Em 20/02/2018

CGJSP - DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA - INDISPONIBILIDADE DE BENS


A decretação de indisponibilidade de bens não representa óbice intransponível ao procedimento administrativo de demarcação urbanística e de legitimação de posse.


1001925-57.2016.8.26.0453
 Pirajuí  17/01/2018  14/02/2018
 Geraldo Francisco Pinheiro Franco
 LO - Novo CPC - 13.105/15  98
 LO - Lei Ordinária - 1.060/1950
 PMCMV - Minha Casa Minha Vida e Regularização Fundiária urbana - 11.977/2009  47  III
 LLE - Liquidação Extrajudicial - 6.024/1974  18
 CF - Constituição da República - 1988  183
 CC2002 - Código Civil de 2002 - 10.406/2002  1.240

REGISTRO DE IMÓVEIS - Recurso de apelação recebido como recurso administrativo - Gratuidade de Justiça - Pessoa jurídica - Indeferimento - Demarcação Urbanística em procedimento de regularização fundiária - Titular de domínio em regime de liquidação extrajudicial - Ausência de óbice à demarcação - Parecer pelo recebimento do reclamo como recurso administrativo e pelo seu não provimento.

ÍNTEGRA

PROCESSO Nº 1001925-57.2016.8.26.0453 - PIRAJUÍ - CIA URANO DE CAPITALIZAÇÃO - EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL - ADVOGADOS: LUIZ ROSELLI NETO, OAB/SP 122.478, LUIS CARLOS PFEIFER, OAB/SP 60.128 E JORDÃO POLONI FILHO, OAB/SP 24.488. - (27/2018-E) - DJE DE 14/02/2018, P. 13.

REGISTRO DE IMÓVEIS - Recurso de apelação recebido como recurso administrativo - Gratuidade de Justiça - Pessoa jurídica - Indeferimento - Demarcação Urbanística em procedimento de regularização fundiária - Titular de domínio em regime de liquidação extrajudicial - Ausência de óbice à demarcação - Parecer pelo recebimento do reclamo como recurso administrativo e pelo seu não provimento.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto contra r. sentença que rejeitou a impugnação formulada pela recorrente, perante o Oficial do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Pirajuí/SP, em procedimento de regularização urbanística de iniciativa da Prefeitura local.

A recorrente, preliminarmente, requereu a gratuidade de justiça. No mérito, sustenta a impossibilidade de continuidade do procedimento de demarcação urbanística, sob o fundamento de que a discussão sobre a propriedade das áreas envolvidas se encontra sub judice.

Ademais, a recorrente também afirma que o fato dela se encontrar em regime de liquidação extrajudicial seria óbice à continuidade do procedimento.

Pela decisão de fl. 2114/2115, foi determinada a redistribuição do presente recurso a esta Eg. Corregedoria Geral da Justiça, em razão da incompetência do C. Conselho Superior da Magistratura para conhecimento da matéria.

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

Opino.

Não se tratando de procedimento de dúvida, cujo cabimento é restrito aos atos de registro em sentido estrito, verifica-se que o recurso foi denominado erroneamente de apelação. Todavia, tendo em vista a sua tempestividade, possível o conhecimento e processamento do apelo como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar nº 03/1969).

Quanto ao pedido de assistência judiciária feito pela recorrente, muito embora não haja custas e nem despesas em procedimentos administrativos perante as Corregedorias Permanentes, ou mesmo no âmbito da Corregedoria Geral, não há que se falar em gratuidade de justiça na hipótese.

Sobre a assistência judiciária, prevê o art. 98 do CPC:

“Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.”

É consabido que a Lei nº 1060/50 não está integralmente revogada pelo novo CPC, de modo que alguns de seus dispositivos ainda remanescem.

No caso, contudo, tratando-se de pessoa jurídica, a presunção legal de pobreza que decorre da declaração deve vir acompanhada de outros elementos que possam comprovar a situação de penúria do ente personalizado, o que não ocorreu na hipótese.

O fato da recorrente se encontrar em estado de liquidação extrajudicial, por si só, não justifica a concessão da assistência judiciária gratuita, pois não há indicativos concludentes acerca da alegada hipossuficiência financeira, que pudessem levar à constatação, de fato, que ela faça jus ao benefício.

Por essas razões, deve ser indeferida a gratuidade de justiça à recorrente.

No mérito propriamente dito, a r. sentença recorrida deve ser confirmada integralmente.

A Prefeitura de Pirajuí deu início, junto ao registro de imóveis, ao procedimento de demarcação urbanística sobre a área denominada Jardim Aclimação, buscando a regularização de sua ocupação, assim como sua conformação à lei e aos demais preceitos urbanísticos, administrativos e ambientais, sob a regência da Lei n. 11.977/09.

Foram efetuadas buscas pelo D. Oficial do Registro de Imóveis e Anexos da referida Comarca, com localização das matrículas e transcrições atingidas.

A recorrente, após regular notificação, ofereceu impugnação, alegando que teve sua liquidação extrajudicial decretada pela Superintendência de Seguros Privados- SUSEP, consoante Decreto nº 57.648, de 18 de janeiro de 1966, e que, em razão desse regime especial, assim como da existência de litígio judicial sobre a área, o procedimento deveria ser obstado.

