ambiental.
Referidas obrigações, em sua quase totalidade, referem-se à necessidade de cumprimento de compensação ambiental (cf. art. 36, Lei federal n, 9.985/00) e, portanto, são obrigações que decorrem de lei ou de obrigações estabelecidas em sede de condicionantes do licenciamento ambiental, como por exemplo, a instituição de unidade de conservação de uso sustentável (Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN).
Tais obrigações de natureza ambiental, obviamente não poderiam estar no escopo da Lei federal n. 5.709, que data do ano de 1971. Como sabido, somente a partir de 1972, com os reflexos da Convenção de Estocolmo, foi que o Brasil adotou, ainda de forma incipiente, algumas medidas de proteção e conservação ambientais. Medidas mais rígidas somente vieram à lume com a publicação da Lei Federal n. 6.938, de 1981 e, posteriormente, com a ordem constitucional inaugurada em 1988, tendo sido complementada ao longo dos anos com outras normativas, como é exemplo a Lei Federal n. 9.985, no ano de 2000.
Quer-se com isso afirmar, admitindo-se nos termos do Parecer AGU nº LA-01/2010, a recepção do §1º, do art. 1º da Lei Federal n. 5.709/71, que se houvesse, ainda que em caráter excepcional, autorização para a aquisição de terras por estrangeiros no desenvolvimento de determinados projetos que não colidam com o interesse nacional, não seria implausível sustentar-se igual possiblidade para o cumprimento de obrigações de natureza ambiental.
Isso ocorre, porque o cumprimento dessas obrigações de cunho ambiental, possibilita, a um só tempo, a preservação de espaços verdes em território pátrio, e com isso, a concretização do princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado no caput do art. 225 da CRFB 88, e a manutenção dessas mesmas áreas em posse de brasileiros. Sobretudo, em se tratando de compensações ambientais, uma das modalidades mais comuns para o seu cumprimento é a doação de áreas ou regularização fundiária de unidades de conservação existentes.
Como se vê por todos os lados que se analise a questão, a despeito da inegável complexidade do assunto, há argumentos sólidos a sustentar ou (i) a inaplicabilidade das restrições impostas pela Lei Federal n. 5.709/71 às aquisições de terras por sociedades empresárias desenvolvedoras de atividades de mineração ou (ii) se aplicável a citada lei à essas sociedades, a possibilidade de enquadramento das hipóteses excepcionais de aquisição de terras por estrangeiros em razão da justificação encontrada na natureza da obrigação.
V – Dos aspectos afetos ao Direito Notarial e Registral.
Como já bem salientado, por detrás de restrições impostas pela AGU e INCRA, não há que se falar, oportunamente, que uma empesa brasileira com capital estrangeiro tendo sua atividade a extração de minério de ferro, tenha o consentimento ou qualquer tipo de autorização dada pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA, pelos seguintes motivos:
a. O provimento nº 260/2013 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, em seu LIVRO VII – DO LIVRO DE REGISTRO DE AQUISIÇÃO DE IMÓVEL RURAL POR ESTRAGEIRO, não cita em nenhum momento a obtenção prévia de autorização do INCRA para tais fins, salvo o artigo nº 748, que diz:
“Art. 748. Nos casos em que for necessária a autorização prévia do INCRA, a escritura deverá ser lavrada no prazo de 30 (trinta) dias do deferimento do pedido e deverá ser apresentada para registro no prazo de 15 (quinze) dias da sua lavratura, sob pena de nulidade, sendo vedado ao oficial de registro proceder ao registro em desatendimento a tais prazos (art. 14, § 2º, do Decreto nº 74.965/1974, c/c art. 15 da Lei nº 5.709/1971).”
Ou seja, as leis acima citadas e muito bem exemplificadas, em momento algum discorrem da obrigatoriedade da empresa com atividade minerária pedir anuência para adquirir imóveis rurais ou urbanos.
b. Em seu artigo 745, a única obrigatoriedade que os Cartórios de Registro de Imóveis do estado de Minas Gerais possuem, é a de comunicar ao INCRA e à CGJ, trimestralmente e mensalmente, respectivamente, as aquisições de estrangeiros, vejamos:
“Art. 745. Todas as aquisições e arrendamentos de imóveis rurais por estrangeiros deverão ser trimestralmente comunicadas ao INCRA e mensalmente à Corregedoria-Geral de Justiça, obrigatoriamente. (Art. 745 com redação determinada pelo Provimento nº 305, de 1º de outubro de 2015)” Grifo nosso.
c. Em consulta ao INCRA, o estrangeiro poderá ser usufrutuário de imóvel rural, uma vez que as restrições legais da lei 5.709/71 não alcançam os direitos dos usufrutuários, por se tratar de um direito real diferente da aquisição. Da mesma forma, não incidem sobre a parceria, o uso, a habitação, enfim, outros direitos reais, conforme parecer nº 175/2011 da Coordenação Geral Agrária – CGA.
d. A suscitação de dúvida em caráter administrativo, junto à vara de Registro Público competente, é totalmente admissível quando da nota de devolução do Cartório de Registro de Imóveis competente, exigindo a anuência do INCRA.
