IRIB entrevista Mónica Jardim sobre Sistemas Registrais e a sua Diversidade
Entrevista precede a palestra online que a professora doutora Mónica Jardim ministrará, nesta quarta-feira, 20 de maio, às 14 horas
Amanhã (20.05), às 14 horas no horário de Brasília, a professora doutora em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Portugal, Mónica Jardim, vai proferir a palestra online “Sistemas Registrais e a sua Diversidade”, no canal do YouTube do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Marília (PPGD Unimar). Participarão como debatedores a professora-doutora, Mariana Ribeiro Santiago, o professor-doutor Elias Marques de Medeiros Neto e o professor-doutor Ivan Jacopetti do Lago.
O evento, organizado pelo coordenador do curso de mestrado e doutorado em direito da Unimar e editor da Revista Argumentum, professor doutor Jonathan Barros Vita, é oferecido pelo Programa de Direito da Unimar, em uma parceria com o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB), a Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ESA), o Laboratório do Núcleo de Estudos Avançados do SREI (NEAR-lab) e o Instituto Internacional de Direito (IID).
Confira a entrevista do IRIb com a acadêmica, que apresenta, de forma introdutória, os assuntos que serão abordados na palestra e precede a palestra que a doutora desenvolverá com os debatedores:
IRIB - Em que sentido se pode conceber o sistema registral para além da sua missão basal – que é a publicidade das situações jurídico-reais?
Mónica Jardim - Do ponto de vista do direito a constituir, segundo o meu entendimento, o registro predial pode e deve, de fato, passar a publicitar, embora com efeito meramente enunciativo, outras realidades jurídicas relacionadas com os prédios - que são o seu objeto -, assumindo-se, assim, como fonte privilegiada de informação para os intervenientes no tráfico jurídico.
Assim, por exemplo, o arrendamento, em virtude da regra emptio non tollit locatum, devia estar sempre sujeito a registro enunciativo, independentemente da sua duração. Isso se pode afirmar a propósito das preferências legais que são eficazes erga omnes independentemente de registro.
Por fim, embora ainda a título de exemplo, deveria ser consagrada uma cláusula legal de registrabilidade de quaisquer restrições de utilidade pública. Pois, como é evidente, o impacto e limitação que tais restrições representam para a utilidade econômica do prédio ou para a sua capacidade de gerar riqueza está longe de ser irrelevante para um futuro adquirente.
Por outro lado, no que diz respeito à descrição predial constante do registro, na nossa perspectiva, ela deveria ser muito mais completa, de modo a dar conta das reais qualidades da coisa que é o objeto do direito real. Designadamente, a descrição predial deveria integrar a informação cadastral do imóvel, a utilização possível do solo tendo em conta o direito urbanístico, o fato de o prédio estar integrado numa área de reserva agrícola, ecológica, ambiental, paisagística, contaminada, etc.
De fato, entendemos que se o registo prestasse este tipo de informação cumpriria mais assertivamente o seu fim que é, como se sabe, garantir a segurança do tráfico jurídico
IRIB - A sociedade de informação exige do sistema registral respostas a demandas como interconexão de bases de informação – cadastrais, ambientais, urbanísticas, sociais – para dar maior eficiência, modicidade e agilidade às transações econômicas. Como o sistema registral pode interoperar com vários sistemas? Quais os riscos e vantagens?
Mónica Jardim - Em Portugal tem-se pretendido implementar um sistema de informação predial única, com harmonização das informações da competência de diversas entidades (Registro Predial, Cadastro, Autoridade Tributária, etc.). Em consequência, pretende-se introduzir o NIP (Número de Identificação Predial).
É claro que, como já resulta da pergunta, tal ação reduziria assimetrias de informação entre os intervenientes no tráfico jurídico, conduziria à redução de custos e, em geral, garantiria maior agilidade às transações econômicas.
