Otávio Damaso fala aos registradores brasileiros
Otávio Ribeiro Damaso é Diretor de Regulação do Banco Central do Brasil desde abril de 2015. Convidado pelo Presidente do IRIB, transmitiu uma mensagem de estímulo e desafio aos registradores imobiliários brasileiros: "O Brasil tem um bom modelo de registro, se o compararmos com os modelos descentralizados adotados em países como os Estados Unidos, por exemplo. Apesar disso, vejo o Registro de Imóveis como uma mina de ouro mal explorada, e não tenho dúvida de que o caminho para a exploração dessa mina é o investimento em tecnologia".
OTAVIO RIBEIRO DAMASO – DIRETOR DE REGULAÇÃO DO BANCO CENTRAL
Otávio R. Damaso proferiu a seguinte palestra aos conselheiros e diretores do IRIB em assembleia realizada em São Paulo no dia 28 de abril de 2017. Por videoconferência, Damaso revelou os planos do Banco Central para o crédito imobiliário, afastou muitas dúvidas dos registradores acerca da Resolução 4.088/2012 e indicou os desafios e oportunidades para o registro imobiliário brasileiro. Confira abaixo a transcrição da mensagem (SJ).
Divido minha exposição em três momentos distintos: no primeiro, apresento o trabalho desenvolvido no âmbito da diretoria de regulação do Banco Central e as perspectivas para o crédito imobiliário; no segundo, alguns esclarecimentos a respeito da Resolução 4.088, de 24 de maio de 2012, e, por terceiro, apresento a minha visão a respeito do registro imobiliário e os desafios e oportunidades que identifico para o segmento.
Crédito imobiliário
Considerando as dimensões continentais do Brasil, o crédito imobiliário esteve muito abaixo do esperado entre os anos 80 e 90. Parte do vácuo observado nesse período decorreu de discussões jurídicas, legítimas ou não, que culminaram com o fim da hipoteca como importante instrumento de financiamento imobiliário, resultando na queda da concessão de financiamentos pelas instituições financeiras.
O crédito imobiliário representava apenas 1% do PIB, enquanto em países emergentes, até menos desenvolvidos que o Brasil, o crédito imobiliário refletia algo em torno de 20% a 50% do PIB. Países desenvolvidos onde o mercado de crédito imobiliário é tradicional, como Holanda e Japão, o crédito imobiliário ultrapassava 100% do PIB.
A instabilidade macroeconômica do país, assim como questões políticas passadas envolvendo, por exemplo, o Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS foram determinantes para a completa ausência de um instrumento eficaz de financiamento imobiliário.
A alienação fiduciária
O mercado de crédito imobiliário começou a dar sinais de melhora a partir do advento da Lei 9.514, de 1997, que criou a figura da alienação fiduciária de bens imóveis. Até o ano de 2003, nenhuma reação havia sido observada no segmento. Somente com a solidez da economia e com o aperfeiçoamento do arcabouço legal e regulatório do financiamento imobiliário é que pudemos ver o crédito imobiliário em franco crescimento no Brasil.
Lembro-me do cenário desfavorável que presenciei nos anos 2000 quando iniciei minha atuação no mercado de crédito imobiliário. O meu maior desafio foi vencer a dicotomia entre a construção civil e as instituições financeiras, em favor do crescimento do financiamento imobiliário no Brasil. Esses dois atores não se conversavam em função das regras do direcionamento da poupança. Enquanto a indústria da construção civil investia fortemente na habitação, as instituições financeiras demonstravam total desinteresse devido à insegurança jurídica gerada pela falta de um instrumento adequado de financiamento imobiliário.
Vimos esse cenário mudar com o crescimento sustentável do crédito imobiliário, que saltou de 1% para algo em torno de 10% do PIB. Mais do que isso, vimos uma grande aproximação entre a indústria da construção civil e o financiamento imobiliário.
Após o advento do instituto da alienação fiduciária, e com o aumento da segurança jurídica e a estabilidade macroeconômica, as instituições financeiras adaptaram as suas estruturas para atuar de maneira mais sólida no mercado. Hoje a maioria delas encara o crédito imobiliário como um seu principal produto de negócio, isso porque a concessão do crédito agrega negócios outros adjacentes igualmente importantes para os bancos, como a fidelização de clientes, venda de seguros, e outros produtos disponibilizados pela instituição financeira.
O sucesso do crédito imobiliário depende da solidez da micro e macroeconomia. O crédito imobiliário ganhará forças a partir de um arcabouço jurídico que possa garantir maior segurança jurídica aos negócios imobiliários. Neste ponto, o serviço de registro de imóveis é importantíssimo, tendo em vista sua eficácia constitutiva que afasta qualquer restrição para o financiamento do imóvel.
As perspectivas para o futuro são as melhores. Vislumbro um grande potencial de crescimento do crédito imobiliário a um ritmo muito maior do que para as demais linhas de crédito da economia.
Não quero me prender a números, mas acredito que alcançaremos tranquilamente o patamar de 20 a 30% do PIB nas próximas décadas.
