Especialistas debatem cobrança de IPTU de concessionárias em imóveis públicos
Discussão ocorreu no Seminário “Infraestrutura como pilar para a promoção do desenvolvimento nacional”, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça.
Uma controvérsia do direito tributário que envolve a concessão de serviço público foi tema nessa terça-feira (23/11) das discussões no Seminário “Infraestrutura como pilar para a promoção do desenvolvimento nacional”, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Ministério da Infraestrutura. Os especialistas que participaram do painel “Cobrança de IPTU em concessões de infraestrutura de transportes” questionaram o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) recolhido por prefeituras municipais de empresas do setor de transportes que operam concessão de serviço público e ocupam imóvel público, dos pontos de vista jurídico e econômico.
De acordo com o mediador do painel e secretário Especial de Projetos, Pesquisas Judiciárias e Gestão Estratégica, Marcus Livio Gomes, o foco do debate é a necessidade de segurança jurídica a respeito da questão. “Me parece que o mais relevante – e o que deve ser o princípio basilar das diversas contratações – é a segurança jurídica, pois assim se afasta o risco. É o risco que desequilibra o preço da contratação, que desequilibra a concorrência e que pode trazer consequências danosas à própria sociedade”, afirmou Gomes.
É problemático cobrar IPTU do concessionário de serviço público por um imóvel público que a empresa apenas ocupa, segundo o desembargador federal Leandro Paulsen, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, porque o Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66) considera que o fato gerador do IPTU é a propriedade. No entanto, as empresas que operam serviços públicos concedidos pelo Estado não detêm propriedade sobre o imóvel público que usam ou ocupam, em função do serviço que realizam por delegação do Estado. Assim, o imposto é devido pelo contribuinte, ou seja, o ente estatal proprietário.
Não são raros, no entanto, os casos de execuções fiscais em que prefeituras cobram de concessionárias dívidas de IPTU surgidas nessas mesmas circunstâncias. “Não se pode exigir de concessionárias (o pagamento de IPTU) pelas áreas por elas ocupadas em portos, aeroportos e ferrovias pelo simples fato de que não são contribuintes desse imposto municipal e a elas não se pode transferir esse ônus mediante lei municipal porque cada pessoa é titular de obrigações tributárias próprias. Não cabe ao legislador transferir responsabilidade”, afirmou Paulsen.
De acordo com o magistrado, que também é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), uma lei do município de Santos, onde está localizado o maior porto do Brasil, permite que se cobre IPTU tanto das empresas que explorem serviço portuário e ocupem área portuária, pertencente à União. Ao fim do período de cessão do espaço ou do prédio público, por exemplo, o bem precisa ser devolvido ao Estado. O tempo que aquele bem passa fora do mercado imobiliário dificulta a definição do valor venal do imóvel e, por consequência, do valor do IPTU cobrado por sua ocupação.
Insegurança jurídica
Nos últimos anos, decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmaram a interpretação e a impossibilidade de se cobrar IPTU da concessionária sobre um terreno que não lhe pertence. No entanto, duas decisões do Supremo Tribunal Federal em 2017 e 2018 revelam um entendimento contrário. Em 2017, o STF reconheceu o direito de uma prefeitura recolher o imposto de uma empresa que ocupe imóvel público cedido pelo poder público. Em 2018, o Supremo também reconheceu o direito de uma prefeitura cobrar IPTU de empresas privadas arrendatárias de imóvel público caso exerçam atividade econômica com fins lucrativos. Como ambas decisões tiveram repercussão geral reconhecida (Temas 385 e 437), o entendimento deve ser aplicado em casos semelhantes por tribunais de todo o país.
Leia mais: Fux ressalta importância de segurança jurídica para ampliar infraestrutura no Brasil
Segundo a advogada da União Izabel Vinchon Nogueira de Andrade, recursos contra julgamentos de casos semelhantes continuam chegando ao Supremo Tribunal Federal (STF), o que demonstra que o tema ainda não está pacificado. De acordo com a advogada, a imunidade tributária entra no cálculo da operação da empresa como “receita não-tarifária” (que não depende da cobrança da tarifa do usuário) e, portanto, é ponderada quando se decide participar ou não de um leilão de concessão de determinado serviço público.
Um estudo feito pelo Ministério da Infraestrutura sobre a jurisprudência do Supremo em relação à aviação civil revelou, de acordo com a advogada, que a incidência IPTU sobre novas concessões pode diminuir a atratividade do projeto, reduzir competitividade no certame e até acarretar a ausência de interessados nos leilões de concessão.
“Questiono se foi alcançada a melhor solução na situação posta. Se por um lado, há uma legítima intenção de guarnecer entes municipais com mais recursos financeiros, por meio da arrecadação do IPTU, por outro lado, há risco de oneração do usuário final, seja pelo risco de modicidade (moderação) tarifária ou pelo risco de inviabilidade financeiro-econômica da concessão”, afirmou a advogada, que é secretária-Geral de Contencioso da Advocacia-Geral da União (AGU).
Quando o IPTU é cobrado da empresa, o prejuízo acaba sendo repassado para o usuário final do serviço público concedido à iniciativa privada, de acordo com o coordenador do Comitê de Regulação de Infraestrutura Aeroportuária da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito Rio), Fernando Villela de Andrade Vianna. “Na época do leilão, as empresas vão precificar o risco (de ter de pagar o IPTU). Isso pode acarretar uma redução do valor da outorga (ágio pago ao poder público no leilão) ou no desconto na tarifa oferecido pela empresa na licitação, em benefício do usuário (quanto maior o desconto, menor a tarifa para o usuário). Em qualquer cenário, o IPTU não será custeado pela concessionária”, afirmou o advogado.
O ciclo de seminários “Infraestrutura como Pilar para a Promoção do Desenvolvimento Nacional”, tem como objetivo debater questões jurídicas centrais para o setor, nos diversos segmentos do direito. Todos os painéis são transmitidos ao vivo pelo Canal do CNJ no YouTube. O primeiro seminário aconteceu no dia 26 de outubro, quando se tratou do tema “Infraestrutura e Direito Administrativo”. O terceiro e último evento do ciclo de seminário ocorrerá no dia 30 de novembro, com o tema “Lei Geral de Proteção de Dados e Arbitragem”.
Inscreva-se até 29 de novembro no terceiro ciclo do seminário
Fonte: Agência CNJ de Notícias (Manuel Carlos Montenegro).
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