Quem concede o crédito não pode realizar o seu registro*
IRIB Publica nota de esclarecimento acerca de matéria do jornal O Globo
O Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) publica, abaixo, nota de esclarecimento acerca de reportagem publicada no jornal O Globo. O IRIB é a maior entidade de representação da classe registral imobiliária no Brasil e está diretamente ligado ao tema abordado na matéria “Governo quer tornar mais ágil crédito imobiliário”- edição de 19/2/2013.
NOTA DE ESCLARECIMENTO AO JORNAL “O GLOBO”
Segundo a matéria “Governo quer tornar mais ágil crédito imobiliário”, veiculada no jornal O Globo em 19/2/2013, o governo federal planeja mudar o atual sistema de garantias do crédito lastreado em imóveis no país. Seria criada uma espécie de “RENAVAM imobiliário”, com a finalidade de aumentar a segurança, melhorar a governança do setor imobiliário e, com isso, prevenir bolhas como a que aconteceu nos Estados Unidos e gerou a crise de 2008.
Diante da necessidade de prestar esclarecimentos à população sobre tão relevante questão, o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB, órgão de representação da classe dos registradores de imóveis, vem esclarecer diversos pontos abordados na referida matéria, que dizem respeito à classe registral imobiliária.
O IRIB, por meio de seu presidente, Ricardo Basto da Costa Coelho, faz no texto a seguir as seguintes ponderações e esclarecimentos ao jornal O Globo e aos demais veículos de comunicação. Abaixo, expressamos a nossa posição sobre o assunto, demonstrando a realidade do atual sistema de crédito imobiliário e quais as providências deverão ser tomadas pela Instituição, tendo em vista as mudanças propostas pelo governo.
1- Quem concede o crédito não pode realizar o seu registro
O sistema de garantias imobiliárias hoje é realizado perante os Cartórios de Registros de Imóveis, onde por lei são constituídos, modificados, declarados ou extintos os direitos reais, utilizando, ao longo de muitas décadas, um modelo de comprovada publicidade e segurança jurídica em que a sociedade confia. Tal sistema contribui inclusive para a paz social existente no meio jurídico e econômico deste país. Os oficiais do Registro de Imóveis exercem a sua função de forma privatizada, nomeados depois de aprovados em concurso público, sem qualquer ônus para o Estado, de uma forma segura, autônoma e imparcial. São profissionais do Direito dotados de fé pública e seus atos são fiscalizados pelo Judiciário.
Por intermédio de uma modificação legislativa, sem precedentes no nosso sistema, as atribuições de dar garantias ao sistema de crédito imobiliário que até agora são dos serviços do Registro de Imóveis, poderão ser transferidas a um registro criado pelo próprio sistema de créditos. Conforme a reportagem de O Globo, este registro poderia seria gerido, por exemplo, pela CETIP - uma empresa do próprio setor.
É a mesma coisa que dizer que acabou o sistema constitucional de freios e contrapesos dos três poderes. Na opinião do IRIB, essa medida seria abusiva. Os poderes se regulam e criam limites uns para os outros. Assim também é no mundo da economia. É inadmissível imaginar que quem concede o crédito possa registrar o mesmo. O registro do crédito lastreado em imóveis, no Brasil, é feito pelo sistema de Registro de Imóveis. Ao registrar um título, o oficial do Registro exerce a função jurídica de qualificar. Qualificar é verificar se o título e as pessoas estão em condições de efetuar o negócio. O sistema de crédito, ao assumir tal atribuição, não faria isso.
2- Modificação legislativa só atende interesse do sistema de crédito
O sistema de crédito brasileiro se apoia em diversas leis como, por exemplo, a Lei 10.931 de 08.02.2004 e diversas outras, que prevêem que tais créditos podem ser representados por títulos denominados cédulas de crédito ou letras de crédito, que são papéis lastreados por créditos imobiliários garantidos por hipotecas ou por alienação fiduciária de bens imóveis, conferindo aos seus tomadores direito de crédito pelo valor nominal, mais juros e, se for o caso, atualização monetária neles estipulados.
Tais títulos de crédito historicamente são averbados em cartórios de Registro de Imóveis com a segurança e a publicidade acima mencionadas para terem eficácia, por exigência da lei. Após esse ato, os títulos poderão transitar devendo as cessões posteriores ser averbadas em cartório para garantia dos futuros cessionários dos títulos chamados “derivativos”, até o seu final cancelamento, quando do pagamento da dívida. Sem a participação do Registro de Imóveis esta cadeia de transmissões fica sem controle, gerando insegurança e a possibilidade de gerar nova bolha imobiliária.
Entendemos que, a partir da modificação da legislação, serão atendidos unicamente os interesses do sistema de crédito, em detrimento dos interesses da sociedade, no sentido de que o registro destas cédulas e letras de crédito passe a ser feito por intermédio de uma instituição de seu controle, a CETIP, ficando tais títulos e suas cessões registrados por ele mesmo, os próprios titulares ou cedentes do crédito, no caso, as instituições financeiras (muitas vezes tituladas por capital estrangeiro). O processo que se iniciou visa transferir o controle das garantias reais que estavam nas mãos do Estado, através dos órgãos de registros, sujeitos imparciais na relação creditícia, fiscalizados pelo Poder Judiciário, aos próprios credores (instituições financeiras), partes interessadas.
