Importância econômica da preservação do Registro de Imóveis é tema da segunda live do IRIB Academia, nesta quinta-feira (29/10), às 17h30
Transmissão conta com palestra de Fernando P. Méndez González e debate entre Lorruane Matuszewski, Ivan Jacopetti do Lago e André Villaverde
Dando continuidade ao projeto de lives do IRIB Academia, a edição de outubro recebe convidados muito especiais para discutir um tema extremamente relevante: “A importância econômica da preservação do Registro de Imóveis”. Amanhã, dia 29 de outubro (quinta-feira), às 17h30, o Dr. Fernando P. Méndez González realiza uma palestra sobre o assunto e, em seguida, participa de debate com a Dra. Lorruane Matuszewski, Registradora em São Paulo, e o Dr. Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais do IRIB, coordenador da Revista de Direito Imobiliário - RDI e Registrador em São Paulo. A mediação do encontro está a cargo do Dr. André Villaverde, Registrador em Recife.
Como aquecimento para o evento, o IRIB conversou com a Dra. Lorruane Matuszewski e o Dr. Ivan Jacopetti do Lago, a fim de levantar algumas das questões que serão abordadas durante a live. Para acompanhar a transmissão ao vivo, enviar comentários e questões, basta acessar https://bit.ly/IRIB_Academy.
1 - Em que consiste a relação entre o Registro de Imóveis e a economia de um país?
Lorruane Matuszewski: A relação é direta. Gosto da ideia da teoria dos sistemas, de Niklas Luhmann, para explicar a interação de um sistema social com outro – e como um sistema pode fazer com que outro se produza e reproduza. Basicamente, a criação dos registros de imóveis, ao redor do mundo, se deu pela demanda que o sistema jurídico sofreu por parte do sistema econômico. Na maioria das nações (e no Brasil não foi diferente), o registro de imóveis foi criado para tutelar o crédito e as garantias imobiliárias, entregando segurança ao sistema econômico. Dada a sua grande funcionalidade, o sistema foi se desenvolvendo, expandido e abarcando outras situações, chegando ao ponto que temos hoje. Temos uma relação direta entre segurança do sistema econômico e registro de imóveis.
Ivan Jacopetti do Lago: O registro de imóveis fornece uma infraestrutura institucional para a circulação dos imóveis, bem como para o estabelecimento de garantias seguras, neles baseadas. Os imóveis possuem várias características que tornam este tipo de intervenção imprescindível. Em um mundo de contratações impessoais, somente há possibilidade de negócios minimamente seguros sobre imóveis quando no país existe um sistema de registros confiável.
2 - Quais seriam os prejuízos imediatos à economia, caso o Registro de Imóveis deixasse de existir?
IJL: O prejuízo mais imediato seria um tremendo aumento nos riscos de negócios com imóveis, ou garantidos por eles. Os custos de transação também aumentariam muito e, potencialmente, o número de negócios tenderia a diminuir. No limite, diminuindo a demanda, o valor dos imóveis também diminuiria. Nesse sentido, é possível observar, mesmo no Brasil, que há uma relação direta e muito clara entre registro regular e valor da terra: o valor das terras que estão à margem do registro é consideravelmente menor do que daquelas da mesma região que estão regularmente registradas.
LM: A chamada análise econômica do direito, ao se utilizar as ferramentas da cie?ncia econo?mica, fornece uma teoria cienti?fica capaz de explicar os impactos das inovações juri?dicas no comportamento dos indivi?duos (ou agentes econômicos). Ao nos depararmos com um quadro no qual os agentes não podem contar com a segurança jurídica conferida pelo registro de imóveis para conhecer a propriedade imobiliária de seu país, crises do sistema econômico me parecem certas. A história pode nos ajudar com esse prognóstico.
Em artigo que publiquei recentemente na Revista de Direito Imobiliário, analisei dois casos (bem distantes no tempo), em que tivemos sérias crises econômicas desencadeadas pela supressão dos sistemas de registro imobiliário: a crise da Revolução Francesa (cujos trabalhos do Dr. Ivan Jacopetti me ajudaram a compreendê-la) e a crise imobiliária de 2008, que se deu, em grande parte, por conta da criação do Sistema MERS nos Estados Unidos, com a supressão de uma instituição registral para documentar as garantias (tema que pude compreender melhor por meio dos trabalhos do professor Dr. Fernando P. Méndez González).
Nesse sentido, é importante citar a fala de Alan Greenspan, presidente da Reserva Federal americana (FED), por 18 anos consecutivos, em sua obra “A era da turbulência”, ao afirmar que “as pessoas, em geral, na?o se esforçarão para acumular o capital necessa?rio ao desenvolvimento econo?mico se na?o tiverem certeza de sua propriedade”.
No mesmo livro, o autor também ressalta três elementos necessários para a prosperidade de um país, sendo, um deles, as instituições de determinada nação e sua qualidade para contribuir com o funcionamento da economia. É aqui que o registro de imóveis claramente se enquadra, sendo instituição essencial ao bom funcionamento econômico.
3 - Na sua opinião, como é o entendimento da sociedade sobre a importância do Registro de Imóveis para a economia do país?
