Demarcação de terras indígenas é tema de 115 decisões colegiadas do Superior Tribunal de Justiça
O acervo revela o entendimento que tem orientado as decisões dos ministros do STJ no julgamento desses casos
A população indígena brasileira soma 817.963 mil, espalhada em 305 diferentes etnias e falante de 274 línguas, segundo dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desse total, 502.783 índios vivem na zona rural e 315.180 nas regiões urbanas de todos os estados brasileiros e até no Distrito Federal.
De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), essas comunidades sofrem com invasões e degradações de suas reservas, exploração sexual e de trabalho, inclusive infantil, uso de drogas e até mendicância nas cidades. Um dos problemas que mais afligem as etnias e geram demandas judiciais diz respeito à demarcação de terras indígenas.
Só no Superior Tribunal de Justiça (STJ) estão catalogadas atualmente pelo menos 115 decisões colegiadas (acórdãos) sobre processos envolvendo demarcação de terras indígenas e a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. O acervo revela o entendimento que tem orientado as decisões dos ministros do STJ no julgamento desses casos.
Constituição Federal
Na análise de um recurso especial (REsp 1133648), a Segunda Turma do STJ considerou que somente com a Constituição Federal de 1988 (CF/88) surgiu o conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a serem demarcadas pela União.
O caso diz respeito à condenação do Estado do Rio Grande do Sul ao pagamento de indenização de R$ 36 mil por danos morais decorrentes da desocupação de imóvel situado em terra indígena, adquirido mediante colonização promovida na década de 60.
“Incorreto afirmar que o Estado deva indenizar por ter assentado colonos nos anos 50 e 60 em terras que, décadas depois, à luz da CF/88, foram consideradas tradicionalmente ocupadas por índios”, lê-se na decisão do ministro relator do caso no STJ, Herman Benjamin.
Segundo ele, o artigo 231, parágrafo 6º, da CF/88 diz que a nulidade e a extinção de direitos relativos à ocupação, ao domínio e à posse privada sobre as terras indígenas não geram direito de indenização contra a União.
Acrescentou o ministro relator que os danos morais foram fixados com base no descumprimento do art. 32 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do Rio Grande do Sul, sendo vedado ao STJ reexaminar a questão por envolver interpretação de lei local.
“Se o governo federal não pode ser condenado por reconhecer e demarcar as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, por força da CF/88, não parece viável impor tal ônus ao Estado, por atos praticados nos anos 50 e 60”, comparou Herman Benjamin.
Estudo técnico
No julgamento de um recurso especial (REsp 1551033), a Segunda Turma do STJ consignou que a demarcação das terras indígenas é definida pelo Decreto 1.775/96, que regulamenta a Lei 6.001/73, sendo expressa em seu artigo 2º a necessidade de elaboração de estudo técnico-antropológico e de levantamento da área demarcada.
“Nesse sentido, é dever da Administração (Pública) agir em estrita legalidade, não havendo nessa atividade espaço para locuções de conveniência e oportunidade”, lê-se no acórdão.
Para o relator do caso, ministro Humberto Martins, o descumprimento do devido processo legal administrativo “enseja vício de nulidade, uma vez que os procedimentos atinentes à demarcação das terras indígenas não foram regularmente observados pela Funai”.
Mudança de enfoque
Ao analisar um mandado de segurança (MS 21572), a Primeira Seção do STJ determinou que o Ministério da Justiça não ampliasse a terra indígena Wassu-Cocal, em Alagoas, demarcada antes da CF/88.
Para o relator do caso, ministro Sérgio Kukina, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu no julgamento da Pet 3388 (caso Raposa Serra do Sol) a respeito da possibilidade de revisão, diretrizes e salvaguardas que, embora não possuam efeito vinculante, devem ser observadas pelos demais tribunais do país, em face da mudança do enfoque atribuído à questão indígena após a CF/88, de terra indígena já demarcada.
Segundo o ministro Kukina, o acórdão proferido na Pet 3388 não é direcionado apenas àquele caso específico, mas a todos os processos sobre o mesmo tema.
"A mudança de enfoque atribuído à questão indígena a partir da promulgação da Constituição da República de 1988, que marcou a evolução de uma perspectiva integracionista para a de preservação cultural do grupamento étnico, não é fundamentação idônea para amparar a revisão administrativa dos limites da terra indígena já demarcada, em especial quando exaurido o prazo decadencial para revisão de seus atos”, citou Kukina, referindo-se ao julgamento do RMS 29542, do STF, relatado pela ministra Cármen Lúcia.
Terra ocupada
Na análise de um mandado de segurança (MS 14987), a Primeira Seção do STJ decidiu que a existência de propriedade, devidamente registrada, não impede que a Funai investigue e demarque terras indígenas, tradicionalmente ocupadas.
“A ocupação da terra pelos índios transcende ao que se entende pela mera posse da terra, no conceito do direito civil. Deve-se apurar se a área a ser demarcada guarda ligação anímica com a comunidade indígena”, lê-se no acórdão.
No mandado de segurança (MS 15822) sobre a demarcação de terras da etnia Guarani Nhandéva, a Primeira Seção do STJ considerou que a demarcação processada e conduzida na instância administrativa, sem necessidade de apreciação judicial, é prática reiterada na administração pública federal, sobretudo após a promulgação da Constituição de 1988.
“Os atos administrativos são passíveis de revisão judicial segundo o princípio da inafastabilidade. Isso não implica, todavia, que o Poder Judiciário tenha que intervir, sempre e necessariamente, como condição de validade de todo e qualquer ato administrativo”, referiu o acórdão.
Domínio da União
Na decisão, o relator do caso, ministro Castro Meira, salientou ainda que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se incluem no domínio constitucional da União.
“As áreas por elas abrangidas são inalienáveis, indisponíveis e insuscetíveis de prescrição aquisitiva. Mesmo que comprovada a titulação de determinada área, se essa for considerada como de ocupação indígena tradicional, os títulos existentes, mesmo que justos, são nulos, de acordo com o já citado art. 231, § 6º, da CF/88”, disse Castro Meira.
Para a Primeira Seção, não é necessário intervenção judicial para o registro da terra indígena no cartório imobiliário. Segundo a legislação, após o decreto presidencial de homologação da demarcação, a Funai promoverá o registro da área no cartorário respectivo.
Fonte: STJ
Em 19.04.2016
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