Em 09/05/2017

Blockchain e o Futuro do Registro de Imóveis Eletrônico – Palestra III


Evento realizado pelo IRIB e pela Academia Brasileira de Direito Registral Imobiliário (ABDRI), no dia 31 de março de 2017, com o objetivo de discutir o potencial, os desafios e as oportunidades da tecnologia de blockchain. Acompanhe a síntese das principais ideias apresentadas em cada palestra


PERSPECTIVAS PARA A ESCRITURAÇÃO DIGITAL NO REGISTRO DE IMÓVEIS

Palestra proferida por Antonio Carlos Alves Braga Júnior, juiz de Direito substituto em Segundo Grau, em atividade na Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; membro da Comissão para Assuntos de Informática do TJSP.

A virtualização das atividades é o caminho a ser seguido. É preciso, porém, que a migração dos dados respeite o perfeito encadeamento dos atos registrais. Questões essenciais ao registro devem ser respondidas: como proteger os dados pessoais no blockchain? E quanto à exclusividade de guarda do acervo na tecnologia do blockchain? Essa tecnologia pode ser útil como elemento externo ao cartório, sem necessidade de acesso ao conteúdo do registro.

O nosso objetivo é explorar o tema blockchain sob a perspectiva da escrituração eletrônica no Registro de Imóveis.

Questionaremos a virtualização dos registros, se de fato é um passo a ser dado e de que forma se dará essa digitalização; as implicações decorrentes da migração, uma vez que praticamente todas as atividades do cartório são voltadas à análise e qualificação dos títulos e não propriamente ao seu armazenamento; os desafios a serem enfrentados; e se é uma opção manter o sistema tal como é hoje, em que a tecnologia digital é utilizada essencialmente para a troca de dados, mas a ferramenta de operacionalização do cartório ainda é o papel e a autenticação manual.

Embora existam algumas iniciativas de implementação de sistemas digitais, ainda não há uma regulamentação que permita a completa escrituração eletrônica dos atos praticados pelos registros.

Se o intuito é abandonar de uma vez por todas o sistema em papel, é fundamental que haja uma regulamentação visando à padronização dos procedimentos a serem realizados sob a forma eletrônica.

Desafios da escrituração digital

Parece evidente que o caminho seja a virtualização da atividade registral. A migração para o mundo digital é uma realidade em vários setores administrativos, judiciais, e em outras tantas atividades humanas, como na medicina, que já usa prontuários médicos eletrônicos; no mapeamento de solos; no controle de trânsito.

O Poder Judiciário sempre foi o último a adotar as novidades tecnológicas ou o primeiro a não querer adotá-las, seja por questões gerenciais, orçamentárias ou mesmo por resistência. O uso de computadores pelo Judiciário aconteceu de forma lenta e gradativa. Hoje, no entanto, suas atividades são realizadas totalmente no ambiente eletrônico.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, todas as varas são digitais. O seu acervo, com vinte milhões de processos, está 40% digitalizado e em pouquíssimo tempo haverá a completa eliminação dos processos físicos.

Contudo, é preciso dizer que os processos físicos que ainda perduram no Tribunal possuem característica híbrida. Todo o conteúdo produzido pelo Judiciário, seja por magistrados ou servidores, é feito sob a forma de documento eletrônico cujo original só existe em sistema. Apenas vias impressas sem autenticação compõem os autos.

Diferentemente do Poder Judiciário, as serventias extrajudiciais sempre estiveram à frente na adoção de novas tecnologias. Desde muito, a informática é a principal ferramenta utilizada pelos registros, seja para a virtualização de matrículas, para a criação de bancos de dados etc.

O uso da tecnologia digital parece um caminho natural e inexorável. O seu uso pelos cartórios já é maciço. A própria matrícula, embora impressa e assinada manualmente, é constituída por sistemas internos que garantem a sua validade e segurança. Depois de digitalizada, a sua versão impressa é alocada em caixas de fichas para ser usada o menos possível.

Escrituração digital: validade da cadeia registral

Refletiremos sobre o tema em três etapas principais: faremos um alinhamento dos desafios; em seguida, um paralelo com a experiência judicial; por último, uma abordagem sobre o uso da tecnologia blockchain no Registro de Imóveis.

O primeiro grande desafio da migração dos sistemas é a transposição dos dados registrais para um cartório virtual, mantendo o exato encadeamento dos atos existentes em papel.

A tecnologia do papel é muito mais do que uma mera impressão e assinatura, todos os atos praticados no Registro tem que estar encadeados. Cada matrícula tem a sua sequência cronológica, sua sequência numérica e, muitas vezes, está relacionada com outras matrículas da mesma unidade.