IJL: A sociedade de maneira geral reconhece esta importância. É sabido que não se pagará o preço de um imóvel “com documentação em ordem” se o imóvel está fora do registro, e todos preferem ter suas propriedades devidamente registradas. A despeito disso, talvez não haja um conhecimento da importância macroeconômica do registro – o que é natural em serviços públicos deste tipo. Além de garantir o direito da pessoa específica que procurou o registro, o sistema, em si, acaba gerando um benefício geral à sociedade, que se sente confiante para contratar e submeter a riscos aceitáveis e mensuráveis seu patrimônio e, com isso, realizar mais negócios.
LM: Infelizmente, diversos segmentos de nossa sociedade parecem não ter compreendido ainda sua importância econômica. Estou trabalhando agora em minha tese de doutoramento e tentando analisar os vieses cognitivos que existem no Brasil quando o assunto é registro imobiliário e cartórios. Chamamos de viés cognitivo aquela interpretação errônea que ocorre quando temos uma ideia previamente mal formulada e não conseguimos nos desapegar dela, ainda que nos deem provas irrefutáveis de que estamos errados. Há diversos relatos de casos assim na economia (o exemplo clássico é de uma pessoa que compra uma ação supervalorizada no mercado, acreditando que a alta do passado necessariamente se repetirá no futuro). No Brasil, alguns setores não conseguem se desapegar do já superado discurso de que o registro imobiliário seria mera burocracia quando, em verdade, temos inúmeros estudos científicos que demonstram a importância e a essencialidade dessa instituição centenária, existente ao redor do mundo.
4 - Houve alguma mudança na História recente do país que tenha influenciado (positiva ou negativamente) na relação entre o Registro de Imóveis e o desempenho econômico do País?
IJL: Certamente a grande mudança que já gera resultados muitíssimo palpáveis foi a introdução da alienação fiduciária em garantia de bens imóveis, e a possibilidade de sua execução na via extrajudicial. O instituto restituiu a confiança do mercado em garantias imobiliárias, ao estabelecer não apenas uma preferência e um direito de sequela efetivos, como também um mecanismo ágil de recuperação dos valores emprestados. Para o futuro, deveremos acompanhar os efeitos da Lei 13.097, de 2015, que introduziu no Brasi – ainda que de forma mitigada – o princípio da fé-pública registral, reforçando os efeitos do registro em benefício do terceiro adquirente de boa-fé; e as leis que instituíram mecanismos de regularização fundiária e de reconhecimento extrajudicial de usucapião, potencialmente aptas a inserir no mercado formal imóveis que dele estavam alijados por padecem de irregularidades.
LM: Sim. Temos dois exemplos – vamos começar pelo ruim. Em minha opinião, um retrocesso que ocorreu em nosso sistema foi a previsão da Lei 10.931/2004, que dispensa a averbação da Cédula de Crédito Imobiliário no registro imobiliário. É um caso que nos faz lembrar a tutela de registros exercida pelo MERS na crise imobiliária de 2008. Ao retirar a averbação do registro imobiliário, não temos como garantir, com certeza, quem é o atual credor na garantia. Já estamos tendo alguns problemas com tais garantias, como se pode conferir nessa decisão: https://www.kollemata.com.br/37366.html - ID: 37366.
Nesse caso, acho interessante relembrar, mais uma vez, a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Segundo o autor, um sistema pode “irritar” o outro, para que esse outro sistema produza novidades. Mas cada sistema tem um código próprio, e um não pode se sobrepor ao outro. Isso tem sido estudado nos casos em que o sistema político se apropria do sistema jurídico. Mas acho que precisamos estudar os casos em que o sistema econômico pretende se apropriar do sistema jurídico, e a lei 10.931/2004, para mim, é um exemplo disso. O Sistema jurídico trabalha com um código próprio e, a partir desse código, entrega segurança jurídica. O sistema econômico, por óbvio, não está preocupado com segurança jurídica, pois existe para perseguir a maximização de recursos em menor tempo. Quando temos um sistema pretendo trabalhar com algo que não lhe diz respeito, ou seja, instituições financeiras tentando trabalhar com registro de imóveis, temos uma falha do sistema social que, uma hora ou outra, será inevitavelmente sentida pela sociedade.
Uma mudança boa: A lei 13.097/2015, que instituiu entre nós o chamado princípio da concentração e, também a fé pública registral em determinadas situações. É uma medida que fortalece o registro imobiliário e, por consequência, o sistema econômico.
5 - Qual a sua opinião sobre iniciativas de compartilhamento de conteúdo sobre o Registro de Imóveis, como o IRIB Academia?
IJL: A iniciativa é de fundamental importância. O IRIB tradicionalmente reúne informação confiável e de qualidade que é útil não apenas aos registradores, como também aos demais interessados no Direito Registral Imobiliário. O IRIB Academia desempenha este papel em alto nível, equiparável aos grandes repositórios acadêmicos internacionais.
LM: Tais iniciativas são essenciais para que a sociedade conheça melhor a matéria registral. A criação do IRIB Academia pela gestão atual do IRIB é uma iniciativa sensacional, pois coloca uma preciosidade literária na mão da comunidade (seja cientifica, seja de curiosos). É um incrível acervo que demonstra a vontade de compartilhar conhecimento por parte dos registradores imobiliários. Queremos que a sociedade conheça a fundo o registro imobiliário, para que possa fazer julgamentos corretos a respeito de tal instituição.
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