Segundo STJ, incide ITR em imóvel rural mesmo quando localizado em área urbana
A incidência ocorre somente quando o terreno é utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou recentemente o Recurso Especial nº 1.112.646 – SP (REsp), que versou acerca da incidência de Imposto Territorial Rural (ITR) em imóvel localizado em área urbana, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial. A Turma, que teve como relator o Ministro Herman Benjamim, decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso.
No caso apresentado, o cerne da questão está em se determinar se o imposto incidente sobre o imóvel é o Territorial Urbano (IPTU) ou o ITR. O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar o caso, decidiu que o tributo incidente era o IPTU. Inconformado, o recorrente apresentou o REsp sob análise, alegando que ocorreu ofensa ao art. 15, do Decreto-Lei nº 57/66, que submete o imóvel “que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial” ao pagamento do ITR.
Em seu voto, o Ministro-Relator entendeu que o caso é de conflito de competência, devendo ser dirimido pela legislação complementar, nos termos do art. 146, I, da Constituição Federal. Sendo assim, não basta apenas considerar o disposto no art. 32, §1º, do Código Tributário Nacional, que adota o critério da localização do imóvel e considera área urbana àquela definida em legislação municipal, pois a questão também deve ser analisada sob a ótica do art. 15, do Decreto-Lei nº 57/66, que acrescentou o critério da destinação dada ao imóvel. Portanto, dada a destinação do imóvel em questão, entendeu o relator que o imposto incidente é o ITR.
Importante destacarmos trecho do acórdão:
Assim, não incide IPTU, mas sim o ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial.
Confira a íntegra da decisão:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL Nº 1.112.646 – SP (2009/0051088-6)
RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE: MÁRIO YOKOYA
ADVOGADO: FERNANDO DIAS JÚNIOR E OUTRO(S)
RECORRIDO: MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
PROCURADOR: ANDREA ALIONIS BANZATTO E OUTRO(S)
EMENTA
TRIBUTÁRIO. IMÓVEL NA ÁREA URBANA. DESTINAÇÃO RURAL. IPTU. NÃO-INCIDÊNCIA. ART. 15 DO DL 57/1966. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC.
1. Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966).
2. Recurso Especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça: “A Seção, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.” Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Luiz Fux, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Denise Arruda.
Brasília, 26 de agosto de 2009 (data do julgamento).
MINISTRO HERMAN BENJAMIN, Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, “a”, da Constituição da República, contra acórdão assim ementado (fl. 170):
APELAÇÃO – Mandado de Segurança – IPTU X ITR – Imóvel situado em zona urbana — Alegação de produção agrícola – Cobrança de IPTU devida – Competência do ente Municipal para fixar as diretrizes visando o desenvolvimento das funções sociais da cidade – Somente o Município pode definir critérios de cobrança do imposto sobre a propriedade existente na zona urbana – Recurso provido.
Os Embargos de Declaração foram rejeitados (fl. 193).
O recorrente aponta ofensa ao art. 15 do Decreto 57/1966, pois submete-se ao ITR o imóvel “que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuário ou agro-industrial” (fl. 219).
O Recurso foi admitido na origem (fl. 271).
Reconheci o Recurso como representativo de controvérsia, nos termos do art. 543-C do CPC, e determinei as providências cabíveis, além de intimação da Fazenda Nacional (fl. 278), que deixou de se manifestar (fl. 283).
O MPF opinou pelo não conhecimento do Recurso (fl. 284).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):Discute-se a aplicação do art. 15 do DL 57/1966 como critério para afastamento da incidência do IPTU.
Inicialmente, analiso a questão levantada pelo MPF em seu parecer, ao opinar pelo não conhecimento do Recurso, pois “o recorrente não fez demonstração cabal de que sua propriedade destina-se a atividades rurais”, o que atrairia o disposto na Súmula 7/STJ (fl. 284).
Ocorre que a destinação do imóvel para atividades agrícolas é incontroversa. Transcrevo trecho da sentença (fl. 126):
Observa-se, a despeito dessa situação, não poder ser descartado o critério de utilização e destinação do imóvel, que no caso dos autos resta devidamente comprova no sentido de utilização para o cultivo de hortaliças e eucalipto, portanto de natureza rural, a despeito de inserido em zona qualificada como urbana pelo Município.
Essa realidade não foi impugnada na Apelação do Município (fls. 129-139), razão pela qual não foi reexaminada pelo Tribunal de Justiça.
A análise do Recurso Especial, portanto, parte de premissa fática incontroversa (destinação rural do imóvel), o que afasta o disposto na Súmula 7/STJ.
No mérito, a discussão a respeito da incidência do IPTU ou do ITR é caso clássico de conflito de competência a ser dirimido pela legislação complementar, nos termos do art. 146, I, da CF.