A tecnologia do papel nos é tão familiar que não nos damos conta da quantidade de informações contidas numa ficha de matrícula que podem sugerir, inclusive, a participação de vários registradores que se sucederam na unidade.

Uma das principais características de segurança do papel é o seu registro no tempo. Geralmente, uma matrícula aberta há trinta anos é um pedaço de papel amarelado, com manchas que demonstram o passar do tempo.  Qualquer pessoa duvidaria de uma matrícula aberta há mais de trinta anos impressa em papel novo. A menos que tenha havido a restauração do documento, essa matrícula é falsa.

A sequência da escrituração não pode apresentar sinais de intercalação ou interrupção, porque isso colocaria em xeque a sua autenticidade.

No que se refere aos documentos digitais, também o seu desencadeamento poderia ser objeto de dúvida do juiz corregedor, em eventual atividade de correição no cartório. Essa suspeita poderia levar, inclusive, à anulação do ato praticado.

Manter o encadeamento de documentos eletrônicos produzidos em sequência e com espaços de tempo imprevisíveis também é um problema que precisa ser superado. Afinal, não se pode presumir o tempo que levará para ser vendido um imóvel adquirido hoje. É preciso que haja a perfeita transposição dos dados para a tecnologia digital, sob pena de quebra da validade da cadeia.

Não tenho dúvida de que há um grupo seleto de registradores de imóveis plenamente capazes e devidamente equipados para iniciar a escrituração digital com a adoção de protocolos de segurança e validade. Mas não podemos olvidar aquele grupo de registradores para o qual a mensagem não chegará completa, por mais que façamos treinamentos, apostilas, cadernos explicativos, orientação à distância ou help desk. A heterogeneidade do Registro de Imóveis no Brasil é o principal desafio a transpor.

Escrituração digital: segurança da informação

A validade é comumente confundida com a segurança da informação. A segurança da informação visa à proteção dos dados. Hoje, várias opções são encontradas para a proteção da informação: backups, espelhamentos, armazenamento em nuvem etc.

Mas qual seria o modelo mais indicado para o sucesso dessa migração? Qual modelo alcançaria aquele cartório que até realiza a escrituração eletrônica, mas não possui know how para o adequado armazenamento? Como garantir a adoção de um protocolo de segurança confiável por todos os registradores de imóveis do Brasil? Qual seria esse protocolo?

Escrituração digital: confiabilidade para uma sucessão segura

A confiabilidade da escrituração digital está diretamente ligada à sucessão segura da delegação.

Nós temos notícias de que escriturações eletrônicas vêm sendo realizadas de forma experimental por algumas serventias. Ora, que metodologia está sendo usada para manter a segurança e o encadeamento dos atos? Quais soluções estão sendo empregadas que só aquele cartório, ou sua empresa de software, conhece? O que recebe o titular que toma posse da unidade? Um backup? Um banco de dados cheio de documentos eletrônicos? O registrador que assume a serventia e vai emitir uma certidão pode confiar naquilo como um acervo registral imobiliário?

Quando visitamos um cartório, temos a chance de observar a organização da serventia e a maneira como é feita a guarda e conservação de seus indicadores. Isso nos faz concluir que o cartório é seguro. As informações obtidas por meio de um banco de dados eletrônico precisam ir além dos limites da unidade e precisam considerar o sistema registral imobiliário como um todo.

Essa regra também vale para uma atividade correcional. Faz sentido que cada cartório adote uma sistemática diferente de encadeamento dos atos registrais, ou de documentação eletrônica, e o juiz corregedor tenha que descobrir caso a caso o funcionamento de cada unidade? E se a pessoa que conhece a tecnologia falecer, quem, além dele, conhece a organização interna do cartório? A organização do acervo é muito mais do que uma coleção de documentos.

Escrituração digital: como proteger os dados pessoais em grandes bases de dados?

Os dados pessoais que compõem as matrículas são inúmeros: nome, endereço, estado civil, profissão, RG, CPF etc. Os dados de identificação de adquirentes de imóveis não estão sujeitos a bisbilhotagens. Embora o registro seja público, são informações que não estão, em sua totalidade, disponíveis para consulta. Como proteger os dados pessoais em grandes bases de dados? No Judiciário, por exemplo, sempre foi possível consultar processos que trazem em seu bojo dados pessoais de interesse exclusivo das partes. Apesar disso, a consulta no balcão do cartório nunca foi um problema, porque é realizada com cautela, mediante identificação do interessado.