Jurisprudência selecionada:
REGISTRO DE IMÓVEIS – Aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica brasileira cujo capital social pertence a pessoa jurídica estrangeira; Situação que não se amolda à regra do § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971, que, ademais, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 – Equiparação ofensiva ao artigo 190 da CF/1988 – Precedente do Órgão Especial deste Tribunal de Justiça (Mandado de Segurança n.º 0058947-33.2012.8.26.0000) Orientação normativa da Corregedoria Geral da Justiça (Parecer n.º 461/2012-E)- Título passível de registro – Dúvida improcedente – Recurso provido.
(TJ-SP – APL: 00004031820128260270 SP 0000403-18.2012.8.26.0270, Relator: Renato Nalini, Data de Julgamento: 23/08/2013, Conselho Superior de Magistratura, Data de Publicação: 29/08/2013).
Explicação – Admitida a recepção do § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709, de 7 de outubro de 1971, pela Constituição de 1988, determinou-se aos tabeliães de notas e aos oficiais de registro, a observação dos artigos 10, 11 e 12 da referida Lei, mesmo em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social pertença a estrangeiros não residentes no País ou a pessoas jurídicas estrangeiras sediadas no exterior. Contudo, o Colendo Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, estabeleceu que o § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971 não foi recepcionado pela CF/1988. Portanto, o motivo do controle da pessoa jurídica brasileira ser exercido por estrangeiros não é de acordo com a Constituição de 1988, fator discriminatório legítimo entre pessoas jurídicas brasileiras: não é pra restringir, mas pode ser para definir benefícios e incentivos.
V – Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que a empresa estrangeira equiparada à nacional que tem dentre seus objetivos sociais e atividade preponderante a extração de minério, não encontra óbices para a aquisição de imóveis rurais, principalmente quando essa aquisição objetiva o cumprimento de condicionantes impostas em seu licenciamento ambiental e, nesse sentido, a exigência de anuência prévia do INCRA é inaplicável, vez que se destina apenas às atividades de exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial.
Nesse cenário, a atividade notarial deve se desenvolver com observância ao principio da legalidade, prevendo a lei o dever da garantia da segurança e eficácia dos atos jurídicos dos quais participa, competindo à Corregedoria Geral de Justiça do Estado competente o dever de fiscalização dos atos notariais administrativamente.
Por todo o exposto, verifica-se, a partir dos diversos prismas salientados neste parecer que, embora a matéria ora tratada mereça cautelas, já que tem em pano de fundo questão sensível e que pode afetar, ainda que reflexamente, a soberania estatal, há argumentos sólidos a sustentar a inaplicabilidade das restrições indicadas na Lei Federal n. 5.709/71 às eventuais aquisições de terras porventura levadas à efeito por sociedades empresárias desenvolvedoras de atividades minerárias.
Concluímos que, é primordial para a economia brasileira que sejam revistas as alegações dos entes públicos para que possamos vencer essa barreira, diversas comarcas e estados aguardam uma solução definitiva com mais segurança e conforto para os Cartórios de Notas e de Registros de Imóveis atuarem e realizarem seus atos extrajudiciais sem qualquer tipo de anuência do INCRA, com o intuito de viabilizar uma regularização fundiária mais ágil sem abrir mão da soberania e segurança nacional.
*Dr. Bernardo Freitas Graciano
Sócio do Escritório Moisés Freire Advocacia. Com atuação e especialização na área de Direito Notarial e Registral e Regularização Fundiária em nível nacional. Foi Tabelião Substituto do Cartório do 9º Ofício de Notas de Belo Horizonte/MG, atuando na análise de processos extrajudiciais desde 2000, é membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.
*Dr. Bruno Malta Pinto
Advogado no escritório Moisés Freire. Formado em Direito pela Universidade FUMEC, concluiu seu mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais. Possui ampla experiência no Direito Ambiental. Foi servidor da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), tendo sido Diretor de Controle Processual da Supram-CM, Superintendente de Controle e Emergência Ambiental, Diretor de Autos de Infração e Assessor de Normas e Procedimentos.
[1] Art. 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.
[2] A contrário senso, por evidência, os imóveis urbanos não estão abrangidos pela norma, ou seja, a sua aquisição por estrangeiros é livre.
Fonte: I Regsitradores
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