Em 17/08/2018
Da intimação para a purgação da mora e do arbítrio do Oficial de Registro de Imóveis - por Mauro Antônio Rocha
Alienação fiduciária - independência jurídica do registrador
- I -
A intimação é requisito essencial para que o devedor fiduciante purgue a mora no prazo legal ou, se for o caso, para a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário e, dessa forma, assegurar a validade da execução extrajudicial até que o bem objeto da garantia seja alienado em leilão público, propiciando a liquidação do crédito.
Dispõe o § 1º do art. 26, da Lei nº 9.514/1997 que o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.
Completando, o § 3º do mesmo artigo dispõe expressamente que: a intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.
Resta claro dos dispositivos citados que a lei outorgou expressamente ao oficial de Registro de Imóveis a presidência e o controle do procedimento de execução extrajudicial e dispôs de forma minuciosa sobre a realização do ato intimatório e demais procedimentos da execução extrajudicial, exigindo, ainda, sua reprodução em cláusula específica do instrumento contratual, de forma a não deixar margem para a introdução de tratos divergentes ou diferenciados.
– II –
Os objetivos da intimação de que trata o art. 26 da lei de regência são, de um lado, notificar o fiduciante da mora constituída, do prazo legal deferido para a purgação e da consolidação da propriedade em nome do fiduciário caso não efetuado o pagamento; de outro lado, comprovar a ciência inequívoca do fiduciante do quanto notificado, estabelecer termo inicial para o cômputo do prazo de purgação e certificar o termo final e decurso do prazo concedido.
Assim, segundo os dispositivos legais referidos, a intimação é realizada pelo oficial do competente Registro de Imóveis, isto é, pela serventia imobiliária com atribuição sobre a circunscrição territorial onde situado o imóvel e titular da competência para constituir e cancelar a garantia fiduciária, podendo ser promovida, a juízo do oficial do Registro de Imóveis, pelo correio, com aviso de recebimento ou, preferencialmente, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la.
Quando o insucesso da intimação assomar deliberada ocultação, reza o § 3º-A do citado art. 26 que, após procurar por, no mínimo, duas vezes o intimado em seu domicílio ou residência, o oficial de registro de imóveis ou de registro de títulos e documentos ou o serventuário por eles credenciado deverá intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que designar.
Da mesma forma, determina o § 3º-B do referido artigo que, nas mesmas condições, caso a diligência de intimação deva se realizar em condomínio edilício ou outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso, a intimação por hora certa poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, como.
Se, eventualmente, a intimação pessoal restar frustrada por encontrar-se o intimado em local ignorado, incerto ou não sabido, o § 4o do mesmo artigo legal autoriza que, após certificado o fato pelo serventuário encarregado da diligência, o oficial de Registro de Imóveis, promova a intimação por edital publicado durante 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária, contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital.
Finalmente, quando não encontrado o intimado e ainda assim o oficial de registro não tenha reunido indícios ou informações suficientes para certificar sua ausência ou ocultação, fará constar essa circunstância de forma expressa na nota de devolução, a fim de que o credor fiduciário promova, se quiser, a notificação pela via judicial.
– III –
Do acima exposto é possível firmar algumas conclusões relevantes sobre o procedimento de intimação do fiduciante:
o contrato de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia deve conter cláusula específica determinando que, no caso de descumprimento, o fiduciante será intimado pelo oficial de registro de imóveis competente a satisfazer no prazo legal a prestação inadimplida. A explicitação das modalidades de intimação admitidas é, a nosso ver, desnecessária, uma vez que a escolha do meio para sua consecução é do arbítrio do oficial de registro;
por ser do arbítrio do oficial de registro, não poderá o credor fiduciário estabelecer ou exigir que a intimação se faça por meio desta ou daquela modalidade e, da mesma forma, parece inapropriado e injustificável que as partes estipulem obrigações contratuais que imputem ao oficial de registro obrigações não previstas na lei com o fito de determinar prazos para a realização de atos intimatórios, número mínimo ou máximo de diligências ou impor ao delegatário condições para a certificação de ausência ou de ocultação;
a intimação de qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel, nos termos do § 3º do art. 26, pressupõe que seu objeto será transmitido pelo intimado ao devedor fiduciante sobre quem recai a suspeita de ocultação e não se confunde com a intimação pessoal essencial para o prosseguimento da execução extrajudicial. Por isso é que a lei determina ao notificador que retorne na hora marcada para realizar a efetiva intimação e, no caso de ausência, dar por intimado o devedor fiduciante. A intimação por hora certa pode ser impugnada pelo interessado e anulada judicialmente por diversas razões de fato e de direito, dentre as quais a comprovada impossibilidade de comunicação entre a pessoa intimada e o devedor-fiduciante;
a nulidade da intimação implicará na nulidade de todos os atos subsequentes, inclusive a eventual alienação do imóvel em leilão público, de forma que deve primar pela observância de todos os critérios legais de validade.
– IV –
Obviamente, a eventual e injustificada recusa do registrador à promoção de qualquer das modalidades de intimação fictas poderá ser enfrentada pelo interessado mediante pedido administrativo de providências ou, quando for o caso, de representação perante o Juízo Corregedor Permanente ou outro juízo competente, conforme a organização judiciária do Estado.
Nesse sentido, à título de exemplo, recente decisão da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital do Estado de São Paulo que tratou de pedido de providências no qual a instituição financeira alegava ter restado demonstrado que os devedores se encontravam em local incerto ou não sabido e, não obstante, o oficial de registro teria se negado a proceder à intimação por edital admitida na Lei nº 9.514/1997, aduzindo a necessidade de novas diligências.
Comprovada a realização de diligências nos diversos endereços conhecidos, assim como a informação de que um dos moradores, filho dos devedores, alegara a mudança dos fiduciantes para o exterior, foi o referido pedido de providências julgado procedente, com a determinação da intimação ficta dos fiduciantes, na forma da lei. [1]
Finalmente, os cuidados com a validade da intimação do devedor fiduciante foram reiterados até mesmo do dispositivo legal inserido na Lei nº 9.514/1997 (§ único do art. 30) para determinar que controvérsias contratuais ou procedimentais judiciarizados serão resolvidas em perdas e danos, de forma a não obstar a reintegração de posse na consolidação da propriedade.
Mauro Antônio Rocha é advogado graduado pela USP, com pós-graduação em Direito Imobiliário e Direito Notarial e Registros Públicos. Vice-Presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB/SP. Coordenador Jurídico de Contratos Imobiliários da Caixa Econômica Federal.
[1] 1º VRPSP. Processo digital 1000085-33-2018-8.26.0100, DJ 22/03/2018.
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