E no ambiente digital, como é feita essa identificação? A Lei do Processo Eletrônico estabeleceu a forma de acesso aos processos eletrônicos do Tribunal. Possibilitou acesso livre aos advogados, mas mediante a solicitação de senha às partes e interessados.

Essas mudanças não foram bem encaradas por todos, principalmente por jornalistas, que questionam a necessidade do uso de senha para consulta de processos públicos. Não se pode olvidar que, embora público, o processo contém dados pessoais que não podem ser escancarados para consulta meramente bisbilhoteira. Como essa problemática será enfrentada pelo Registro de Imóveis?

Escrituração digital: exclusividade da guarda do acervo

Esse é o ponto fulcral do Registro de Imóveis. O guardião da informação é o oficial registrador. É ele o único que pode praticar atos e manter a guarda dos documentos. Mesmo contando com diversas redes compartilhadas, centrais de serviço, bancos de imagens de matrículas, o acervo é de gerenciamento exclusivo dele.

A problemática não é tão crítica no Judiciário porque, em última análise, é o tribunal o guardião de todos os processos. Mesmo assim, somente o escrivão e o juiz têm permissão para acessar e movimentar os processos relativos à sua vara.

Como é possível preservar a exclusividade de guarda do acervo no mundo digital?

Escrituração digital: repositórios arquivísticos digitais confiáveis

Permitam-me apenas um exemplo: se um bloco de matrículas perfeitamente escrituradas – com todos os sinais de segurança, autenticações, timbres, identificação do cartório, envelhecimento do papel – fosse encontrado num lugar qualquer fora do cartório, questionaríamos: o que essas matrículas estão fazendo fora do cartório? Será que esses documentos foram subtraídos? São originais ou meras cópias? Será que integram o Livro 2 do cartório? Será que é mesmo uma matrícula?

No ambiente digital, não basta que o documento eletrônico esteja autenticado e criptografado por chave assimétrica. É preciso que esteja em local apropriado, em um ambiente que denominamos repositórios arquivísticos digitais confiáveis. Nós sequer começamos a avançar as discussões nesse terreno. É absolutamente indispensável conhecer a Resolução 43 do Conarq, se quisermos virtualizar a atividade registral imobiliária.

O Judiciário e o processo digital

O Poder Judiciário brasileiro está implantando o processo eletrônico em todos os seus tribunais. Alguns estão mais adiantados. Tribunais pequenos já estão cem por cento digitais. É o caso dos Tribunais de Mato Grosso do Sul e do Acre. Dentro de poucos anos, o Tribunal de Justiça de São Paulo estará totalmente digital.

Em São Paulo, no início de 2012, apenas 2% das varas eram digitais. Eram projetos pilotos, varas experimentais, como o Fórum Digital do Butantã, o Fórum Digital da Freguesia do Ó e o Fórum Digital de São Luís do Paraitinga, cujos processos, após a enchente, foram restaurados no formato digital. Em 2015, todas as varas já eram digitais. A curva da informatização do Judiciário é muito suave. Em vinte e cinco anos, essa curva sofreu uma leve ascensão, ocorrendo um salto maior somente nos últimos cinco anos.

Como fazer a unificação dos sistemas no registro imobiliário brasileiro?

Em 2012, os processos do TJSP já eram informatizados, híbridos, mas havia ainda no estado dezessete sistemas absolutamente desintegrados e incapazes de conversarem entre si. Algumas comarcas desenvolveram seus próprios sistemas de informática para operação local. Eram ilhas totalmente isoladas e desconhecidas do próprio Tribunal.

Com a unificação dos sistemas, esse problema foi resolvido. Os sistemas paralelos foram substituídos por processos híbridos, já modulados para o processamento digital, bastando apenas o adequado treinamento em recursos humanos para a habilitação do sistema digital.

Como promover a unificação dos sistemas no registro imobiliário brasileiro? Quem será capaz de desenvolver e dar suporte a um sistema unificado em caráter nacional?

Controle centralizado não é a realidade do serviço extrajudicial

No caso do Judiciário, esse controle é centralizado. O poder de decisão e o poder orçamentário são controlados pelo presidente do Tribunal, bem como toda a sua estrutura administrativa. Saiu dali a decisão para a unificação dos sistemas e o dinheiro para a aquisição de um sistema eficiente para operação em grande escala.

O controle centralizado tornou viável a unificação dos sistemas que nos garante hoje uma série de comodidades, uma delas é o direito a quatro atualizações de versão por ano para o acompanhamento processual.

