Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1001717-94.2018.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes SANPREV – SANTANDER ASSOCIAÇÃO DE PREVIDÊNCIA e BANESPREV FUNDO BANESPA DE SEGURIDADE SOCIAL, é apelado OFICIAL DO 13 CARTORIO REGISTRO IMÓVEIS DA COMARCA DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 30 de outubro de 2018.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação nº 1001717-94.2018.8.26.0100
Apelantes: Sanprev – Santander Associação de Previdência e Banesprev Fundo Banespa de Seguridade Social
Apelado: Oficial do 13 Cartorio Registro Imoveis da Comarca de São Paulo
VOTO Nº 37.581
Registro de Imóveis – Transferência de Gerenciamento de Plano de Benefícios – Entidade fechada de previdência complementar – Imóveis que integram os ativos garantidores das reservas técnicas registrados em nome de antiga gestora – Patrimônio de afetação – Necessidade de averbação do vínculo no respectivo registro imobiliário, como previsto no art. 28, §1º, da Lei Complementar 109/2001 – Título que, no caso concreto, não se presta à dispensa da lavratura de escritura pública – Dúvida procedente – Recurso desprovido.
Trata-se de recurso de apelação interposto por SANPREV – SANTANDER ASSOCIAÇÃO DE PREVIDÊNCIA e BANESPREV – FUNDO BANESPA DE SEGURIDADE SOCIAL contra r. sentença que julgou procedente dúvida, mantendo os óbices apresentados à transmissão da titularidade dos imóveis matriculados sob nos 42.812, 41.813 e 41.814 junto ao 13º Registro de Imóveis da Capital.
Sustentam as apelantes que referidos imóveis, desde sua aquisição, permanecem afetados à garantia de suas reservas matemáticas, fundos e provisões, de forma que não há que se falar em alienação de domínio, mas simples averbação da modificação subjetiva da titularidade a fim de preservar direitos e garantir o pagamento dos benefícios contratados pelos participantes e assistidos dos fundos envolvidos no negócio jurídico em questão. Aduzem que houve mera sucessão entre entidades gestoras, na forma permitida pelo regime jurídico peculiar estabelecido nas diretrizes regulatórias da matéria relativa à previdência complementar, sendo dispensável, pois, a lavratura de escritura pública. Afirmam, ainda, ser desnecessária a averbação exigida pelo registrador, eis que são entidades fechadas de previdência complementar, de âmbito mais restrito. Por fim, asseveram que a sucessão na gestão dos Planos de Benefícios, em virtude da qual o Patrocinador BANCO SANTANDER S/A, valendo-se de prerrogativa legal, promove deliberação ratificada pelo órgão regulador, no sentido de que a SANPREV – SANTANDER ASSOCIAÇÃO DE PREVIDÊNCIA seja substituída nesse mister pela BANESPREV – FUNDO BANESPA DE SEGURIDADE SOCIAL, não implica propriamente a alteração de titularidade da propriedade dos imóveis, mas apenas uma modificação consentida pela lei da entidade gestora e, portanto, do titular da denominada propriedade aparente.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
A MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 13º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital julgou procedente a dúvida, entendendo ser necessária a lavratura de escritura pública para transferência dos ativos garantidores dos apelantes, inclusive bens imóveis, bem como por não estar a hipótese inserida nas exceções do art. 221 da Lei 6.015/73.
No que diz respeito à controvérsia travada nos autos, relativa ao patrimônio das entidades fechadas de previdência complementar, importa dizer que não se desconhece a particular regulação da matéria instituída pelas Leis Complementares nos 108 e 109/2001 e pelas diretrizes normativas trazidas pela PREVIC – Superintendência Nacional da Previdência Complementar, CNPC – Conselho Nacional de Previdência Complementar e pelo Conselho Monetário Nacional.
Como é sabido, o principal desafio do sistema previdenciário é garantir que todos os benefícios e serviços previstos por lei ou por contrato, prometidos aos segurados e seus dependentes, sejam efetivamente fornecidos a seus beneficiários. Bem por isso, existem instrumentos jurídicos de proteção patrimonial dos recursos destinado ao pagamento dos benefícios e promoção de medidas visando a garantia de recursos disponíveis para integral cobertura dos compromissos previdenciários assumidos pelo plano. É o que a doutrina especializada vem chamando de independência patrimonial dos planos de benefício [1].
