Em 02/07/2015

MPF/RS emite parecer favorável à demarcação em Mato Preto


Agricultores entraram com ação contra a Funai e a União, buscando anular a demarcação em favor do povo indígena Guarani


O Ministério Público Federal em Erechim (RS) emitiu parecer se posicionando pela improcedência da ação ordinária 5004427-72.2012.4.04.7117, promovida por agricultores afetados pela portaria que declarou tradicional, em favor do povo Guarani, a Terra Indígena Mato Preto, em face da União e da Funai. Os autores da ação buscam anular tanto o processo administrativo da Funai (FUNAI/BSB/1150/07) quanto a portaria do Ministério da Justiça (Portaria MJ n.º 2.222, de 21 de setembro de 2012) que declarou a tradicionalidade e a posse permanente em favor do povo indígena Guarani da Terra Indígena de Mato Preto.

Leia aqui todo o parecer.

O procurador da República Carlos Eduardo Raddatz Cruz, que assina o parecer, procurou contextualizar a postura do MPF a favor do direito do povo Guarani e de se manter íntegra a portaria declaratória atacada pela ação ordinária. “A resolução da problemática envolvendo indígenas e agricultores passa por discussões que vão muito além da posse, propriedade e ocupação tradicional das terras”, ele adverte, para complementar que “a questão, ao fim e ao cabo, é permeada por uma opção cultural de proteção desmedida de interesses puramente econômicos, a qual induz a um choque cultural de tamanha violência que todas as teses jurídicas relacionadas à espécie parecem se desconstruírem como se de pura areia fossem erguidas”.

Raddatz salientou que, por conta da maneira como os direitos indígenas são apresentados como contrários aos interesses da sociedade - fundada na supervalorização do trabalho e do capital (como se fossem os únicos símbolos legítimos de dignidade) – acabamos por nos deparar com discursos corriqueiramente propalados que revelam “um desapreço – para não dizer ódio - imenso a movimentos culturais minoritários”. “No meio desse jogo, sem vez e sem voz, pequenos – mas centenas deles – agricultores e indígenas”, conclui o procurador.

O parecer reforça, ainda, que a Constituição Federal de 88 adotou o chamado “Estado Pluriétnico”, deixando de lado uma antiga “visão de supremacia de uma etnia dominante (sobretudo europeia) sobre as menores para se proteger, em igualdade de condições, todas os segmentos culturais formadores da identidade brasileira, respeitadas as diferenças de cada uma”. Portanto, reafirma o procurador, “as populações indígenas, dotadas de identidade cultural própria, devem de ser respeitadas assim em suas diferenças”.

“Não são os colonizadores e seus descendentes, não é o Poder Público e seus atores, não são os historiadores, psicólogos, filósofos, arqueólogos e muito menos a sociedade civil que pode analisar a legitimidade cultural de elemento próprio das populações indígenas. Somente o indígena pode expressar a forma com que os fatos da vida relacionam-se por suas instituições, usos, costumes e tradições”, escreveu Raddatz Cruz no parecer.

Demarcação – O parecer frisa também que a natureza do ato formal do Ministério da Justiça ao firmar a Portaria Declaratória não cria a terra indígena, mas sim declara a sua existência e fixa os seus contornos físicos com base nos estudos realizados pela Funai, ou seja, reconhece uma situação que preexiste à sua prática.

O Ministério da Justiça, quando publica tais portarias, reconhece que “o vínculo, a ocupação tradicional, preexiste aos atos oficiais, que são praticados apenas no afã de assegurar a necessária segurança jurídica aos indígenas, sobretudo porque a grande maioria das áreas habitadas por tais comunidades acha-se ocupada por terceiros (de boa-fé ou não) e envolvida em graves conflitos fundiários”.

Raddatz reforça que a Portaria Declaratória “não emana de autoridade que tenha por missão exclusiva a defesa dos povos indígenas (como é a Funai), mas sim de todos os segmentos que compõem a população brasileira, inclusive das maiorias atingidas (caso dos pequenos agricultores afetados, os quais contam com peso político majoritário inquestionável)”.

Mato Preto – A respeito da situação específica da TI de Mato Preto, assim concluiu o procurador da República: “A área é de habitação tradicional permanente Guarani, lá tendo residido os autores do pedido de demarcação e familiares imediatos dos atuais ocupantes. A área foi esbulhada pela atuação forçada e violenta das políticas colonizatórias encabeçadas pelo estado do Rio Grande do Sul, sendo os indígenas sido impedidos de voltar em razão da força de oposição que persiste até os dias atuais. Maior prova da persistência do esbulho sofrido pela comunidade guarani de Mato Preto é justamente a situação atual que não difere daquela existente desde a expulsão ilegal dos indígenas: a presença do não-índio na área, possuidores de títulos nulos e, portanto ilegais, expedidos pelo Estado do Rio Grande do Sul, tendo os ocupantes originais da área e seus descendentes vivido de 'favor' desde então em outras áreas indígenas, para onde foram levados, em dado momento histórico, pelo uso da força, inclusive física”.

Fonte: MPF

Em 1.7.2015



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