Artigo – Conjur - A Resolução 318 do CNJ e o funcionamento do Judiciário na quarentena – Por Henrique Ávila e Guilherme Peres de Oliveira
No último dia 19 de março, oito dias após a declaração de pandemia da Covid-19, decretada pela OMS, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 313, destinada a regular o funcionamento do Poder Judiciário e questões atinentes à prática de atos processuais neste período de profunda anormalidade, com prazo de vigência até o dia 30 de abril de 2020
A Resolução 313/2020
No último dia 19 de março, oito dias após a declaração de pandemia da Covid-19, decretada pela OMS, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 313, destinada a regular o funcionamento do Poder Judiciário e questões atinentes à prática de atos processuais neste período de profunda anormalidade, com prazo de vigência até o dia 30 de abril de 2020.
A atitude mostrou-se acertada. Se, por um lado, a necessidade de desmobilização física dos prédios da Justiça, escritórios de advocacia e demais estabelecimentos era premente, também o Poder Judiciário e o acesso à Justiça não poderiam parar, uma vez que é um serviço fundamental.
Naquele momento, já era claro que o Brasil sofreria os impactos da pandemia tanto quanto o vinham sofrendo países asiáticos e europeus. Diante disso, diversos tribunais já iniciavam movimento de fechamento e de suspensão da prática de atos e de prazos processuais. Como tais movimentos, naturalmente, se dariam de maneira não — uniforme, o CNJ se dispôs a realizar justamente uma de suas funções — a de buscar uniformidade, tanto quanto possível e observando as peculiaridades locais, da administração da Justiça.
A Resolução 313 determinou, de plano, a suspensão de todos os prazos processuais em território nacional, em todos os órgãos jurisdicionais (exceto no Supremo Tribunal Federal, o qual não se submete à "Jurisdição" o CNJ).
Além disso, a Resolução criou o interessante conceito de "Plantão Extraordinário", consistente, em síntese, na continuidade do trabalho dos juízes e servidores em tempo integral, por meio de mecanismos de teletrabalho. Determinou, ainda, que os tribunais garantissem a realização de algumas atividades essenciais (por ela elencadas) bem como a apreciação de medidas urgentes.
Dessa forma, o CNJ afastou a possibilidade de que os tribunais simplesmente fechassem as portas e adotassem o sistema de plantão tradicional, semelhante àquele praticados em horário noturno ou em dias não úteis.
Naturalmente, diante da vedação de qualquer atividade presencial, restaram igualmente suspensas todas as audiências e sessões de julgamento, que não fossem realizadas de maneira virtual.
A Resolução 314/2020
Se o período de suspensão total dos prazos mostrou-se indispensável num primeiro momento, com o tempo os advogados, juízes, servidores e demais atores do sistema de justiça passaram a se aperfeiçoar cada vez mais com o trabalho remoto e as demais limitações impostas pela circunstância de pandemia. Por outro lado, a suspensão de prazos, se prolongada, passa a causar um crescente represamento de ações e recursos nos tribunais.
Diante da aproximação do termo de vigência, o CNJ editou nova Resolução (314), a qual prorrogou com modificações a Resolução 313 até o dia 15 de maio de 2020.
As modificações foram, em síntese, as seguintes: (i) a partir do dia 04.05.2020, voltariam a fluir os prazos dos processos eletrônicos (cerca de 80% dos processos no Brasil, hoje, correm de maneira eletrônica); (ii) os Tribunais deveriam retomar a realização de audiências e sessões de julgamento por meio de mecanismos de videoconferência, para os quais, inclusive, disponibilizou plataforma on-line gratuita para utilização de todos os órgãos jurisdicionais do país.
A Resolução 314/2020 contemplou, ainda, importantíssima exceção, sobretudo para os advogados: nos casos de ato processual essencial à ampla defesa e ao contraditório (tais como contestação e embargos à execução), bem como naqueles que demandem coleta prévia de provas, basta que o advogado peticione nos autos informando a impossibilidade da prática plena de tal ato, para o tal prazo fique novamente suspenso, sem necessitar de aguardar a decisão do juiz.