O art. 32, § 1º, do CTN adota o critério da localização do imóvel e considera urbana a área definida na lei municipal, desde que observadas pelo menos duas das melhorias listadas em seus incisos. Ademais, considera-se também nessa situação o imóvel localizado em área de expansão urbana, constante de loteamento aprovado, nos termos do § 2º, do mesmo dispositivo.
Ocorre que o critério espacial do art. 32 do CTN não é o único a ser considerado. O DL 57/1966, recepcionado pela atual Constituição como lei complementar (assim como o próprio CTN), acrescentou o critério da destinação do imóvel, para delimitação das competências municipal (IPTU) e federal (ITR):
Art. 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.
Destaco que o STF reconhece a vigência do dispositivo legal no sistema tributário contemporâneo:
EMENTA: – DIREITO CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO (I.P.T.U.). IMPOSTO TERRITORIAL RURAL (I.T.R.). TAXA DE CONSERVAÇÃO DE VIAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
(…)
2. R.E. conhecido, pela letra “b”, mas improvido, mantida a declaração de inconstitucionalidade do art. 12 da Lei federal n 5.868, de 12.12.1972, no ponto em que revogou o art. 15 do Decreto-lei n 57, de 18.11.1966.
3. Plenário. Votação unânime.
(RE 140773/SP, Relator: Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 08/10/1998, DJ 04-06-1999 PP-00017 EMENT VOL-01953-01 PP-00127)
Nesse sentido, a jurisprudência do STJ é pacífica ao reconhecer a aplicabilidade do art. 15 do DL 57/1966 como critério delimitador da incidência tributária sobre imóveis:
TRIBUTÁRIO. IPTU. ITR. IMÓVEL. EXPLORAÇÃO EXTRATIVA VEGETAL. ART. 32 DO CTN, 15 DO DECRETO-LEI Nº 57/66.
1. O artigo 15 do Decreto-Lei nº 57/66 exclui da incidência do IPTU os imóveis cuja destinação seja, comprovadamente a de exploração agrícola, pecuária ou industrial, sobre os quais incide o Imposto Territorial Rural-ITR, de competência da União.
2. Tratando-se de imóvel cuja finalidade é a exploração extrativa vegetal, ilegítima é a cobrança, pelo Município, do IPTU, cujo fato gerador se dá em razão da localização do imóvel e não da destinação econômica. Precedente.
3. Recurso especial improvido.
(REsp 738.628/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/05/2005, DJ 20/06/2005 p. 259)
TRIBUTÁRIO. IPTU. ITR. FATO GERADOR. IMÓVEL SITUADO NA ZONA URBANA. LOCALIZAÇÃO. DESTINAÇÃO. CTN, ART. 32. DECRETO-LEI N. 57/66. VIGÊNCIA.
1. Ao ser promulgado, o Código Tributário Nacional valeu-se do critério topográfico para delimitar o fato gerador do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR): se o imóvel estivesse situado na zona urbana, incidiria o IPTU; se na zona rural, incidiria o ITR.
2. Antes mesmo da entrada em vigor do CTN, o Decreto-Lei nº 57/66 alterou esse critério, estabelecendo estarem sujeitos à incidência do ITR os imóveis situados na zona rural quando utilizados em exploração vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial.
3. A jurisprudência reconheceu validade ao DL 57/66, o qual, assim como o CTN, passou a ter o status de lei complementar em face da superveniente Constituição de 1967. Assim, o critério topográfico previsto no art. 32 do CTN deve ser analisado em face do comando do art. 15 do DL 57/66, de modo que não incide o IPTU quando o imóvel situado na zona urbana receber quaisquer das destinações previstas nesse diploma legal.
4. Recurso especial provido.
(REsp 492.869/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/02/2005, DJ 07/03/2005 p. 141)
Assim, não incide IPTU, mas sim o ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial.
Ao lado do critério espacial previsto no art. 32 do CTN, deve ser aferida a destinação do imóvel, nos termos do art. 15 do DL 57/1966.
Por fim, por se tratar de recurso submetido ao regime do art. 543-C do CPC, determino a adoção das providências relativas à Resolução 8/2008 do STJ.
Diante do exposto, dou provimento ao Recurso Especial.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA SEÇÃO
Número Registro: 2009/0051088-6 / REsp 1112646/SP
Números Origem: 16752004 4391495 4391495601
PAUTA: 26/08/2009 – JULGADO: 26/08/2009
Relator: Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI
Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. FLAVIO GIRON
Secretária: Bela. Carolina Véras
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: MÁRIO YOKOYA
ADVOGADO: FERNANDO DIAS JÚNIOR E OUTRO(S)
RECORRIDO: MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
PROCURADOR: ANDREA ALIONIS BANZATTO E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO TRIBUTÁRIO – Impostos – ITR/ Imposto Territorial Rural
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Seção, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Luiz Fux, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Denise Arruda.
Brasília, 26 de agosto de 2009
Carolina Véras, Secretária
(D.J. de 28.08.2009)
Fonte: InfoIRIB - Jurisprudência Selecionada. Com informações do STJ
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