ÍNTEGRA
Provimento Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0001230-82.2015.2.00.0000
Requerente: ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
Requerido: CORREGEDORIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Advogado: DF4745 – LUCIANE CARNEIRO PINTO
RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. IMPUGNAÇÃO DE PROVIMENTO EDITADO POR CORREGEDORIA LOCAL DETERMINANDO AOS CARTÓRIOS DE REGISTRO DE IMÓVEIS QUE SE ABSTENHAM DE EXIGIR CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO NAS OPERAÇÕES NOTARIAIS. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 47 E 48 DA LEI N. 8.212/91. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE.
1. Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1º, inciso IV da Lei nº 7.711/88 (ADI 394), não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado, subtraindo do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da CF).
2. Tendo sido extirpado do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer tal exigência com base em normas de menor abrangência, como a prevista no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91.
3. Ato normativo impugnado que não configura qualquer ofensa a legislação pátria, mas apenas legítimo exercício da competência conferida ao Órgão Censor Estadual para regulamentar as atividades de serventias extrajudiciais vinculadas ao Tribunal de Justiça local.
RECURSO IMPROVIDO.
ACÓRDÃO
O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Plenário Virtual, 11 de outubro de 2017.
Votaram os Excelentíssimos Conselheiros João Otávio de Noronha, Aloysio Corrêa da Veiga, Carlos Levenhagen, Daldice Santana, Bruno Ronchetti, Fernando Mattos, Rogério Nascimento, Arnaldo Hossepian, Valdetário Andrade Monteiro, André Godinho, Henrique Ávila e Maria Tereza Uille. Não votaram a Excelentíssima Conselheira Presidente Cármen Lúcia e, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes do Tribunal Regional do Trabalho e da Justiça do Trabalho.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:
Trata-se de recurso administrativo em pedido de providências formulado pela UNIÃO/AGU em desfavor da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Narra a requerente que a requerida determinou aos cartórios de registro de imóveis do estado fluminense que deixem de cobrar, de ofício, certidão negativa de débito previdenciária (CND) nas operações notariais.
Argumenta que a cobrança é obrigatória por força do disposto nos arts. 47 e 48 da Lei n. 8.212/91; que a dispensa fundamentou-se em interpretação contra legis da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADIn n. 394/DF, a qual não versou acerca dos mencionados dispositivos legais; e que toda averbação notarial de bem imóvel deve ser acompanhada da necessária apresentação da certidão negativa de débito, sob pena de acarretar prejuízo legal e patrimonial em razão da perda de arrecadação de tributo destinado à Previdência Social.
Requereu a suspensão cautelar e definitiva dos efeitos do Provimento n. 41/2013, além da instauração de reclamação disciplinar contra os magistrados que participaram da concepção e realização do ato e ainda, que este CNJ expeça resolução ou recomendação vedando a todos os órgãos do Poder Judiciário a expedição de normas de conteúdo semelhante ao editado pela requerida.
O pedido liminar foi indeferido (Id n. 1665390).
A Corregedoria Geral de Justiça do TJ/RJ manifestou-se, afirmando que o provimento CGJ n. 41/2013, ora atacado, limitou-se a dar publicidade à decisão contida no Enunciado n. 2 do Conselho da Magistratura, que apregoa que “a exigência da apresentação de certidão negativa de débito (CND) do INSS para fins de registro de imóvel é inconstitucional” (Id n. 1674308).
Contra a decisão que indeferiu o pedido liminar, o requerente apresentou recurso administrativo para o presidente deste Egrégio Conselho Nacional de Justiça (Id n. 1683880).
O recurso não foi conhecido e determinou-se a manifestação da presidência do TJRJ (Id n. 1675222).
Na manifestação acostada no Id n. 1813971 a presidência do TJRJ sustenta, em síntese, ter seguido a linha de entendimento do STF que considera ilegais normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de créditos tributários exigíveis.
