Realizado terceiro debate acerca do PL n. 510/2021
Audiência pública é marcada pela divergência e preocupação ambiental.
Em audiência pública realizada em 10/05/2021, pela Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal (CMA), as discussões em torno do PL n. 510/2021, que altera regras de regularização fundiária em terras da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), unificando a legislação sobre o tema para todas as regiões do País, foram pautadas pela divergência entre os participantes. Dentre os pontos debatidos, destacam-se a preocupação por melhor instrução dos Senadores em relação marco temporal previsto no PL, seu campo de atuação e a dispensa de vistoria prévia da área a ser regularizada. A audiência pública foi solicitada pelo Senador Fabiano Contarato (REDE-ES).
Reprodução: TV Senado
De acordo a notícia veiculada pela Agência Senado, para o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin, há dispositivos técnicos bem elaborados, mas outros que precisam de ajustes. O Ministro ainda demonstrou preocupação com a modificação do campo de aplicação da lei. Segundo ele, “essa lei, na sua redação atual, tem como campo de aplicação a Amazônia Legal. E a ementa retirou também o artigo 1º, retira essa aplicação ou campo de aplicação limitado e deixa a lei aberta para o país como um todo. Penso que o debate até hoje foi feito olhando para a Amazônia. Nós não sabemos o impacto dessa lei com os requisitos que tem para todos os biomas brasileiros. Nós não fizemos esse estudo.”
Quanto ao marco temporal apresentado no PL, o Relator da matéria, Senador Carlos Fávaro (PSD-MT), afirmou que pretende apresentar um relatório que promova efetividade na regularização fundiária brasileira. Pela proposta, o marco temporal passa de 22/07/2008 para 10/12/2019. O Senador ainda ressaltou que não quer e não vai avançar para “passar a mão na cabeça de grileiros de terra”. Para o Senador Jean Paul Prates (PT-RN), cabe ao Relator retirar o rótulo de “PL da grilagem”. Os Senadores Izalci Lucas (PSDB-DF) e Wellington Fagundes (PL-MT) também questionaram os impactos do projeto.
As preocupações ambientais também foram defendidas pelos participantes. Para a Procuradora da República e Ex-Coordenadora da Força Tarefa Amazônia do Ministério Público Federal, Ana Carolina Haliuc Bragança, “a nossa legislação atual já atende grande parte dos pequenos agricultores e produtores rurais na Amazônia e poucas pessoas, médios e grandes proprietários, serão efetivamente beneficiadas pelos dispositivos trazidos pelo PL 510/2020. A tendência deste PL é de aprofundar injustiças e não de promover a ordem, a justiça e o estado de legalidade nas zonas rurais de nossa Amazônia.”
De acordo com o Procurador da República do Rio de Janeiro e Coordenador do Grupo de Trabalho Reforma Agrária e Conflitos Fundiários da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Julio José Araujo Júnior, é importante entender o cenário das terras públicas, tanto federais, como estaduais. Desta forma, o Estado brasileiro poderá incidir com planejamento e organização da sua destinação, com controle social e participação efetiva, proteção suficiente e constitucionalmente adequada de bens jurídicos fundamentais. “Não é mudando essa legislação, aprofundando-a ou aumentando-a, que a gente vai conseguir adequar a proteção de todos esses bens jurídicos. Há muita preocupação também com alguns sinais, como a previsão da possibilidade de pessoas regularizarem mais de um imóvel, sendo proprietários de outros imóveis, e isso tudo gera um cenário de muita insegurança, insegurança em que se transforma e se inverte a lógica em relação à regularização fundiário”, afirmou.
Para a Promotora de Justiça no Estado do Pará, Eliane Cristina Pinto Moreira, notícias sobre a flexibilização de regularização fundiária acabam por gerar crescimento do desmatamento na região, ao mesmo tempo em que a titulação de terras indígenas e de povos tradicionais anda a passos lentos. Para ela, “Quem se beneficia [com essa política pública]? Quem ocupou ilegalmente terra pública após 2008. E assim, ela premia a grilagem. Ela cria mecanismos que oportunizam a regularização fundiária para o desmatador, e com isso ela premia quem desmatou para grilar. E ela fecha os olhos à realidade da terra e à existência de conflitos no campo ao não vistoriar e, com isso, incentiva conflitos agrários.”
Sobre o agronegócio, o Copresidente da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, Marcello Brito, afirmou que o desenvolvimento socioeconômico depende prioritariamente da regularização fundiária. Para ele, é necessário “facilitar o processo já existente através da estrutura do Incra. O agronegócio tem sido o desenvolvedor em várias regiões do país. O Norte e Nordeste ficaram aquém desse processo de desenvolvimento porque não foram inseridos no agronegócio.” Brito ainda afirmou que o PL n. 2.633/2020, em tramitação na Câmara dos Deputados, por já ter sido amplamente discutido e pacificado, deveria se sobrepor ao PL n. 510/2020.
Acerca das irregularidades apuradas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no programa Terra Legal desde 2014, o Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Raoni Guerra Lucas Rajão, após citar os dados acerca do assunto, pontuou que as conclusões principais do TCU indicam a facilitação da grilagem de terras públicas por meio da ação estatal. De acordo com Rajão, “Isso é muito preocupante, porque nós, não só não temos o controle, mas nós temos atuação do órgão e o próprio uso da legislação atual para facilitar uma ação criminosa, que é o roubo de terras pública. Há ocupação de áreas excedentes aos limites legais estabelecidos, principalmente pela legislação ambiental - isso é uma constante - e permanência irregular dos posseiros que não cumprem essa legislação, que não cumprem os critérios pós-titulação.”
Por sua vez, o Especialista Internacional em Governança e Administração de Terras, Richard Martins Torsiano, afirmou que “alteração do marco temporal é um risco e não se justifica pela demanda (1% dos registros) ou por algum benefício que hipoteticamente poderia trazer ao agronegócio, às comunidades locais ou ao país.” De acordo com Torsiano, somente 1.837 imóveis, em 241 mil há, sobrepostos a glebas federais e que desmataram entre 2008 e 2012, seriam potencialmente beneficiados pelo PL n. 510/2021.
Juliana de Paula Batista, Advogada do Instituto Socioambiental e Raul Silva Telles do Valle, diretor de Políticas Públicas do WWF-Brasil, ambos convidados para o debate, também demonstraram preocupação com pontos do projeto.
Veja a íntegra do PL n. 510/2021, leia a matéria completa publicada pela Agência Senado e ouça o áudio divulgado.
Fonte: IRIB, com informações da Agência Senado.
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