Eis aqui a minha primeira mensagem. Graças à situação atual do país e ao interesse crescente das instituições financeiras e dos cidadãos na aquisição de financiamentos, o mercado apresenta plena condição de crescimento, podendo alcançar o mesmo patamar que se observa nos demais países emergentes.
Banco Central: iniciativas que impulsionaram o mercado de crédito e a CETIP
Nas duas últimas décadas, o Banco Central direcionou seus recursos financeiros e humanos para a criação e desenvolvimento de instrumentos de supervisão do sistema financeiro que contribuíram decisivamente para o aperfeiçoamento da regulamentação de todas as ações adotadas no âmbito do sistema financeiro.
Conhecer os ativos que circulam no sistema financeiro é crucial para o trabalho de supervisão realizado no âmbito da Diretoria de Regulação do Banco Central. Pensando nisso, ainda na década de 80, o Banco Central induziu a criação da CETIP, uma companhia de capital aberto que tem por finalidade oferecer serviços de registro, negociação e liquidação de ativos e títulos.
De lá para cá, várias outras iniciativas foram implementadas pelo Banco Central, visando não apenas o cumprimento das metas ordinárias previstas pelo Banco Central, como também em resposta aos momentos críticos vividos durante esse período.
Central de Exposição a Derivativos – CED
Na crise financeira internacional de 2008, questões envolvendo operações de derivativos não lineares, os chamados targets forwards, implicaram a regulamentação, pelo BACEN, da Central de Exposição a Derivativos, de iniciativa da CETIP – Balcão Organizado de Ativos e Derivativos, BM&F-Bovespa e FEBRABAN –, Federação Brasileira de Bancos, na qual são reunidas as exposições de derivativos de clientes de instituições financeiras, e que hoje foi totalmente agregada ao trabalho de supervisão com o objetivo de monitorar mais amplamente o sistema financeiro.
Crédito ao Consumo e Central de Cessão de Crédito (C3)
O crédito ao consumo teve impulsionado o seu crescimento entre os anos 2008 e 2013, ocasião em que também as cessões de crédito foram aperfeiçoadas a partir da criação do sistema C3 – Central de Cessões de Crédito, que tem por objetivo centralizar as informações relativas às operações de cessões de crédito efetuadas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, e com a qual também estamos totalmente integrados.
Sistema de Informações de Crédito – SCR
No âmbito do próprio Banco Central, foi criada a Central de Risco de Crédito, que armazena dados sobre as operações de crédito realizadas por instituições financeiras e cujo principal objetivo é reforçar os mecanismos de supervisão bancária, com aumento da eficácia de avaliação dos riscos inerentes à atividade.
A cada operação de crédito a instituição financeira preenche um questionário com cerca de trinta campos com informações sobre o tipo de crédito concedido, nome do tomador, pagamento das prestações etc., e envia mensalmente ao Banco Central. Hoje, qualquer crédito acima de R$ 200 é informado ao BACEN.
Portanto, mais de 90% das operações de créditos realizadas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional são monitoradas pelo BACEN.
O monitoramento dessas informações não só facilita o trabalho de supervisão da Diretoria de Regulação como também abastece as estatísticas publicadas mensalmente pelo Banco Central e fornece subsídios para a atividade de regulação do sistema financeiro nacional.
Em 2010, o BACEN implementou uma série de medidas macropotenciais para limitar o crescimento do crédito em alguns segmentos do mercado, como o segmento de veículos. Importantes decisões foram tomadas na ocasião com base nas informações que integram os sistemas de monitoramento do BACEN. A partir dessas informações foi possível identificar, por exemplo, que a maturidade excessiva do crédito aumentava o nível de inadimplemento do financiamento. Tivemos a oportunidade de antecipar a resolução de problemas futuros, controlando eventuais riscos para o segmento de automóvel e o sistema financeiro como um todo.
Relatório de Estabilidade Financeira (REF)
Outras importantes informações colhidas pelo BACEN são publicadas no Relatório de Estabilidade Financeira – REF, uma publicação semestral do Banco Central do Brasil destinada a apresentar os resultados das análises sobre o Sistema Financeiro Nacional, especialmente no que diz respeito à sua dinâmica, perspectivas e grau de resistência a eventuais choques na economia brasileira. Também nos valemos dessas informações nos testes de estresse de risco de mercado que fazemos no Banco Central.
Em recente avaliação realizada pelo Conselho de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board – FSB), cuja finalidade é coordenar, em âmbito internacional, o trabalho das autoridades financeiras nacionais e dos organismos internacionais de normatização, o Banco Central foi considerado país líder no uso de informação para fins de supervisão financeira. Portanto, não é demais ratificar a essencialidade da informação para o trabalho de supervisão do sistema financeiro nacional.
Resolução BACEN 4.088 e o Registro de Imóveis
A Resolução 4.088, de 24 de maio de 2012, dispõe sobre o registro, em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos, das garantias constituídas sobre veículos automotores ou imóveis relativas a operações de crédito, bem como das informações sobre a propriedade de veículos automotores objeto de operações de arrendamento mercantil.