Mas, como é evidente, tal sistema abrangerá uma coordenação pesada entre as diversas entidades envolvidas e apenas deverá ser implementado estando garantida a complementaridade das diversas entidades. De fato, é na complementaridade – que garanta e aproveite o que há de essencial e de distinto entre cada Entidade – que deve ser pensada e gizada a interligação.
Acresce que será imprescindível preservar o âmbito e finalidade de cada uma das informações a articular, bem como dos efeitos jurídicos que a lei reconhece a cada uma delas.
IRIB - Ao integrar-se em bases conexas, há sempre o risco de vulneração de dados de carácter pessoal, que se acham depositados nos registros públicos. Como conciliar os princípios da publicidade e privacidade?
Mónica Jardim - Na prática, a questão levanta problemas graves.
Teoricamente, tais princípios têm de ser conciliados, respeitando os princípios da finalidade e da proporcionalidade que presidem ao tratamento dos dados pessoais e que inspiram e suportam a Lei de Proteção de Dados.
Recordamos que, de acordo com o princípio da finalidade, a legitimidade da recolha dos dados pessoais está subordinada a uma finalidade previamente definida, explícita e constitucionalmente legítima. Já o princípio da proporcionalidade impõe que o tratamento de dados pessoais se guie por critérios de adequação, pertinência e necessidade relativamente àquela finalidade específica.
IRIB - Em muitos países ocorre o fenômeno de assimilação de funções típicas do Estado (como a atribuição ou adjudicação de direitos de propriedade) por empresas do mercado. Como a Sra. vê esse fenômeno? A privatização registral pode ser um fator de desenvolvimento?
Mónica Jardim - A privatização registral não pode ser um fator de desenvolvimento.
Passo a explicar: o Direito de Propriedade e restantes direitos reais não são conferidos pela natureza, são, isso sim, resultado da iniciativa social e, normalmente, Estadual. Por isso, pode-se afirmar que não há propriedade privada sem Estado.
De fato, os direitos reais não são outra coisa do que convenções sociais respaldadas ou apoiadas pelo Estado – por meio da Lei – que permitem adjudicar com carácter exclusivo e excludente os benefícios efetivos ou potencialmente gerados ou geráveis pelo recurso sobre o qual recai o direito.
O respaldo ou suporte do Estado significa que este se compromete a usar da sua força coercitiva caso os direitos reais sejam perturbados ou, de outro modo, o reconhecimento do direito de propriedade privada e de outros direitos reais, livremente transmissíveis, significa um compromisso efetivo por parte do Estado na defesa de tais direitos.
Portanto, é inegável que os direitos reais são função do Estado. Ora, o registro predial é a Instituição que tem como finalidade dar publicidade oficial aos direitos reais que têm por objeto imóveis.
Portanto, o assento registral é a declaração por parte do Estado de que a titularidade de um direito, sobre uma coisa, pertence a uma pessoa, com exclusão das restantes e que o Estado assim o reconhece e se compromete ao uso da sua força coercitiva perante qualquer um que perturbe o seu exercício.
Mas, ao mesmo tempo, por meio dos assentos registrais e do Registro Predial no seu todo, o Estado acaba por evitar o recurso à sua força coercitiva, pois o Registro gera segurança jurídica preventiva, evitando pleitos e conflitos.
Assim, em resumo, pode afirmar-se que o Registro Predial assegura, de forma definitiva, o direito à propriedade privada e à sua transmissão, bem como, constitui suporte indispensável às políticas de habitação e urbanismo, ambiente e qualidade de vida e ordenamento.
Acresce que, quando se têm consciência da segurança jurídica preventiva gerada pelo Registro Predial, não há como negar a importância do Registro no desenvolvimento socioeconômico de um país, sobretudo em face da atual aceleração da vida econômica mundial.
Em face do exposto, não tenho dúvidas em reafirmar que o exercício das funções registrais apenas deve competir ao Estado, não a entidades privadas! Designadamente, é preciso impedir a disseminação de “registros ficção” a cargo de instituições financeiras.
