Artigo - Prazo para sentença e liberação de bens em ações de improbidade - Por Felipe Klein Gussoli
Só em 2017 foram ajuizadas no Brasil mais de 41 mil ações de improbidade administrativa. O número impressiona, e chama atenção para um aspecto essencial da fase inicial daquelas ações.
Conforme já noticiado nesta ConJur, só em 2017 foram ajuizadas no Brasil mais de 41 mil ações de improbidade administrativa.[1] O número impressiona, e chama atenção para um aspecto essencial da fase inicial daquelas ações. Senão em todas as ações de improbidade, ao menos na maioria delas o autor da ação requer em caráter cautelar a indisponibilização de bens dos requeridos. O tema merece aprofundamento, especialmente em função das injustiças cometidas contra sujeitos que passam anos com seu patrimônio indisponibilizado, especialmente aqueles que são ao final absolvidos.
O art. 7º da Lei de Improbidade prevê a possibilidade de decretação da indisponibilidade patrimonial dos sujeitos processados, com o bloqueio da generalidade de bens e valores do acusado a fim de garantir futuro ressarcimento ao erário.[2] É medida cautelar em ação de improbidade[3], compreendida do ponto de vista processual como uma garantia de tutela do direito material em função do tempo. A tutela cautelar, ao invés de simplesmente assegurar o processo[4], assegura os direitos e o próprio direito à tutela do direito material.[5]
Tem natureza conservativa, na medida em que uma vez deferida impossibilita que o sujeito processado por improbidade administrativa disponha de seus bens móveis ou imóveis. Em alguns casos, como por exemplo em situações de bloqueio de ativos financeiros em conta bancária, impede até mesmo a mera utilização gestão dos recursos. A medida é evidentemente gravosa. Em nome da preservação da persecução processual e do interesse público termina por limitar o patrimônio de quem é acusado de improbidade. Isso acontece mesmo na fase preliminar do processo e antes do recebimento da ação.[6]
Até 2014 prevalecia no Superior Tribunal de Justiça (STJ) jurisprudência exigente de duplo requisito para concessão da medida cautelar de indisponibilização de bens em ações de improbidade administrativa. Basta mencionar, por exemplo, decisões da Primeira e Segunda Turmas, que exigiam cumulativamente dois requisitos para o decreto de indisponibilidade: (i) fumus boni iuris, correspondente à verossimilhança ou probabilidade da ocorrência do ato de improbidade invocado pelo autor e (ii) periculum in mora, correspondente à prova de desfazimento do patrimônio pelo acusado ou da prática de condutas próprias de quem busca evitar a execução patrimonial futura (má-fé).[7]
Mas a partir de 2014 o STJ contribuiu para o fomento de medidas cautelares indiscriminadas em ações de improbidade. Naquele ano, a Primeira Seção da Corte decidiu no Recurso Especial nº 1.366.721–BA, por maioria, pela presunção do requisito do periculum in mora.[8] Desde então, basta o ajuizamento de ação de improbidade e verificação da probabilidade do direito para que esteja configurada a presunção de má-fé do acusado. O fundamento para tal presunção é de que a demora seria um risco em si para a utilidade do processo de improbidade. Para os defensores daquela presunção, ao silenciar o art. 7º da Lei de Improbidade teria dispensado o segundo requisito das cautelares.[9]
Uma leitura atenta evidencia a inconvencionalidade e inconstitucionalidade da interpretação do STJ, por subversão da presunção de inocência (art. 8.2 do Pacto de São José da Costa Rica e art. 5º, LVII da Constituição) e violação da cláusula do devido processo (art. 8 e 25 do Pacto de São José da Costa Rica e art. 5º, LIV da Constituição).[10] Apesar disso, aquele é o entendimento que prevalece desde então e que é aplicado pelos Tribunais em 1ª e 2ª instância.
