Artigo – Conjur - O coronavírus e o "quase" dever de renegociar" – Por Columbano Feijó
São difíceis os tempos atuais que experimentamos por conta desse novo vírus.
São difíceis os tempos atuais que experimentamos por conta desse novo vírus. Para o brasileiro comum, como eu e provavelmente você, há poucos meses, pensar em viver uma pandemia mundial que colocaria milhões de pessoas dentro de suas casas em estado de quarentena, saindo apenas em casos estritamente necessários, parecia algo muito distante da realidade.
No entanto, essa é a realidade que se impôs e, com ela, vieram outras tantas implicações que afetarão os negócios e, consequentemente, o mundo jurídico.
Não é necessário raciocinar muito distante para se capturar a dimensão do que pode e irá ocorrer. Basta imaginar os impactos das desmarcações de reservas para as companhias aéreas e rede hoteleira; o cancelamento de shows e eventos para o setor de entretenimento; a impossibilidade de comercialização, entrega ou fabricação de determinada mercadoria para o comércio e indústria, além das demais prestações de serviços.
Nada obstante tudo isso, a consequência de tais impactos será efetivamente sentida por todos após a pandemia. Será o momento das atividades voltarem ao normal, e, consequentemente, o momento em que serão contabilizados os prejuízos efetivos.
É a hora em que a renegociação de tempo, produção, entrega, termo, pagamento, multa e juros deverá ocorrer, e com ela também deverá ocorrer o compartilhamento de prejuízos entre todas as partes.
Essa flexibilidade é, ao menos, o que se espera de todas as partes, desde o pequeno cobrador e pagador do aluguel até a maior instituição financeira que poderá eximir, ou não, as empresas e consumidores da aplicação de multas e juros, atribuindo possíveis carências para retomada dos pagamentos.
Do contrário, o resultado da inflexibilidade nas negociações entre as partes tem como consequência o encaminhamento da discussão para resolução pelo Poder Judiciário, que certamente acabará sofrendo um acréscimo exponencial de demandas, cujo objeto, via de regra, será o cumprimento ou descumprimento de obrigações e resolução de eventuais perdas e danos.
Nesse momento, para o Judiciário, não haverá formula genérica que se aplique, pois deverá ser estabelecido um contraponto entre a aplicação do princípio pacta sunt servanda, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes e, por conseguinte, impõe ao Estado o dever de não intervir nas relações privadas, versus o princípio da revisão dos contratos – teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva-, que permite a revisão dos contratos em geral quando as bases que envolveram a sua formação não forem as mesmas no momento da execução da obrigação contratual por fato imprevisível, de modo a prejudicar uma parte em benefício da outra, fazendo com que dessa força nasça a necessidade de revisão das obrigações contratadas.
Nesse momento não se discutirá a gravidade do “evento Covid-19” em sentido plural, mas se deverá verificar os impactos da pandemia em determinado contrato singular, aplicando-se o princípio de maior coerência à realidade das partes, além da extensão ou mitigação dos prejuízos de cada uma pelo inadimplemento, muito embora tenha que ficar consignado serem exceções os setores que se beneficiaram (em sentido financeiro) pela ocorrência da pandemia, ou que não sofreram impactos no cumprimento de suas obrigações.
Nesse sentido, é válido mencionar trecho de recente julgado oriundo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
Importante registrar que tal abusividade não há de ser declarada em todos os casos, mas apenas, quando a situação concreta evidenciar fato peculiar (...)” (7º JEC da Comarca de Porto Alegre, Processo 9002504-45.2018.8.21.2001).
Por sua vez, em se tratando de relação civil pura e simples – sem incidência do Código de Defesa do Consumidor-, o entendimento sobre a aplicação dos princípios contratuais, foi tema do informativo 0556 de 2015 do Superior Tribunal de Justiça, por meio do REsp 1.321.614, segundo o qual “a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) e de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva)”.
Em vista disso, entende-se que a renegociação ou não dos contratos em tempos de Covid-19 dependerá da demonstração inequívoca da mudança das bases que envolveram a sua formação e consequente impossibilidade de adimplemento para que se permita o reequilíbrio obrigacional, lembrando-se que o bom senso e flexibilidade nesses momentos servem de amparo para prevenir a submissão de discussões infindáveis ao Poder Judiciário.
Fonte: Consultor Jurídico
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