Em decisão de id 1815531, esta Corregedoria Nacional de Justiça julgou improcedente o presente expediente nos seguintes termos:
[...]Analisando os autos, ao contrário do que afirma a Advocacia-Geral da União, verifica-se que o Provimento CGJ n. 41/2013 editado pelo TJ/RJ está de acordo com a interpretação jurisprudencial do STF acerca da aplicabilidade dos artigos 47 e 48 da Lei n. 8.212/91 ao dispensar a exigência de apresentação de CND para o registro de imóveis. Confira-se:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CLÁUSULA DA RESERVA DE PLENÁRIO. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL PLENO DO STF. RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELO ESTADO. LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL. MEIO DE COBRANÇA INDIRETA DE TRIBUTOS. 1. A jurisprudência pacífica desta Corte, agora reafirmada em sede de repercussão geral, entende que é desnecessária a submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal, nos termos dos arts. 97 da Constituição Federal, e 481, parágrafo único, do CPC. 2. O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente entendido que é inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quanto aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos. 3. Agravo nos próprios autos conhecido para negar seguimento ao recurso extraordinário, reconhecida a inconstitucionalidade, incidental e com os efeitos da repercussão geral, do inciso III do §1º do artigo 219 da Lei 6.763/75 do Estado de Minas Gerais. (ARE 914045 RG, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 15/10/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-232 DIVULG 18-11-2015 PUBLIC 19-11-2015 )
Cabe salientar que a exigência da certidão negativa de débitos previdenciários deve ser analisada pelo oficial do registro de imóveis nos termos do próprio artigo 48 da Lei n. 8.212/91 que assim dispõe: “a prática de ato com inobservância do disposto no artigo anterior, ou o seu registro, acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, sendo o ato nulo para todos os efeitos”.
Ora, se a jurisprudência do próprio STF já se consolidou no sentido de que a cobrança de tais certidões caracteriza-se como cobrança indireta de tributos e constitui restrição inconstitucional pelo Estado ao livre exercício da atividade econômica ou profissional, não há que se falar na irregularidade do Provimento CGJ n. 41/13 editado pelo TJRJ.
Ademais, embora não noticiado no presente procedimento, a própria Receita Federal e a Procuradoria de Fazenda Nacional já editou Portaria Conjunta RFB/PGFN n. 1751 de 2/10/14 dispensando comprovações de regularidade fiscal para registro de imóveis quando necessário à atividade econômica da empresa, tal como consignado no artigo 17, in verbis:
“Art. 17. Fica dispensada a apresentação de comprovação da regularidade fiscal:
I - na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo, que envolva empresa que explore exclusivamente atividade de compra e venda de imóveis, locação, desmembramento ou loteamento de terrenos, incorporação imobiliária ou construção de imóveis destinados à venda, desde que o imóvel objeto da transação esteja contabilmente lançado no ativo circulante e não conste, nem tenha constado, do ativo permanente da empresa;
II - nos atos relativos à transferência de bens envolvendo a arrematação, a desapropriação de bens imóveis e móveis de qualquer valor, bem como nas ações de usucapião de bens móveis ou imóveis nos procedimentos de inventário e partilha decorrentes de sucessão causa mortis;
III - nos demais casos previstos em lei.”
Ressalte-se que não houve qualquer declaração de inconstitucionalidade dos artigos 47 e 48 da Lei n. 8.212/91, mas sim fixação de norma de competência da Corregedoria Geral de Justiça local para regulamentar as atividades de serventias extrajudiciais vinculadas ao Tribunal de Justiça. Regulamentação firmada, repita-se, de acordo com a jurisprudência do próprio TJRJ e de acordo com interpretação fixada pelo STF em sede de repercussão geral.
Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE este pedido de providências por não vislumbrar qualquer indício de irregularidade ou necessidade de suspensão do ato impugnado e determino o seu ARQUIVAMENTO.
Irresignado, o requerente interpôs o presente recurso administrativo, reiterando os argumentos já expostos na inicial e pleiteando, ao final, a reforma da decisão monocrática ora recorrida, de moda a ser determinada a suspensão dos efeitos administrativos e remuneratórios da norma secundária em epígrafe no presente pedido.
