Cabe ação declaratória de nulidade contra sentença transitada em julgado
O entendimento é do TJMS, ao julgar ação sobre incidência do ISS nos serviços notariais e registrais
Em sessão realizada no dia 31 de janeiro, a 4ª turma Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS), por unanimidade, deu provimento a recurso interposto pelo município de Dourados, que se insurgiu contra decisão que indeferiu liminarmente ação declaratória de nulidade de sentença, diante da existência de coisa julgada inconstitucional.
O município de Dourados propôs ação declaratória de nulidade de sentença com pedido de antecipação dos efeitos da tutela em face de quatro tabeliães. Em dezembro de 2004, os tabeliães haviam ingressado com mandado de segurança em face do município, sob alegação de que os serviços notariais e de registros não constituem atividade econômica regida pelas normas aplicáveis aos empreendimentos privados, estando assim, imunes ao recolhimento do ISSQN (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza).
Em primeiro grau foi concedida a liminar e, ao final, a segurança, para suspender a exigibilidade da cobrança do tributo. Em grau de recurso, a sentença de procedência da segurança foi mantida e sobreveio seu trânsito em julgado.
Posteriormente, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR) ingressou com uma ADIn no STF, questionando, exatamente, a mesma matéria, ou seja, que a LC 103/06 não poderia prever a taxação do ISSQN sobre os serviços notariais e de registro. Referida ação, que no STF ganhou o nº 3.089-2, foi julgada improcedente, afirmando-se, assim, a constitucionalidade da cobrança da referida exação tributária municipal.
Pelo fato de que já havia ultrapassado o prazo de dois anos para a propositura da ação rescisória, o município, impedido de tributar em razão da sentença transitada em julgado proferida naquele mandado de segurança, ingressou com ação pretendendo declaração de nulidade daquele julgado, com base na coisa julgada inconstitucional superveniente. O juiz indeferiu liminarmente a inicial, sustentando que o município não tinha interesse processual porque com o trânsito em julgado cabia-lhe ingressar com ação rescisória e se ultrapassado o prazo decadencial estava-se diante da coisa soberanamente julgada, não mais suscetível de qualquer revisão.
O município recorreu ao TJMS, cabendo a relatoria ao desembargador Dorival Renato Pavan que deu provimento ao recurso, afastando a prejudicial sustentada pelo juízo, ordenando o prosseguimento da ação, para decisão do mérito.
Para o relator do processo, se o juiz declara incidenter tantum a inconstitucionalidade de uma norma, e com base nessa declaração julga procedente o mandado de segurança, sobrevindo acórdão do STF que declara constitucional norma de idêntico teor, no âmbito Federal (ISSQN sobre a atividade notarial), tem-se o fenômeno da coisa julgada inconstitucional, a qual pode ser invocada, em se tratando de título executivo extrajudicial, em sede de embargos à execução (artigo 741, II e parágrafo único, do CPC) ou em sede de impugnação do cumprimento de sentença (artigo 475-L, II, § 1º, do CPC), ou, ainda, por via da própria rescisória, se a declaração do STF surgiu dentro do período de dois anos do trânsito em julgado da sentença que decidiu contrariamente à orientação do Supremo.
Como se estava na espécie diante de mandado de segurança, em que o município estava impedido de tributar, não havendo lugar quer para os embargos do devedor, quer para o cumprimento de sentença e muito menos para ação rescisória, o relator entendeu que nenhum ato praticado por qualquer dos Poderes da República, inclusive o Poder Judiciário, está imune à obediência estrita à Carta da República, cuja supremacia haverá de prevalecer.
O desembargador Dorival Renato Pavan entendeu que "é a ação declaratória de nulidade da sentença um dos instrumentos processuais adequados para se obter a remoção da incerteza jurídica que passou a existir sobre norma municipal havida pela sentença transitada em julgado como sendo inconstitucional, quando lei de idêntico teor, no âmbito Federal, teve sua constitucionalidade reconhecida em sede de controle concentrado pelo STF (direito do município de tributar o ISSQN sobre a atividade notarial), de sorte que, não sendo possível manejar a rescisória, pela fluência do prazo do artigo 495, tampouco embargos do devedor ou impugnação ao cumprimento de sentença, porque se trata de mandado de segurança concedido contra o município, que se encontra impedido de exercer seu poder de tributar com fundamento na norma declarada incidentalmente como inconstitucional, só lhe resta o caminho da querela nullitatis insanabilis, que subsiste em nosso direito, mediante o uso da ação declaratória de nulidade da sentença transitada em julgado, de uso excepcional, é verdade, mas não afastada pelo sistema processual em vigor, prestigiando-se, assim, a interpretação razoável e sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, o qual deve ser considerado como um todo indissociável, e que tem como norte os princípios e fundamentos contidos na CF/88".
Dessa forma, a 4ª turma Cível, por unanimidade e nos termos do voto do relator, deu provimento ao recurso para reformar a sentença que havia indeferido a inicial, determinando seu recebimento e processamento para julgamento do mérito da demanda.
Fonte: Migalhas (www.migalhas.com.br)
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