IBDFAM: Golpes na divisão do patrimônio com o fim do relacionamento são realidade no Brasil
Em entrevista, o diretor nacional do IBDFAM conta que a “fraude corria realmente solta”, até a década de 1990, quanto à partilha de bens envolvendo quotas de empresas no país
O término do casamento ou da união estável no Brasil, muitas vezes, é um calvário. Na entrevista abaixo, o advogado Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), conta que a “fraude corria realmente solta”, até a década de 1990, quanto à partilha de bens envolvendo quotas de empresas no país.
Ainda tem sido comum o esforço de um dos cônjuges em reduzir a participação material da companheira ou companheiro na liquidação judicial do acervo matrimonial. Algumas fraudes utilizadas são: contábeis, esvaziamento do patrimônio societário, ocultação de lucros, por exemplo, omissão de transações, fraudes gerenciais, como distribuição irregular de lucros, simulação de despesas fictícias, utilização de “testas de ferro”.
Também são utilizadas fraudes com bens ativos, como vendas de máquinas, fraude societária por alienação de ações e quotas em período anterior ao término do relacionamento ou durante o processo de divórcio, entre outros. São muitas as maneiras utilizadas para prejudicar economicamente a outra parte.Confira a entrevista abaixo:
Muitas dúvidas podem surgir durante o divórcio do casal, quando entre os bens a serem partilhados estão quotas sociais de empresas. Ainda é comum no Brasil o marido/companheiro que possui empresa ocultar bens para prejudicar a ex-mulher no término da conjugalidade? Quais ações podem ser tomadas para evitar esse tipo de golpe?
Rolf Madaleno - Esta estratégia de fraudar a partilha dos bens através do uso abusivo da sociedade empresária reinou solta durante muitos anos no Brasil especialmente, só começando a criar ares de preocupação jurídica na década de 1990, quando surgiram as primeiras teorias acerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica para aplicação direta nos processos de direito de família e nos inventários e ações sucessórias.
Existem diversas variantes, contudo, porque prevalecia no Brasil e no Código Civil de 1916 o artigo 20 daquele diploma, pelo qual o juiz não podia confundir os bens da empresa com os bens do sócio e, assim, tudo que pertencesse à sociedade não pertencia ao sócio para efeitos de partilha. Olhando de longe parece correto, não fosse o expediente do marido sair da sociedade, por exemplo, às vésperas do seu divórcio; ou reduzir o número de suas quotas sociais, ou colocar em nome da empresa todos os bens que deveriam ser particulares, estar em nome dos cônjuges, pois serviam apenas aos interesses do casal, como, por exemplo, a moradia do par, o carro de cada um, a casa na praia, no campo e assim por diante.
A fraude corria realmente solta e incorrigível. Naquele tempo, a solução mais próxima se chamava e ainda é conhecida como ação Pauliana, de morosa e interminável solução envolvendo sócios, cônjuges e sociedades. Na década de 1990 veio à tona a teoria da desconsideração da personalidade jurídica que se constituiu em eficiente instrumento jurídico para abreviar estas fraudes, em princípio, dentro da própria ação de divórcio, sentenciando o juiz, em uma hipótese, de que a venda que fez de suas ações para um terceiro que não tinha sequer recursos para figurar como titular das quotas do cônjuge, tudo feito na undécima hora, não passava de uma fraude à partilha e, por isto, o juiz simplesmente ignorava a sua existência e mandava partilhar a totalidade das quotas, fato que, por evidente, não tornava a esposa sócia da empresa, mas subsócia do marido e com crédito ou direito aos haveres sociais.
É obrigatória a prestação de contas ao outro cônjuge após o divórcio. O que pode ser feito se o ex-marido esposa/companheiro (a) se negar a prestar contas?
Rolf Madaleno - Pior ainda, que antes da Constituição Federal de 1988 o marido sequer era obrigado a prestar contas da administração dos bens conjugais enquanto não transitasse em julgado a sentença de separação ou de divórcio, ficando fácil perceber que a partilha era uma utopia.
Mesmo sob o regime da comunhão de bens, a participação societária de um dos cônjuges/companheiros pode ser partilhada mediante a formação de uma subsociedade com o outro par, no que se refere ao seu quinhão societário. Quais os principais problemas enfrentados pelos ex-cônjuges/companheiro quanto à partilha de cotas sociais?
Rolf Madaleno - A pergunta é ao mesmo tempo a própria resposta, porquanto o cônjuge de sócio não será um novo sócio da empresa, pois, em regra, os contratos não admitem o ingresso de terceiros quando ausente a affectio societatis, e esta sempre está ausente entre divorciandos.
Dentre as hipóteses ventiladas, o ideal será sempre tentar ficar fora da sociedade, como um subsócio, pois a tendência é a de o ex aumentar seu capital e reduzir paulatinamente o valor da participação societária de sua subsócia cujo parâmetro eras as quotas existentes por ocasião do divórcio, isto para não falar de fugas ou retenções de valores no dia a dia da sociedade, podendo ser vislumbrado um desgaste prenhe de ações futuras de prestação de contas e outras demandas de cunho empresarial.