Em suma, trata-se de alterar a atribuição legal de realizar esses registros e de promover o controle de alguns direitos reais (publicidade, disponibilidade etc).
3- Novo sistema pode resultar em insegurança jurídica
A dúvida que se tem é se as mudanças previstas vão gerar segurança ou insegurança jurídica. No nosso entendimento, estão tentando mudar, de forma sutil, algo que funciona muito bem no nosso País, o Sistema de Registro Imobiliário, o qual serve de parâmetro para outras nações desenvolvidas ou em desenvolvimento, ao invés de trabalhar para enfrentar os reais problemas que existem no Brasil.
A reportagem também fala de morosidade do atual sistema, mas a demora no trâmite dos contratos de crédito imobiliário, hoje, só pode ser atribuída aos agentes financeiros. Isso parece ter sido reconhecido na reportagem, tanto que é sugerida a concentração dos ônus na matrícula do imóvel, instituto que só pode ser implantado no sistema jurídico brasileiro por intermédio de lei e que já está em fase de estudos no Ministério da Justiça.
Por outro lado, existem os registros créditos rurais que não demoram mais do que três dias para serem efetuados em qualquer cartório do Brasil, o que representa um apoio ao nosso Agribusiness.
Quanto aos custos, sem conhecer os valores inerentes a um novo sistema não há como realizar comparação alguma. Hoje, para os gravames e o registro de veículos automotores, é necessário que a parte assuma o pagamento de altas taxas e, ainda, o Estado mantém um grande número de servidores públicos à disposição do serviço. No caso do crédito imobiliário, com o uso da estrutura e dos serviços dos Cartórios de Registro, tem-se custo zero para o Estado. Se comparado com outros sistemas jurídicos, o Registro de Imóveis ainda representa um dos meios menos onerosos para se alcançar o Direito. Cabe lembrar aqui dos benefícios da execução da alienação fiduciária, instrumento que é sucesso no processo de desjudicialização no Brasil. Portanto, deve ser levado em conta que a opção por outras vias enseja despesas com honorários, custas processuais e sucumbência, além do custo pela demora na resolução de um conflito judicial.
4- Medidas a serem tomadas para garantia de um direito constitucional
Destacamos que hoje existem alternativas em trâmite para dar mais agilidade aos registros. No Estado de São Paulo, já está implantado um grande sistema de pesquisa e registro de atos, inclusive judiciais por meio digital e on line. O registro eletrônico previsto nos arts. 37 e segs. da Lei nº 11.977/09, será obrigatório a todos os Cartórios de Registro de Imóveis até meados de 2014. A padronização de procedimentos também contribuirá para a agilidade. Melhorias no atendimento aos poderes públicos e à sociedade em geral são uma constante.
Se for necessário, o IRIB irá buscar as vias judiciais para garantir aos seus associados o direito constitucional de registrar os contratos de garantia e as cessões de crédito imobiliário, dando segurança ao sistema de crédito e à população brasileira dos seus negócios imobiliários, garantias que lhe são asseguradas também pela Lei 6.015 de 31.12.73 (Lei de Registros Públicos).
Lembramos que modelo de registro de direitos que é empregado pelo Registro de Imóveis no Brasil serve de referência para o mundo. Depois da crise imobiliária inaugurada nos Estados Unidos da América (EUA), estados norte-americanos e outros países estão migrando do sistema de registro de títulos para o sistema de registro de direitos, como o que o Brasil já possui há quase um século. A propósito, os benefícios do sistema de registro de direitos (como o Brasileiro, Alemão, Espanhol etc.) são reconhecidos pelo Banco Mundial se comparados com os problemas e os custos advindos do sistema de registro de títulos. Instituições internacionais já emitiram opiniões de que se os EUA tivessem um sistema parecido como o Registral Imobiliário Brasileiro certamente os efeitos da crise imobiliária não teriam sido tão nefastos.
Causa-nos espécie o fato de o sistema proposto estar em fase final de discussão nos Ministérios da Fazenda, da Justiça e do Planejamento, com participação do BACEN, CVM e de outros agentes financeiros, conforme relatado na reportagem, sem que a classe registral imobiliária e, principalmente, a própria sociedade brasileira tenha sido convida a participar do debate. Entidades como o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB e a Associação Nacional dos Notários e Registradores - Anoreg-BR foram alijadas desse importante debate.
O IRIB espera que as autoridades brasileiras tenham absoluta consciência do que estão fazendo com relação a esta pretensa alteração de sistema que envolve registro de direitos relativo a imóveis, bem como espera-se que a sociedade em geral esteja atenta a este problema. Caso contrário, num futuro próximo sejamos novamente surpreendidos com uma nova crise imobiliária, agora oriunda do Brasil.
Brasília, 26 de fevereiro de 2013
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