O sistema é operacionalizado sem nenhuma dificuldade por todo o estado. No final de semana, fazemos a transmissão de grande volume de dados para os processadores localizados dentro de cada um dos fóruns. Ao serem ligados na segunda-feira, os computadores buscam a nova versão para instalação, que é feita a partir de um servidor local, do próprio fórum, sem grande tráfego de dados. Todas as máquinas ligadas na segunda-feira só vão funcionar depois de atualizado o sistema.

Para isso, não são necessários treinamentos, apenas alertas são emitidos para que as administradoras mantenham seus servidores ligados durante o final de semana. Essa não é a realidade do serviço extrajudicial.

Integração: Modelo Nacional de Interoperabilidade e Escritório Digital

Referimo-nos até o momento à unificação do sistema no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo. Essa integração, no entanto, precisa acontecer de modo mais amplo, alcançando não apenas os sistemas judiciais como também sistemas externos.

O CNJ já teve uma iniciativa de implantação de um sistema único, paralelamente aos seus próprios sistemas, quando optou pelo uso de software livre para o Processo Judicial Eletrônico (PJe).

O Tribunal de São Paulo ainda precisa integrar os seus sistemas com os sistemas de outros tribunais, principalmente com os superiores, por conta do grande tráfego de recursos extraordinários e especiais que tramitam nessas esferas.

Na verdade, a integração está quase finalizada, faltando apenas um clique para que os sistemas conversem entre si, e a remessa de processos eletrônicos se torne uma realidade.

Há também que haver uma integração com os vários interlocutores externos, por exemplo, com a Advocacia, Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradorias estaduais e municipais, entes públicos e privados, sistemas bancários etc. Nós até já nos relacionamos com esses entes por meio eletrônico, mas de maneira isolada, caso a caso, consulta a consulta, e mediante mera troca de documentos.

Para que essa interação ocorra em grande escala, a solução encontrada foi celebrar convênios entre o Tribunal e os municípios, por exemplo, para a distribuição de grande volume de execuções fiscais por ano. É praticamente impossível que um procurador do município, mesmo com o auxílio de uma assessoria, consiga distribuir tantas ações a cada ano. Por essa razão, foram criados sistemas de automatização do recebimento dessas ações em blocos, em total alinhamento com o sistema do Tribunal.

O Escritório Digital é uma plataforma de iniciativa do CNJ, portanto, de âmbito nacional, para a consulta e peticionamento de processos. É um ambiente único, para utilização pelo advogado, a partir do qual ele poderá interagir com os sistemas de vários tribunais.

Imaginemos, em tese, os noventa tribunais do país com sistemas diferentes. Não cheguemos a tanto, mas que tenhamos algo em torno de quarenta sistemas diversificados. Imagine que loucura é para o advogado que milita em vários estados.

A partir desse sistema, ele não precisará mais entender do sistema de cada Justiça, pois todos estarão convergindo através do Escritório Digital.

O MNI – Modelo Nacional de Interoperabilidade é um pacote de regras que vão reger a implantação desse tipo de iniciativa. O Escritório Digital, portanto, é uma aplicação do MNI.

Inteligência artificial e sua aplicação no Judiciário

A inteligência artificial é exatamente o ponto em que nos encontramos. Há outras iniciativas em andamento, mas a inteligência artificial está sendo discutida para aplicação no Judiciário. As promessas são infinitas.

Permanência da informação: tema crítico para o acervo extrajudicial

A permanência da informação é um tema de extrema criticidade e vai muito além do âmbito do que está sendo discutido aqui hoje.

A principal característica do acervo extrajudicial é a sua preservação permanente. Essa peculiaridade o torna mais crítico em relação ao acervo judicial, cujos processos têm prazo finito de guarda. Uma ação de cobrança, por exemplo, pode ser guardada por um período de cinco anos e eliminada depois.

A entropia do sistema: passagem do tempo causa desorganização e alteração

Somos todos familiarizados com a tecnologia do papel, sabemos que, bem guardado, pode durar séculos ou milênios. Pode até perder um pouco a sua qualidade, mas o seu conteúdo é preservado. Como se preserva uma informação no sistema digital?

Daqui a duzentos anos, uma pessoa que pretenda consultar uma matrícula digital aberta no ano de 2017, obedecendo aos critérios tecnológicos da época e guardada segundo a arquitetura daquele tempo, conseguirá fazer a leitura do documento?

Entropia é um conceito da termodinâmica que mede a desordem das partículas de um sistema físico. É um tema da física perfeitamente aplicável a qualquer área humana do conhecimento.

