Em 31/01/2020

Clipping – Estadão - Especialistas defendem regularização fundiária, mas com mecanismos de fiscalização


Governo conta com aprovação de MP para conceder neste ano 100 mil títulos de propriedade de terras


O presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo Filho, afirmou em entrevista ao Estado que o governo deseja conceder neste ano 100 mil títulos de propriedade de terra a posseiros que hoje ocupam irregularmente territórios da União. Desde 1970, o Incra já assentou 970 famílias, mas somente 60 mil títulos definitivos foram dados até hoje.

Para cumprir tal meta, o governo conta com a aprovação no Congresso da Medida Provisória 910, conhecida como MP da Regularização Fundiária. Editada no fim do ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro, a nova legislação amplia o uso de tecnologia para a avaliação de propriedades rurais.

A medida, no entanto, gerou críticas de que poderia favorecer grileiros com a concessão de títulos de terras antes desmatadas ao próprio agente do desmatamento.

Especialistas ouvidos pelo Estado consideram a medida bem-vinda e acreditam que ela pode modernizar o atual sistema de regularização de terras e beneficiar produtores e o setor do agronegócio, responsável por quase 35% dos empregos no País. No entanto, ressalvam que sua aplicação não é simples e que serão necessários mecanismos de controle e fiscalização por parte do governo.

“Como mecanismo social acho que a regularização fundiária é sempre uma ferramenta eficaz. Quando o Incra diz que vai legalizar mais de 600 mil títulos de propriedade, ele está sinalizando que haverá, pelo mecanismo da MP, menos burocracia e uma facilidade para fazer a regularização”, afirmou o advogado Marcos Tiraboschi, membro do Comitê Ambiental do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA) e dos Comitês de Imóveis Rurais do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim).

Para ele, a medida não favorece grileiros, desde que haja mecanismos eficazes de controle, e destaca alguns requisitos exigidos pela lei, como a necessidade de apresentar o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e um memorial descritivo assinado por um engenheiro habilitado com a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).

Questão ambiental

Para Terence Trennepohl, pós-doutor em direito ambiental pela Universidade de Harvard, a regularização pode facilitar a identificação e eventual responsabilização de quem comete crimes ambientais. “O titular da área vai ter possibilidade e segurança jurídica de novos investimentos, de crédito agrícola e a fiscalização ambiental vai saber exatamente quem, naquela área que agora é regularizada, é o responsável se houver um incêndio ou um desmatamento, o que hoje não acontece”, apontou.

Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) mostram que 35% da área desmatada na Amazônia entre agosto de 2018 e julho de 2019 são terras públicas, da União, não destinadas, ou seja, sem utilização e designação identificadas, o que evidencia a prática de grilagem. “Se essas terras fossem de alguém titularizado, as autoridades saberiam quem responsabilizar. Os titulares dessa regularização serão responsáveis pela recomposição da reserva legal e terão que obedecer a legislação ambiental, uma vez que o título deve respeitar o Código Florestal”, afirmou Trennepohl.

Já a doutora em Direito Civil pela PUC-SP, Carolina Xavier, ressalta que o objetivo proposto pela MP 910 de facilitar a regularização de pequenas propriedades rurais é bom, mas que o trâmite para que seja colocada em prática não pode ser “atropelado”, “sob pena de apenas dar uma roupagem regular a áreas que, em verdade, estão dentro de áreas ambientalmente protegidas ou, ainda, áreas indígenas”.

A advogada considera difícil o governo atingir a meta anunciada de 100 mil títulos de propriedade em 2020. “Até mesmo pelos documentos exigidos pela própria MP, tais como planta ou memorial descritivo, CAR e comprovação de prática de cultura efetiva, ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, anteriores a 5 de maio de 2014”, exemplificou.

Georreferenciamento

Um dos pontos trazidos pela nova legislação é o uso do georreferenciamento para a demarcação dos lotes que serão regularizados. Para Carolina, o mecanismo, por si só, não é capaz de conferir a agilidade pretendida pelo governo. “É preciso não só aferir os limites da propriedade a ser regularizada, como, também, os das propriedades confrontantes, já que, não raro, são encontradas sobreposições de áreas, que precisam ser averiguadas”, explicou.

Para ela, a questão da titularidade de terras no Brasil é “intrincada e sensível”, do ponto de vista jurídico, social e ambiental. “A despeito de a intenção ser boa, é preciso que todos os trâmites para regularização sejam feitos com cuidado para evitar que o procedimento proposto pela MP 910 cause mais instabilidade social do que a já existente no campo”, disse.

Fonte: Estadão

 



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