Dessa forma, por força da Resolução 314, os prazos processuais dos processos eletrônicos voltaram a fluir do momento em que suspensos (dia 19 de março de 2020), devendo ser contados, a partir do dia 04 de Maio de 2020, os dias que faltavam para seu término (art. 221 do CPC e Art. 3o § 1o da Resolução). Naturalmente, os prazos processuais deflagrados por intimações realizadas dentro do período de suspensão iniciariam seu cômputo no dia 04 de maio de 2020.
A Resolução 318/2020
Pois bem. Diante da mudança do cenário da pandemia no país, com o endurecimento de medidas de rigoroso afastamento social já decretadas em alguns estados na federação (e a possibilidade de que isso ocorra em outros), o CNJ editou, nesta quinta (7/5), a Resolução 318, mantendo o curso dos prazos que já vinham correndo desde o último dia 4, mas contemplando a nova realidade de lockdown que vem sendo observada em alguns locais do pais.
Em síntese, a mais nova resolução determina: (i) a prorrogação da vigência das Resoluções 313 e 314 até o dia 31 de maio, com a fluência dos prazos nos processos eletrônicos desde 04.5.20; (ii) nova suspensão dos prazos nos processos eletrônicos caso autoridade estadual determine medidas restritivas à circulação de pessoas (o assim chamado “lockdown”), suspensão essa válida para os órgãos jurisdicionais abrangidos por aquela ela unidade da federação); (iii) mesmo ausente a decretação formal de lockdown por parte de autoridade estatal (como as municipais, por exemplo), poderá o Tribunal requerer ao CNJ a suspensão dos prazos em âmbito estadual ou local, demonstrando que, ainda assim, há situação que impeça o “livre exercício de atividades forenses regulares”.
Por outro lado, a resolução nada mudou quanto à determinação de que as audiências e sessões de julgamento sigam sendo realizadas por meio de videoconferência.
O Arcabouço das 3 normas
Repare-se que as três resoluções seguem vigentes, formando um único conjunto normativo com vigência até o dia 31 de maio. Da interpretação sistemática desse conjunto normativo se extraem, fundamentalmente, as seguintes regras, vigentes na data em que escrito este artigo:
(a) Os prazos nos processos físicos seguem suspensos, desde o dia 19 de março até o dia 31 de maio; (b) Como regra, os prazos nos processos eletrônicos (mais de 80% dos processos no país) seguem fluindo desde o dia 04 de maio, não sendo suspensos ou interrompidos por força da Resolução 318/2020; segue vigente, igualmente, a possibilidade de peticionar informando ao Juízo a impossibilidade de prática do ato, pela necessidade de coleta prévia de meios de prova; (c) Enquanto exceção, não fluirão os prazos nos processos eletrônicos que tramitem em órgão jurisdicional de um estado da Federação que tenha decretado medidas restritivas à circulação de pessoas (“lockdown”), durante todo o período de vigência de tal determinação; mesmo ausente a decretação formal de lockdown por parte de autoridade estatal (como as municipais, por exemplo), poderá o Tribunal requerer ao CNJ a suspensão dos prazos. (d) As audiências e sessões de julgamento devem continuar sendo realizadas por meio de videoconferência, sempre que possível.
Na medida em que a situação de fato vá se alterando, é natural que exsurjam outros atos, editados pelo CNJ ou pelos Tribunais, para adaptar as normas à realidade, que muda a cada dia. Mas certamente essa é a hora de, mais do que nunca, todos os atores processuais atuarem na mais estrita cooperação e compreensão mútua, com empatia e solidariedade, entre juízes, advogados, membros do MP, defensores públicos, e todos os integrantes do sistema de Justiça, para que possamos superar juntos esse período de impensável anormalidade em que vivemos.
*Henrique Ávila é conselheiro do CNJ e membro do gabinete de crise instituído pela Portaria 53/2020. Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP.
*Guilherme Peres de Oliveira é advogado e professor. Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP.
Fonte: Conjur
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