Em 04/12/2018
Artigo - O "Escrow" nos negócios imobiliários complexos - Por João Pedro Lamana Paiva
É comum, hoje, a formalização de negócios imobiliários complexos
Entre os meandros de uma contratação imobiliária é possível que haja obstáculos que interfiram na segurança do negócio. Por exemplo, um processo judicial movido contra o vendedor.
Sabemos, hoje, em face do Princípio da Concentração, que os exequentes/credores têm o dever legal de publicizar a relação processual na matrícula do imóvel se quiserem alcançar a proteção plena (art. 792, I ao IV do CPC e art. 54, II e IV da Lei nº 13.097/2015), fazendo incidir, então, o instituto da fraude à execução caso concretizada alienação que atente contra a efetividade do processo.
Com efeito, negócios imobiliários, pela sua complexidade, exigem mecanismos que outorguem segurança a todos os sujeitos que dele participam.
A existência de ação contra alguém que pretende alienar um imóvel impede toda ordem de contratação? Não tendo sido estabelecida ordem de indisponibilidade é possível contratar com a coisa. Mas, neste caso, há como ser ofertada alguma garantia para o comprador interessado no imóvel, potencialmente atingindo pelos efeitos da publicidade noticiada, por quem litigue com o vendedor? Vislumbro que sim, entre eles o Escrow.
O mecanismo do Escrow funciona como uma garantia ao adquirente através da qual ele deposita o preço do negócio junto a um terceiro, o qual se compromete a guardar o bem, no caso, a parcela ou a totalidade do preço até que se implementem determinadas condições.
No caso do exemplo inicialmente apresentado, se o vendedor está respondendo a um processo e o comprador tem o interesse na aquisição do seu imóvel, através desse instituto permite-se ao comprador, com a concordância do vendedor, depositar o preço numa conta especial em instituição financeira. Essa é a espécie de garantia conhecida por Escrow Account, depósito este que somente poderá ser sacado pelo vendedor quando extinto o processo e sem qualquer reflexo na contratação imobiliária.
Havendo reflexo, permitirá ao evicto (comprador preterido da coisa em face do interesse do exequente) alcançar a importância depositada (parcela ou totalidade do preço do negócio) diretamente para si.
A aplicação do Escrow enseja, portanto, a incidência do instituto do depósito, regulado pelos arts. 627 e seguintes do Código Civil (CC), que servirá de parâmetro para regular as responsabilidades pelo bem depositado.
Se se tratar de depósito em dinheiro, porque requisito de outro negócio jurídico, como a compra e venda (art. 481 do CC), a qual exige a circulação patrimonial por este modo (dinheiro), o Escrow Account dar-se-á através da abertura de uma conta corrente numa instituição financeira, a qual somente poderá ser movimentada conforme estabelecido na contratação, de regra pelo agente, ou depositário, podendo ser a própria instituição financeira. Similar aos depósitos judiciais (cauções) prestados para que se garanta o juízo, alcançando alguma prestação jurisdicional pretendida. Atente-se para o fato de que a modalidade sugerida já é empregada no âmbito judicial, mas não é restrita a ele, podendo ser empregada nas contratações privadas conforme abaixo indicado.
No caso, se o contrato principal, a compra e venda, envolver imóvel, de regra exige-se a Escritura Pública (art. 108 do CC) para formalizar a contratação, oportunidade em que constará cláusula específica acerca da garantia envolvendo o pagamento da totalidade ou de parcela do preço. A cláusula relativa ao pagamento do preço não se confunde com a pactuação específica do depósito, que pode integrar igualmente o ato notarial ou ser pactuado em separado. A formalização da compra e venda é um ato; o depósito, outro. Este pode, até mesmo, ser feito por modelo padrão utilizado pela própria instituição financeira.
Com tal mecanismo não será criado óbice à circulação de riquezas, permitindo que uma contratação imobiliária complexa tenha curso, mas resguardando o comprador de possível revés se preterido frente ao direito de exequente/credor do vendedor.
É de se admitir que o depósito envolva, entretanto, bens de outras naturezas. Envolvendo imóveis, deverá ser formalizado o instrumento cabível, observando, de regra, o art. 108 do Código Civil e ensejando, possivelmente, a necessidade da realização de alguma modalidade de registro no Ofício Predial (art. 1.227 do CC e art. 169 da Lei nº 6.015/1973). Envolvendo bem móvel, observar a necessidade de registro no Registro de Títulos e Documentos (art. 129, 2º da Lei nº 6.015/1973).
Certamente o custo da constituição dessa garantia deve ser sopesado quando da opção pela sua utilização. O comum é que o Escrow seja utilizado através da modalidade Escrow Account como acima apresentado.
No caso em exame, pactuada a garantia aqui prevista, o comprador poderá ficar tranquilo quanto ao risco do negócio, pois, uma vez afetada a negociação por problema antecedente, via de regra, não ficará com o prejuízo porque poderá reaver o valor depositado. E, assim, o acordo de vontades (contrato) poderá desde já ser materializado, gerando efeitos como se pactuada uma cláusula resolutiva, através da qual o negócio mantem-se hígido até que evento futuro ocorra, tanto para confirmá-lo como para desfazê-lo.
João Pedro Lamana Paiva é Registrador de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre e presidente do Colégio Registral do Rio Grande do Sul. Contato pelo e-mail cartó[email protected]. Artigo finalizado em 29.11.2018.
Notícia Anterior
Câmara dos Deputados: seminário discute legislação ambiental e desenvolvimento urbano
Próxima Notícia
Clipping – Migalhas - TJ/SP: É devida cobrança de cotas condominiais por associação residencial
Notícias por categorias
- Georreferenciamento
- Regularização fundiária
- Registro eletrônico
- Alienação fiduciária
- Legislação e Provimento
- Artigos
- Imóveis rurais e urbanos
- Imóveis públicos
- Geral
- Eventos
- Concursos
- Condomínio e Loteamento
- Jurisprudência
- INCRA
- Usucapião Extrajudicial
- SIGEF
- Institucional
- IRIB Responde
- Biblioteca
- Cursos
- IRIB Memória
- Jurisprudência Comentada
- Jurisprudência Selecionada
- IRIB em Vídeo
- Teses e Dissertações
- Opinião
- FAQ - Tecnologia e Registro
Últimas Notícias
- Penhora. Executado – cônjuge. Regime de bens – comunhão parcial. Meação – reserva.
- ONR investirá R$ 20 milhões para digitalizar acervo de Cartórios de cidades pequenas
- Resolução CNJ n. 609 de 19 de dezembro de 2024