Contudo, razão não há para o acolhimento da referida impugnação.

A demarcação urbanística consiste em procedimento administrativo pelo qual o Poder Público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses, nos exatos termos do inciso III do art. 47 da Lei n. 11.977/09, como dito, agora revogado pela Lei nº 13.465/2017. Com a demarcação urbanística é possível instrumentalizar o processo de regularização fundiária, delimitando-se a área a ser regularizada, identificando-se sua titulação, os seus ocupantes e suas respectivas áreas de posses, inclusive qualificando-as por seu tempo e natureza, além de possibilitar os procedimentos a serem seguidos quanto à publicidade e eventuais impugnações.

A demarcação urbanística, por sua natureza de instrumento de política urbana, jamais teria efeito imediato de desapropriação ou usucapião, pois, como visto, não é ato constitutivo de qualquer direito real de propriedade imobiliária.

Por sua vez, a Lei nº 6.024/74 prevê como efeitos da decretação da liquidação extrajudicial: a) a suspensão das ações e execuções iniciadas sobre direitos e interesses relativos ao acervo da entidade liquidanda, não podendo ser intentadas quaisquer outras, enquanto durar a liquidação; b) vencimento antecipado das obrigações da liquidanda; c) não atendimento das cláusulas penais dos contratos unilaterais vencidos em virtude da decretação da liquidação extrajudicial; d) não fluência de juros, mesmo que estipulados, contra a massa, enquanto não integralmente pago o passivo; e) interrupção da prescrição relativa a obrigações de responsabilidade da instituição; f) não reclamação de correção monetária de quaisquer divisas passivas, nem de penas pecuniárias por infração de leis penais ou administrativas (art. 18 da referida lei).

Forte nesse regramento especial quanto ao seu ativo, a recorrente, de fato, tem razão ao afirmar que, tratando-se de forma de intervenção do estado na atividade econômica, com a decretação da liquidação extrajudicial, seus bens se tornam indisponíveis, e que as ações e execuções sobre direitos relativos a eles ficam obstadas.

Contudo, sua razão acaba aí, já que a indisponibilidade de seus bens e o regime especial ao qual eles se submetem não são óbices, de forma alguma, ao procedimento administrativo, no âmbito do serviço de registro imobiliário, de demarcação urbanística e de legitimação de posse.

Aliás, o §1° do art. 47 da Lei n. 11.977/09, vigente à época, dizia expressamente que:

A demarcação urbanística e a legitimação de posse de que tratam os incisos III e IV deste artigo não implicam a alteração de domínio dos bens imóveis sobre os quais incidirem, o que somente se processará com a conversão da legitimação de posse em propriedade, nos termos do art. 60 desta Lei. (g.n)

Nos termos da legislação então aplicável ao caso, o detentor do título de legitimação de posse, somente após 5 anos de seu registro, poderia, em tese, requerer a conversão desse título em registro de propriedade, com fundamento no art. 183 da Constituição Federal e art. 1.240 do Código Civil.

Mas não é esse o caso.

O procedimento ora impugnado pela recorrente não traduz conversão de legitimação de posse em propriedade, tampouco aquisição por usucapião. Se assim o fosse, a discussão seria outra e estaria circunscrita à possibilidade de aquisição originária de propriedade sobre bens de pessoas jurídicas em liquidação extrajudicial; mas esse, como dito, não é o cerne da questão.

Tampouco é o objeto do presente expediente a mencionada equiparação dos bens da recorrente aos chamados bens dominiais, ou mesmo a observância do par conditio creditorum em relação ao seu universo de credores, pelas mesmas razões acima esclarecidas. Quanto às sociedades sob regime de liquidação extrajudicial, diz o art. 5° da Lei n° 5.627/70que:

“É vedada a constituição de arrestos, seqüestro e penhoras sôbre os bens das Sociedades de Seguros e Capitalização, em regime de liquidação extrajudicial compulsória.”

Respeitado o entendimento da recorrente, contudo, tal dispositivo não se aplica à hipótese, pois não se está tratando de qualquer medida de constrição judicial, tampouco de intervenção estatal para a constituição de futura garantia em qualquer procedimento judicial ou extrajudicial.

Quanto à alegada desapropriação sobre a área a ser demarcada, está claramente comprovado nos autos que não houve a efetivação da desapropriação, já que o Decreto Expropriatório n° 2205/2009, que declarou as áreas de interesse social, caducou, como decidido nos autos n° 0002582-50.2015.8.26.0453, 2ª Vara Cível da Comarca de Pirajuí.

A ausência de trânsito em julgado quanto à referida decisão também não impede a continuidade da demarcação.

No mais, a ação declaratória de inexistência de débito (autos n° 0002583-35.2015.8.26.0453), ajuizada pela recorrente para discussão de débitos tributários, e também julgada improcedente, não tem qualquer relação com a demarcação urbanística aqui tratada, não configurando, de forma alguma, óbice ao procedimento ora discutido.

Pelas razões expostas, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é pelo conhecimento da apelação como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, e, no mérito, pelo seu desprovimento.

Sub censura.

São Paulo, 17 de janeiro de 2017.

Paulo Cesar Batista dos Santos
Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO

Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento.

Publique-se.

São Paulo, 17 de janeiro de 2018.

PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça



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