O Mortgage Electronic Registration System (MERS) – Sistema de Registo Electrónico de Hipotecas – é um exemplo da disseminação de registros ou, melhor de registros ficção, a cargo de instituições financeiras.
Em virtude dele, verificaram-se cessões massivas de créditos hipotecários sem que o novo credor passasse a constar do registro público. Na verdade, do Registro Público constava, permanentemente, como credor o MERS.
Este procedimento desconectou, como é manifesto, os registros públicos dos verdadeiros titulares dos créditos garantidos por hipotecas, uma vez que os ocultava. E esse encobrimento facilitou a explosão de uma prática de empréstimos predatórios, bem como a revenda e/ou securitização fraudulenta desses empréstimos ? que, na verdade, do ponto de vista econômico, não eram comercializáveis. É o conhecido fenômeno do subprime. Mas, não só!
De fato, o MERS permitiu a cessão informal de hipotecas e de pacotes de hipotecas muito além do seu real valor, e até a cessão, com benefício financeiro, de pacotes de hipotecas sem qualquer valor, sendo, por isso, enganados os investidores a quem era ocultada a extensão do risco das perdas financeiras.
Acresce que, obviamente, quando os cessionários quiseram executar as hipotecas foram confrontados com o fato de não constarem do registro como credores hipotecários. Como credor hipotecário constava o MERS.
Por fim, não nos esqueçamos que o MERS provocou a intoxicação do sistema financeiro de vários países, e não apenas dos EUA, pois os investidores não eram exclusivamente estadunidenses. Consequentemente, foi um dos grandes causadores da recente crise econômica dos EUA e da Europa.
Questão diversa é a de saber se as funções registrais devem ser exercidas diretamente pelo Estado ou ao por entidades privadas em regime de delegação ou concessão.
Isto porque, quer numa hipótese quer noutra, a ordenação dos Registros é competência exclusiva do Estado e é inquestionável a natureza pública dos Registros.
Tanto assim é que, na Espanha, onde desde sempre o regime é o da llevanza privada, o art. 149, n. 1, da Constituição institui: “O Estado tem competência exclusiva em matéria de registros”.
IRIB - Fale sobre a palestra online. Qual é a sua expectativa, percepção, como avalia a iniciativa etc?
Mónica Jardim - Desde março que estou a dar aulas, quer teóricas quer práticas, por meios eletrônicos, para os alunos da graduação, das disciplinas de Direito das Coisas e de Direito dos Registros e do Notariado.
Foi, para mim, uma experiência completamente nova, mas muito gratificante.
É claro que tudo o que representa uma aula em sala de aula, com a interatividade constante, o caminhar entre os alunos, o gesticular, etc. se perdeu. E tal fez-me muita falta.
Quanto ao webinar, considero uma iniciativa excelente, sobretudo no quadro de pandemia em que todos vivemos e quando sabemos que a vida e a busca de conhecimentos têm de continuar.
Aceitei participar porque é um novo desafio, uma oportunidade de comunicar, de debater e ouvir outras opiniões e de todos sairmos mais sabedores.
Já soube que o número de pessoas que se revelou interessada no webinar foi elevado. Espero que corra da melhor forma e que corresponda às expectativas de todos.
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Serviços:
Palestra: Sistemas Registrais e a sua Diversidade
Com Mónica Jardim, professora-doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, como palestrante.
- Quarta-feira, 20 de maio
- A partir das 14 horas
- Canal no YouTube do PPGD Unimar. (https://www.youtube.com/channel/UCx_7hWtMvOXzjChkWOnolRw)
Com Mariana Ribeiro Santiago, professora-doutora em direito e editora da Revista Argumentum, Ivan Jacopetti do Lago, professor-doutor em direito e Elias Marques de Medeiros Neto, professor-doutor em direito, como debatedores.
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