A doutrina clássica, representada por Orlando Gomes, há tempos reconhece a possibilidade da existência de um patrimônio especial afetado a uma finalidade específica, sobre o qual se estabelecerão relações jurídicas. A ideia de afetação leva à possibilidade da existência de patrimônios especiais e consiste numa restrição pela qual determinados bens se dispõem a servir a um fim desejado, limitando-se, desse modo, a ação de credores [2].
No caso específico das entidades gestoras de planos de benefícios de previdência complementar fechada, o titular final do direito de propriedade desses bens que integram o patrimônio de afetação é a pessoa física (participante, beneficiário ou assistido) e não o plano de benefícios, universalidade de direito criada para reunir os interesses dos indivíduos que se encontram ligados a uma relação jurídica comum, disciplinada por seu regulamento.
Alegam as apelantes que a sucessão na gestão dos planos de benefício, com aprovação do órgão regulador, enseja mera alteração formal na situação descrita na matrícula, na medida em que a entidade que ali figura como proprietária deixou de ostentar tal posição, de natureza cogente e aparente, sendo substituída por outra. Entendem, pois, desnecessária a averbação anterior com a finalidade de distinguir o patrimônio de afetação, assim como a apresentação do instrumento de transmissão de domínio legalmente formalizado, como exigido pelo Oficial registrador.
Ora, em que pese tratar o título prenotado da transferência de gestão de planos de benefícios previdenciários, não se sustenta a tese das apelantes no sentido de que a modificação da entidade gestora do plano de benefícios deve resultar automaticamente na prática do ato registral reclamado, para adequado espelhamento da nova realidade dos imóveis junto ao fólio real no tocante à titularidade formal da situação de proprietária.
Isso porque, nas matrículas nos 41.812, 41.813 e 41.814 do 13º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital consta como titular de domínio dos imóveis a pessoa jurídica SANPREV – SANTANDER ASSOCIAÇÃO DE PREVIDÊNCIA, sem inscrição do vínculo a que se refere o art. 28, § 1º, da Lei Complementar 109/01.
E se assim é, a despeito do entendimento defendido pelas apelantes no sentido de que os imóveis pertencem, em última análise, aos próprios participantes do plano de benefícios, cabendo à entidade fechada, que figura na tábua registral como proprietária aparente, tão somente a administração e execução desse plano, o fato é que, em respeito aos princípios registrais, faz-se mesmo necessária a prévia averbação exigida pelo Oficial para que os bens em questão se vinculem ao propósito específico a que se destinam.
Ausente a averbação do vínculo, a sucessão na gestão dos planos de benefício, com aprovação do órgão regulador, não implica a alteração formal na situação descrita na matrícula, ainda que a entidade que ali figura como proprietária tenha deixado de ostentar tal posição, de natureza cogente e aparente, sendo substituída por outra.
Ademais, no Termo de Rescisão de Convênio de Adesão e Transferência de Gerenciamento do Plano de Benefícios II constou que a SANPREV tem obrigação de transferir à BANESPREV, como parte do ativo do Plano II, os bens imóveis que estão em seu nome (cláusula 13, fls. 126). Ocorre que, além da não averbação do vínculo dos imóveis matriculados sob nos 41.812, 41.813 e 41.814 ao ativo garantidor do plano de previdência complementar gerido pelas apelantes, os imóveis a serem transferidos à titularidade, ainda que formal, da nova gestora também não se encontram individualizados no instrumento subscrito pelas entidades interessadas.
Nesse contexto, para cumprimento da obrigação assumida no caso concreto, a SANPREV deverá mesmo se valer da lavratura de escritura pública, cumprindo ressaltar que a mera alteração da indicação da gestora do plano de benefícios não serve à modificação da titularidade dominial dos imóveis, ainda que se trate de propriedade aparente.
Como se vê, assiste razão ao Oficial registrador quanto aos óbices levantados.
Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] TÔRRES, Maurício Corrêa Sete e FILHO, Ivan Jorge Bechara Filho. Independência Patrimonial dos Planos de Previdência Complementar. In Revista de Previdência nº 5. Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Faculdade de Direito. Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito (CEPED). Rio de Janeiro. Gramma. 2006. pp. 03/30. MESSINA, Independência Patrimonial dos planos de benefícios das entidades fechadas de previdência complementar: uma realidade! Fundos de Pensão – aspectos jurídicos fundamentais (Organizador: Adacir Reis). São Paulo. ABRAPP/ICSS/SINDAPP. 2009. pp. 137/159.
[2] GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 11ª edição. Rio de Janeiro. Forense. 1995. p. 203. (DJe de 13.11.2018 – SP)
Fonte: INR Publicações