Os sistemas digitais também sofrem alterações devido à tendência inexorável de que no instante seguinte as coisas estarão um pouco mais desorganizadas do que estavam no instante anterior. Um exemplo prático disso é o perfume. Quando pulverizamos um perfume no ar, aquilo que inicialmente se concentrava em um só lugar (o frasco), se dispersa e se mistura a todas as moléculas existentes no ambiente. Esse fenômeno que segue um sentido único é denominado seta do tempo. O perfume, uma vez borrifado, jamais retornará ao frasco, ocorrendo o mesmo com o café quando misturado ao leite, com o ovo depois de rompido, e em outros tantos casos.

Por mais avançados que sejam a tecnologia e os mecanismos de segurança, os bancos de dados também caminham para essa degradação, com a perda de um bit ou outro a cada operação. A própria passagem do tempo causará essa desorganização já que o bit, armazenado em suporte físico, também sofrerá alteração. Como resolver esse problema daqui a duzentos anos diante da massa colossal de documentos digitais?

Blockchain: é ou não útil?

A virtualização das atividades é de fato o caminho a ser seguido. São grandes as suas vantagens. A redução de tempo na execução das atividades e a simultaneidade da informação são duas das mais importantes consequências da virtualização. É preciso, porém, que a migração dos dados respeite o perfeito encadeamento dos atos registrais existentes hoje no sistema material.

Em um cartório convencional, a partir de um registro escriturado ou através da sequência numérica dos atos, podemos ter acesso a todas as matrículas do cartório e aos documentos que deram origem a elas. Podemos puxar fio a fio as informações relacionadas com aquele registro, averbações, registros anteriores, identificação de confinantes etc. Isso quer dizer que a partir de uma primeira informação podemos localizar várias outras graças à eficiência e organização do cartório.  A mesma situação deve ocorrer no ambiente eletrônico. A primeira informação consultada deve conduzir a outras da mesma unidade.

O sistema do Tribunal é muito mais do que uma coleção de processos judiciais. A virtualização de seus processos não é simplesmente uma coleção de PDFs certificados. Há um fluxo digital complexo que coordena tudo isso. É impossível a prática de qualquer ato fora do sistema uma vez que os processos estão amarrados às informações que lhe são pertinentes.

Como proteger os dados pessoais no blockchain onde as cadeias de dados são replicadas a todos os operadores do sistema? E a criação de uma cadeia própria do Registro de Imóveis, é possível? Isso permitiria uma devassa dos dados pessoais? Existe algum risco em alguém de Rondônia bisbilhotar informações de registros realizados no Rio de Janeiro ou Bahia?

E quanto à exclusividade de guarda do acervo na tecnologia do blockchain? O acervo cuja guarda é exclusiva do oficial vai poder ser replicado a quantos forem os operadores da cadeia registral? O registro usaria uma cadeia de blocos pública ou privada? Seria organizada em âmbito nacional ou estadual?

São algumas questões que devem ser bem analisadas.

Blockchain como ferramenta acessória

Entendo que o sistema do blockchain, ou qualquer outra ferramenta paralela, poderia funcionar como ponto de validação do ato. Todos os atos praticados pelo oficial registrador seriam válidos somente depois de remetidos à cadeia do blockchain. A validação na cadeia é que garantiria a procedência do ato. Se o documento eletrônico consta no blockchain do registro imobiliário e a data corresponde à data da prática do ato, então, o documento é válido.

Outra possibilidade de utilização do blockchain é como prova da existência do ato registral. Talvez isso dê amarração para o blockchain funcionar como elemento externo ao cartório para a garantia da segurança dos atos praticados. Mas será que todos os registradores estarão habilitados a aplicar o procedimento, as técnicas de edição, geração e guarda do documento eletrônico?

Nós não podemos pensar apenas nas inúmeras unidades de Registro de Imóveis que são bem equipadas, conhecem a tecnologia, têm noção dos riscos e protegem seus dados adequadamente. É preciso pensar no que pode dar errado, naquele que não vai saber fazer ou naquele que vai agir maliciosamente. A reputação da atividade depende da correção do andamento deste. Um pequeno cartório pode contaminar a imagem de todo o serviço.

Nessa migração gigantesca, do papel para o documento eletrônico, penso que a tecnologia do blockchain pode ser muito útil como elemento externo ao cartório. Sequer haveria necessidade de acesso ao conteúdo do registro, bastando saber que naquele conteúdo consta uma chancela de validação externa sobre a qual o registrador não tem controle.

Palestra I - proferida por Rosine Kadamani, advogada e cofundadora da Blockchain Academy

Palestra II - proferida por Edilson Osório Junior, cientista computacional e cofundador da Blockchain Academy

Fonte: Fátima Rodrigo, jornalista

Em 9.5.2014



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