Por tudo isto que é melhor compensar a meação com outros bens que não as quotas, ou promover o mais rápido possível a dissolução parcial da sociedade e, através de um balanço especial, apurar o valor das quotas que integraram a meação do cônjuge que não sócio..
Quando é possível desconsiderar a pessoa jurídica no que se refere às cotas sociais de empresas? Como é o processo de penhora?
Rolf Madaleno - A desconsideração da personalidade jurídica deve ser feita no próprio processo que pelo novo CPC se inicia, ou mediante expediente incidental (incidente processual), que tratará de paralisar o processo principal enquanto chama à lide neste apenso a interposta pessoa, até que o juiz e o tribunal se pronunciem em definitivo pela existência ou não de alguma fraude pelo uso abusivo da sociedade empresária, não passando no meu entender pela penhora de quotas, salvo que para garantia de algum crédito, ou talvez pelo arrolamento das quotas para que delas não se desfaça o cônjuge sócio no curso da ação que visa declarar a desconsideração episódica da personalidade jurídica.
É possível que a desorganização da empresa e da família confundam o que é de direito do ex-cônjuge/companheiro. Por exemplo, bens da família na empresa ou até mesmo bens da empresa na família. Como solucionar impasses? E em caso de detecção de fraude, o que pode ser feito? O empresário casado pode, sem necessidade da autorização do seu cônjuge, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integram o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real. Ou seja, qualquer um dos cônjuges pode se desfazer de qualquer bem móvel ou imóvel que esteja em nome da sociedade, sem que o outro cônjuge concorde ou assine os documentos de transferência. O que fazer antes de pedir o divórcio para evitar possíveis golpes?
Rolf Madaleno - Esta justamente a grande facilidade de ter os bens pessoais ou conjugais registrados em nome da sociedade, pois o empresário cônjuge tem o livre acesso sobre o trânsito destes bens, não necessitando da outorga de sua esposa, daí o largo e abusivo uso da empresa que termina sendo proprietária de bens pertencentes ao casamento. Por conta disto é bom arrolar os bens da sociedade, tentar impedir qualquer alteração contratual na sociedade sem a prévia anuência judicial, promover perícia antecipada ou quaisquer outras medidas judiciais acautelando a partilha mais real possível dos bens que integram o casamento, quer estejam em nome pessoal dos cônjuges ou conviventes, quer estejam em nome da sociedade, quando em realidade são de uso do casamento.
Pertencendo os bens à empresa a cautela deve ser no sentido de tentar evitar a retirada do marido ou esposa sócia, ou a súbita e inexplicável redução das suas quotas ou ações, ou alguma promiscuidade patrimonial, de modo a garantir a maior fidelidade possível na futura partilha dos bens.
É possível solicitar a divisão dos lucros periodicamente, até que a sociedade seja dissolvida?
Rolf Madaleno - Alguns julgadores costumam atribuir o que denominam de “alimentos compensatórios”, mas que a Lei de Alimentos de 1968 trata como “entrega de parte das rendas comuns” no artigo 4°, parágrafo único. Penso ser possível reivindicar a divisão dos lucros até que a sociedade seja dissolvida.
O que é a desconsideração inversa da personalidade jurídica?
Rolf Madaleno - O usual da desconsideração da personalidade jurídica ocorre quando os credores da sociedade buscam nos bens pessoais dos sócios os seus créditos (pois os sócios esvaziaram a sociedade para impedir ou dificultar o pagamento de seus credores). Na desconsideração inversa ocorre o contrário, o marido tira os bens do casamento e os coloca na sociedade, onde tem o controle absoluto sobre estes bens que acabam pertencendo à sociedade, mas de uso conjugal.
Como fica a desconsideração da personalidade jurídica com o CPC/2015?
Rolf Madaleno - Pelo novo CPC ficou consagrada a teoria inversa da personalidade jurídica, no sentido de que o direito de família acabou sendo premiado pelo reconhecido expresso daquilo que antes era teoria, mas agora é lei, pois há artigo de lei reconhecendo expressamente a desconsideração inversa, que é aquela pela qual a pessoa tira os bens do seu acervo pessoal e transfere para a empresa, normalmente quem faz isto é cônjuge ou convivente para não dividir com seu parceiro.
E como fica ela de forma inversa?
Rolf Madaleno - Agora o juiz traz o bem de volta para o casamento, ou seja, era do casamento e o marido abriu uma holding familiar com um filho ou até mesmo com a esposa, com percentuais iguais ou distintos. Quando esta trajetória toda começa a causar prejuízo à meação do outro consorte, a desconsideração pode ignorar que os bens pertencem à empresa e considerar que pertencem ao casamento, mandando dividi-los metade por metade.
Fonte: IBDFAM
Em 16.03.2016
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