Em 19/12/2018

Artigo - Nova lei sobre imóveis na planta: soluções ou problemas?


A nova lei sobre a desistência da compra de imóveis e no atraso na entrega altera as relações entre compradores e construtoras, mas nem tudo ainda está bem definido


A desistência na compra de imóveis constitui uma situação recorrente, o que contrasta com a grande incerteza de seus desdobramentos jurídicos. As dúvidas são múltiplas, qual valor pode ser retido pela construtora? Qual o prazo para restituir ao comprador? Como compensar o período de uso do imóvel?
 
Aguardando apenas a sanção presidencial, foi aprovado pelo Congresso Nacional projeto de lei que procura disciplinar estas matérias. A intenção foi tentar reduzir a insegurança jurídica, todavia, esta finalidade está longe de ser alcançada.
 
Entre as mudanças que mais chamam a atenção, passa a ser permitido reter até metade do valor já pago em caso de desistência da compra, desde que o imóvel seja construído no regime do patrimônio de afetação (no qual o imóvel e recursos para a construção ficam separados do patrimônio do construtor). O prazo de pagamento é de 30 (trinta) dias após o habite-se (Certificado de Vistoria de Conclusão de Obras, como se designa em algumas cidades). Portanto, o comprador receberá somente com a finalização da construção. Para construções fora do regime do patrimônio de afetação, o prazo de devolução é de 180 dias do desfazimento, e a retenção pela construtora é limitada a um quarto do valor pago.
 
Os elevados percentuais de retenção definidos pela nova legislação para as situações de desistência destoam muito da jurisprudência atual, que adotava uma margem de 10% a 25%. Dessa maneira, corre-se o risco de que os tribunais considerem exageradas as penalidades definidas no projeto de lei e se distanciem destes percentuais. A diferença entre as penalidades por descumprimento pela construtora e pelo comprador também constitui matéria de profunda controvérsia. A previsibilidade buscada pela nova lei, fácil constatar, está bastante comprometida.
 
As novas regras consagram também a validade da usual cláusula de tolerância de 180 dias para atraso na entrega das obras, em harmonia com a compreensão da jurisprudência. Para atraso superior, a penalidade a ser paga para o comprador será de 1% do valor já adimplido. Como a “base de cálculo” recai sobre o valor das prestações pagas à construtora, na prática, duas pessoas que tiverem comprado uma unidade no mesmo prédio, poderão receber valores diferentes, afinal, tudo dependerá de como combinaram o cronograma de pagamento.
 
Vale destacar a falta de solução satisfatória para a situação em que haja desistência da compra, já decorrido considerável atraso, contudo, ainda dentro dos primeiros 180 dias. Como proceder se, após tal desistência, o atraso de fato ultrapassar o período de 180 dias tolerado pela lei? Cabe perguntar, quem desistiu após 5 meses de atraso paga penalidade e quem desistiu após 6 meses receberá da construtora?
Outro ponto importante é que a lei adota a expressão “atraso”, porém, tecnicamente o descumprimento do contrato pela construtora pode igualmente ocorrer por má-execução e mesmo violação aos deveres de informação, aspectos que não estão claros. Também nada se falou sobre alguma forma de descumprimento recíproco, com atraso de ambas as partes.
 
Finalmente, como no direito se diferencia penalidade de reparação de danos, é fundamental sublinhar que os limites impostos pela lei não afastam a discussão da reparação de danos e sua mensuração. Dessa forma, em caso de descumprimento pela construtora, permanece a possibilidade de fixação de condenações variáveis e cujo valor não é predeterminado.
 
Resumidamente, por parte dos compradores, as mudanças exigem atenção redobrada porque desistir da compra tornou-se muito mais caro, além de ter sido ampliado o prazo para devolução do valor. Para construtores, tornou-se ainda mais importante o regime de patrimônio de afetação, porque além da tributação especial, adiciona-se uma vantagem substancial no que tange a situação de desistência, um pesadelo no setor. Com importância fundamental, os instrumentos contratuais precisam ser revistos porque a legislação não estabelece propriamente valores, mas limites às cláusulas que podem ser contratadas, portanto, a depender da adequada e clara redação dos instrumentos contratuais.
 
Em uma avaliação geral, as novas regras foram definidas algumas soluções, todavia, várias questões permanecem em aberto e demandam análise técnica e avaliação estratégica, inclusive mediante o estudo criterioso dos contratos já firmados e ações em curso.
 
Gabriel Schulman é coordenador da pós-graduação de direito imobiliário da Universidade Positivo, mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Direito da Medicina pela Universidade de Coimbra e doutor em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
 
Fonte: Gazeta do Povo
 


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