A questão central é que esse posicionamento aplicável nas milhares de ações de improbidade Brasil afora acaba por provocar sérios danos aos réus. A demora natural no processamento daquelas ações em que há bens indisponibilizados está sempre acompanhada do travamento da circulação patrimonial dos acusados. Quando pessoas jurídicas, enfrentam não raro por anos entraves nos seus negócios, com dificuldades de obtenção de crédito, pagamento de folha salarial e dívidas. Quando pessoas físicas, no mínimo têm a vida financeira parada, saldo bancário esvaziado, dependência de familiares e amigos para pagar contas simples. Num caso e no outro, a ansiedade acompanha os réus dependentes de uma Justiça lenta.
Não se pode negar que certa demora é ínsita a qualquer processo, mas apesar disso “não parece em consonância com os princípios constitucionais do processo imputar os ônus da demora do trâmite processual, geralmente responsabilidade exclusiva do Estado, ao demandado.”[11] Mesmo em ações de improbidade administrativa, a demora processual excessiva não pode ser colocada exclusivamente sobre os ombros do réu. Não só porque aquele ao final eventualmente inocentado terá experimentado sérios danos, mas também porque mesmo o réu condenado não poderia ter sua presunção de inocência desqualificada de forma injustificada e desproporcional.
Assim, é preciso compatibilizar o entendimento vigente da jurisprudência e o princípio da razoável duração do processo em cautelares de indisponibilidade de bens em ação de improbidade. Para tanto, é preciso destacar a norma do art. 266, III do Código de Processo Civil (CPC): “Art. 226. O juiz proferirá: III - as sentenças no prazo de 30 (trinta) dias.”
A norma citada prevê um prazo impróprio para o juiz proferir sentença, que pode ser excedido desde que justificadamente (art. 227 do CPC).[12] A verdade é que não raro haverá justificativa para extrapolar o prazo, sendo a mais comum o excesso de trabalho ou volume de processos. Quando não houver justificativa, a doutrina aponta como única consequência do descumprimento do prazo a responsabilização funcional do magistrado.[13]
No entanto, a partir de uma leitura convencional[14] e constitucional da Lei nº 8.429/92, à qual se aplica subsidiariamente o CPC[15], é possível sustentar consequência diversa. Em ações de improbidade, ultrapassado o prazo de 30 (trinta) dias para proferir sentença, com ou sem justificativa, extingue-se a presunção do periculum in mora para fins de indisponibilização cautelar de bens. Caso o magistrado deixe de proferir sentença no prazo que a lei considerou razoável para fazê-lo, esvai-se a presunção de que o réu estaria dilapidando seu patrimônio ou imbuído de má-fé.
O termo inicial do prazo de trinta dias do art. 226 do CPC é o “primeiro dia útil subsequente à conclusão dos autos para sua apreciação.”[16] A partir do trigésimo primeiro dia contado a partir da conclusão, cabe à parte interessada na manutenção da medida cautelar provar não só a probabilidade do direito invocado, mas também o perigo da demora, sob pena de revogação da medida cautelar em benefício do réu. O mesmo vale para ações pendentes de julgamento em segundo grau de jurisdição.
Sem prejuízo de provocação pelo interessado, caberá ao magistrado de ofício intimar as partes para se manifestar sobre a existência de periculum in mora, após o que decidirá sobre a pertinência ou não da manutenção da indisponibilização de bens do réu.
A solução apresentada advém de interpretação compatível com os ditames convencionais e constitucionais da razoável duração do processo, dirigidos de modo primordial ao Estado-Juiz e independentemente de justificativas acerca do excesso de prazo para sentença. Afinal, o ônus da demora da ação de improbidade não pode recair desproporcionalmente sobre o réu (que será declarado ou não ímprobo). Não ao menos quando a própria legislação já definiu qual é o prazo razoável para uma decisão de cognição exauriente. Não fosse assim, de reduzida utilidade e eficácia seria a norma do art. 226 do CPC.
Por fim, é importante destacar que a revogação da medida de indisponibilidade naquelas condições não prejudica o pedido de indenização da parte de quem sofreu danos advindos de cautelares abusivas no seu conteúdo ou no tempo, nos termos do art. 302 do CPC[17] e art. 27 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.[18]
Fonte: Conjur
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