Solução de conflitos em terras indígenas terá maior presença do governo, garante Ministro da Justiça
União poderá destinar recursos aos estados para indenizar os produtores rurais que precisarem ser deslocados de suas propriedades
Para tentar resolver os conflitos entre índios e produtores rurais envolvendo a demarcação de terras indígenas, o governo federal está disposto a direcionar recursos especificamente para este fim por meio de um fundo, além de aumentar a transparência nos processos e a capacidade de intermediação do Ministério da Justiça nas disputas.
Foi o que afirmou o ministro José Eduardo Cardozo, em audiência publica da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, nesta quinta-feira (21).
- Há uma decisão política de se fazer isso. Estamos em conjunto com o Planejamento, a Secretaria Geral da Presidência e AGU [Advocacia-Geral da União] discutindo a melhor maneira de fazer – disse.
Por meio de um novo fundo, a ser criado e ainda sem dotação de verba prevista, a União poderá destinar recursos aos estados para indenizar os produtores rurais que precisarem ser deslocados de suas propriedades – pela terra e pelas benfeitorias – ou para a aquisição de territórios estaduais a ser transformados em reservas indígenas, detalhou o ministro durante a reunião.
Isso se aplica à Fazenda Buritis, em Sidrolândia (MS), cuja solução é considerada prioridade pelo governo. O processo, neste caso, está sendo mais demorado que o previsto – o prazo pedido pelo Executivo desde o último conflito está próximo do fim – porque alguns proprietários da fazenda não permitiram nem mesmo a avaliação da terra.
- Agora temos que caminhar na linha de fazer um acordo parcial e deixar o resto em litígio – revelou o ministro.
Portaria suspensa
O anúncio da suspensão da entrada em vigor da Portaria 303 da AGU gerou um dos momentos de tensão da audiência. A decisão causou indignação na senadora Katia Abreu (PMDB-TO. Para ela, houve” um recuo do ministro da AGU, por pressão de outros integrantes do governo”.
- Vocês estão agindo com irresponsabilidade, vocês vão assumir a responsabilidade com as mortes no campo, principalmente o senhor, Eduardo Cardozo omisso – bradou.
Kátia Abreu disse que apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido que as normas de criação da Reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, não valem automaticamente para a demarcação de outras terras indígenas, a portaria utilizou critérios do julgamento da demarcação de Raposa-Serra do Sol (RR), em 2009, como referência para orientar a ação de advogados públicos em questões de demarcação. Essa postura foi avaliada como correta pela parlamentar.
O advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, que também participou da audiência, declarou que o texto está suspenso até a análise aprofundada das consequências da aprovação dos embargos, pelo STF, da votação de Raposa-Serra do Sol, e que essa postura busca obter segurança jurídica para as decisões.
Decreto de demarcação
José Eduardo Cardozo informou que na próxima semana encaminhará aos líderes indígenas, aos líderes dos produtores rurais e aos parlamentares a minuta da portaria que regulamenta o Decreto de Demarcação de Terras, para poderem opinar e sugerir mudanças e aperfeiçoamentos. Por meio dela, o ministério poderá atuar como mediador e julgador do processo de demarcação, pois hoje não tem condições de se aprofundar na mediação do conflito. Isso permitirá um reexame técnico das impugnações e questionamentos, frisou.
- A portaria dá nova especificação, garantindo mais transparência, mais instrução processual na demarcação de terras indígenas, garantindo que o direito de defesa possa ser feito de maneira a não permitir futuramente discussões judiciais que fazem arrastar as demarcações – disse.
A ideia é dar uma nova situação procedimental para as demarcações de reservas indígenas que respeite o protagonismo da Fundação Nacional do Índio (Funai), que legalmente tem a missão de conduzir o processo de demarcação, mas que garanta o direito dos que estão querendo impugnar a demarcação, para que possam ter mais informações e apresentar sua defesa, explicou o ministro. Serão criadas instâncias de conciliação e de revisão, sempre com o intuito de evitar a litigiosidade hoje existente em larga escala no processo de demarcação.
Lacuna
O advogado-geral da União, Luis Inácio Adams apontou uma “ausência normativa” no que diz respeito à regulamentação das reservas indígenas. Ele cobrou do Legislativo a aprovação de lei complementar para normatizar o parágrafo 6º do artigo 231 da Constituição e assim determinar o que pode ser considerado “relevante interesse público da União”. Isso daria poder à União para atuar de forma diferente com Buritis, por exemplo, podendo reconhecer a validade dos títulos emitidos pelo ainda estado do Mato Grosso, o que facilitaria uma possível indenização.
- A partir da lei, teremos um marco normativo que dê ao Estado o poder de exercer a discricionariedade vinculada, ou preservar o título ou indenizar o título gerando a oportunidade de compensação adequada ao proprietário da área – afirmou.
Adams também disse não ver sentido na aprovação de propostas que transferem da União para o Congresso (PEC 215/2000, na Câmara) ou para o Senado (PEC 38/99) a competência para definir as reservas indígenas, pois o processo continuaria vinculado, dependendo de estudos antropológicos, sem mudar a realidade do modelo de demarcação atual.
Buritis
O conflito envolvendo a demarcação de território indígena na Fazenda Buritis tomou grande parte dos debates, inclusive com a presença do governador do estado, André Pucinelli. Os senadores Waldemir Moka (PMDB-MS), Delcidio Amaral (PT-MS) e Rubem Figueiró (PSDB-MS) salientaram a perspectiva iminente de um verdadeiro massacre ocorrer na região se não houver uma solução adequada e urgente.
Moka defendeu a indenização aos proprietários, pois as injustiças com as populações indígenas são de toda a sociedade brasileira e, para ele, não cabe aos produtores rurais, detentores de títulos legais emitidos pelo estado, arcarem sozinhos com a conta da reparação, perdendo o seu meio de sobrevivência.
- Há uma decisão política. O governo está disposto a passar recursos para Mato Grosso do Sul para viabilizar a solução das terras de Buritis, e também em outras terras, seja indenizando proprietários ou adquirindo terras para áreas indígenas – garantiu Cardozo mais uma vez.
Segundo o ministro, há uma mesa de diálogo instalada – para debater Buritis e outros territórios em disputa pelo Brasil – e a intenção é de, nos próximos dias, encontrar alternativa que permita a negociação para a aquisição e assim resolver a questão de Buritis. O governador Pucinelli, inclusive, foi chamado pelo ministro à Brasília para discutir o assunto, por isso estava presente à reunião. Para Cardozo, é preciso que a negociação sobre a fazenda dê certo, pois será uma vitrine da proposta de diálogo encampada pelo governo. Outras áreas de conflito existem no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Bahia, por exemplo.
Durante a reunião, Pucinelli chegou a apresentar um vídeo em que um policial de Mato Grosso do Sul foi morto por indígenas com golpes de facão e pancadas. O vídeo, segundo disse, teria sido feito pelos próprios índios, que tentaram negocia-lo posteriormente. Outros dois policiais morreram da mesma forma, revelou. Um indígena também chegou a ser morto durante ação de reintegração de posse na fazenda ocorrida há alguns meses.
Fonte: Senado
Em 21.11.2013
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