Outrossim, requer que o Conselho Nacional de Justiça expeça medida liminar suspendendo todas as normas administrativas idênticas ao Provimento CGJ-RJ nº 41/2013, em homenagem à presunção de constitucionalidade dos artigos 47 e 48 da Lei Ordinária Federal nº 8.212/91.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):
Consoante o relatado, a questão posta nos autos cinge-se à legitimidade de exigência de comprovação da regularidade fiscal quando do registro na serventia de imóveis dos negócios jurídicos realizados.
A matéria em questão foi analisada no julgamento das ADIs ns. 173-6 e 394-1, tendo a Suprema Corte reconhecido, por unanimidade, a inconstitucionalidade, dentre outros dispositivos, do art. 1º,inciso IV da Lei nº 7.711/88:
Art. 1º Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses:
(…)
IV – quando o valor da operação for igual ou superior ao equivalente a 5.000 (cinco mil) obrigações do Tesouro Nacional – OTNs:
(…)
b) registro em Cartório de Registro de Imóveis;
(…)O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a inconstitucionalidade do supracitado inciso IV, alínea “b”, subtraiu-o do ordenamento jurídico porque incompatível com a ordem constitucional vigente, de modo que não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado, subtraindo do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da CF).
Dessarte, se o Supremo extirpou do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer exigência com base em normas de menor abrangência, como a prevista no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91.
Assim, conforme salientado na decisão recorrida, a edição do ato normativo contestado (Provimento CGJ n. 41/2013 editado pelo TJ/RJ) não configura qualquer ofensa a legislação pátria, mas apenas legítimo exercício de sua competência atribuída ao aludido Órgão Censor para editar atos normativos tendentes a regulamentar as atividades de serventias extrajudiciais vinculadas aquele Tribunal de Justiça, regulamentação esta que se encontra de acordo não apenas com a jurisprudência do próprio TJRJ mas, sobretudo, com interpretação fixada pelo STF em sede de repercussão geral, senão vejamos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CLÁUSULA DA RESERVA DE PLENÁRIO. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL PLENO DO STF. RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELO ESTADO. LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL. MEIO DE COBRANÇA INDIRETA DE TRIBUTOS. 1. A jurisprudência pacífica desta Corte, agora reafirmada em sede de repercussão geral, entende que é desnecessária a submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal, nos termos dos arts. 97 da Constituição Federal, e 481, parágrafo único, do CPC. 2. O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente entendido que é inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quanto aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos. 3. Agravo nos próprios autos conhecido para negar seguimento ao recurso extraordinário, reconhecida a inconstitucionalidade, incidental e com os efeitos da repercussão geral, do inciso III do §1º do artigo 219 da Lei 6.763/75 do Estado de Minas Gerais. (ARE 914045 RG, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 15/10/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-232 DIVULG 18-11-2015 PUBLIC 19-11-2015 )
A decisão recorrida salienta ainda que, embora não noticiado no presente procedimento, a própria Receita Federal e a Procuradoria de Fazenda Nacional já editaram Portaria Conjunta RFB/PGFN n. 1751 de 2/10/14 dispensando comprovações de regularidade fiscal para registro de imóveis quando necessário à atividade econômica da empresa, tal como consignado no artigo 17, in verbis:
“Art. 17. Fica dispensada a apresentação de comprovação da regularidade fiscal:
I - na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo, que envolva empresa que explore exclusivamente atividade de compra e venda de imóveis, locação, desmembramento ou loteamento de terrenos, incorporação imobiliária ou construção de imóveis destinados à venda, desde que o imóvel objeto da transação esteja contabilmente lançado no ativo circulante e não conste, nem tenha constado, do ativo permanente da empresa;
II - nos atos relativos à transferência de bens envolvendo a arrematação, a desapropriação de bens imóveis e móveis de qualquer valor, bem como nas ações de usucapião de bens móveis ou imóveis nos procedimentos de inventário e partilha decorrentes de sucessão causa mortis;
III - nos demais casos previstos em lei.
Ante todo o exposto, voto pelo improvimento do presente recurso administrativo.
Submeto a presente decisão ao referendo do Plenário.
É o voto.
Brasília, 2017-10-25.
Fonte: Kollemata