Especificamente no que se refere ao Registro de Imóveis, não há absolutamente nenhum conflito ou interesse do Banco Central em concorrer com os Registros. Estamos olhando unicamente para os imóveis objetos de operações de crédito no âmbito do sistema financeiro. Apenas 2% dos imóveis urbanos e rurais, no Brasil, são financiados. Não temos nenhuma pretensão em ter um modelo de Registro de Imóveis ou um substituto para o Registro de Imóveis.
Dados estatísticos são fundamentais para o BACEN
Precisamos de informações precisas sobre os imóveis para que possamos conhecer, por exemplo, as garantias constituídas no crédito imobiliário, a evolução do valor do imóvel e também poder avaliar se um mesmo imóvel não está servindo de garantia em duas operações financeiras. Muitas vezes pode ocorrer de um único imóvel estar sendo transacionado por duas instituições distintas, tendo sido uma delas negligente em não providenciar o registro na matrícula do imóvel.
O nosso universo é mínimo comparado ao do sistema registral imobiliário brasileiro. O nosso sistema registral tem por finalidade atender unicamente as nossas estatísticas e supervisão no âmbito do sistema financeiro, sem qualquer intuito de feedback para a sociedade.
São duas coisas completamente distintas, a resolução 4.088/2012 não tem a presunção, nem remota de ocupar o espaço do Registro de Imóveis.
Os desafios do Registro de Imóveis
Desde os meus tempos de Ministério da Fazenda mantenho um relacionamento saudável com o IRIB e o Registro de Imóveis como um todo, e posso lhes garantir que conheço um pouco dos sistemas registrais ao redor do mundo.
O Brasil tem um bom modelo de registro, se o compararmos com os modelos descentralizados adotados em países como os Estados Unidos, por exemplo.
Apesar disso, vejo o Registro de Imóveis como uma mina de ouro mal explorada, e não tenho dúvida de que o caminho para a exploração dessa mina é o investimento em tecnologia.
Ao longo do tempo vimos direcionando a tecnologia para a potencialização dos nossos serviços, visando diretamente o incremento de estatísticas e informações que subsidiam políticas públicas diversas.
Informação é um ativo econômico
A informação é crucial. Com a evolução da tecnologia, principalmente com o barateamento da capacidade de armazenamento e processamento de dados e o acesso irrestrito às redes sociais, houve uma explosão de modelos de negócios no âmbito do sistema financeiro nacional que precisam estar disponíveis à sociedade.
É óbvio que não me refiro ao acesso de informações objeto de publicidade registral que digam respeito a interesses particulares, mas àquelas informações que podem contribuir para o desenvolvimento de estatísticas macroeconômicas e que estão sob a guarda exclusiva do Registro de Imóveis.
Um dos principais indicadores de acompanhamento para fins de supervisão pela Diretoria de Regulação do Banco Central é o índice de preços para imóveis. Em 2010, lançamos ao mercado o desafio de construção desses índices, até então inexistentes no Brasil. Instituições como ABECIP, FGV, FIPECAFI, e o próprio BACEN, desenvolveram seus índices, todos, no entanto, bastante restritos, tendo em vista que consideram apenas os imóveis transacionados no âmbito do crédito imobiliário, não abrangendo a infinidade de transações realizadas fora desse sistema.
O índice FipeZap, por exemplo, utiliza outra metodologia. Baseia-se na coleta de anúncios de vendas e locação de imóveis residenciais e comerciais, que nem sempre representam o valor de fato negociado.
O Registro de Imóveis reúne todas as condições para desenvolver ou subsidiar a criação de um índice com informações mais amplas do imóvel. E essas informações não estão sendo produzidas.
O registro apresenta grande potencial para a produção de um conjunto de informações relevantes, entre as quais o próprio índice de preços dos imóveis transacionados, cuja validade jurídica depende do registro em matrícula, onde deveria constar, em tese, o real valor transacionado.
A produção dessa informação é de interesse geral, interessa não só ao BACEN, mas ao mercado imobiliário e também a outros órgãos do governo para o fim de implementação de políticas públicas.
Portanto, o grande desafio é avançar na modernização e prestação de informações como forma de agregar mais valor à atividade do Registro de Imóveis.
É óbvio que, em um país com as dimensões continentais do Brasil, as discrepâncias entre os Registros de Imóveis precisam ser consideradas, mas, ainda assim, essa mudança é essencial.
Com isto, encerro minha fala e agradeço muito a oportunidade de conversar com vocês. Ressalto novamente a importância do crédito imobiliário para o país. Pessoalmente, acho que essa linha de crédito é muito diferente das demais porque tem ainda um grande potencial de crescimento ao longo dos anos.
Estamos trabalhando os aspectos macro e micro para fomentar esse crescimento e assim gerar muitos negócios a todos que atuam na cadeia imobiliária no País, seja no âmbito do Banco Central, seja das construtoras e incorporadoras, fornecedores de materiais de construção, etc. As instituições financeiras estão hoje muito bem estruturadas para expandir o crédito imobiliário no país, e elas também anteveem que é por esse caminho que o crédito imobiliário vai crescer nos próximos anos. E isso, naturalmente, representará um grande desafio para o registro de imóveis também.
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