Cartórios querem tirar usucapião do Judiciário
Hoje, a regularização extrajudicial só é possível para áreas de interesse social
A Associação dos Notários e Registadores do Brasil (Anoreg-BR) vai apresentar em breve ao governo federal uma proposta para tirar das mãos do Judiciário a exclusividade para a solução de processos de usucapião. A entidade quer ampliar uma previsão da lei que criou o programa Minha Casa Minha Vida (Lei nº 11.977, de 2009) para permitir a regularização de qualquer imóvel pela via administrativa. Hoje, de acordo com a norma, a regularização extrajudicial só é possível para áreas de interesse social, ou seja, onde o Estado intervém na demarcação, loteamento e registro de ocupações informais.
A proposta de anteprojeto de lei, que já gera polêmica entre especialistas, será apresentada ao Ministério da Justiça nos próximos dias, de acordo com a Anoreg-BR. "O objetivo é desjudicializar o procedimento", afirma Rogério Bacellar, presidente da entidade. A aprovação da mudança exigiria alterações no Código Civil e no Código de Processo Civil, que estabelecem um único caminho para o usucapião: o Judiciário. "A regularização em juízo é muito demorada. Em muitos casos, a propriedade está em posse de alguém há vários anos, sem contestação", diz.
Milhares de ações de usucapião tramitam no Judiciário. Apenas no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) há 17,5 mil processos em andamento. Estudo da Anoreg aponta que o trâmite judicial para obtenção de título de imóvel ou terra varia de dois a oito anos. O procedimento realizado nos cartórios duraria, no máximo, 180 dias, de acordo com o autor do levantamento, João Pedro Lamana Paiva, registrador no Rio Grande do Sul. "A via administrativa seria uma alternativa para o usuário. Não queremos tirar a competência do Judiciário", afirma Paiva, acrescentando que o custo para obtenção do título também seria reduzido. "O custo médio passaria R$ 2 mil para R$ 600 na via administrativa."
Hoje, segundo o estudo, há nove tipos de usucapião. Dos mais tradicionais - posse de imóveis urbanos ou rurais - até os mais novos, como o "usucapião familiar". Nesse tipo de processo, em caso de abandono do lar pelo ex-companheiro, a pessoa que ficou na posse do imóvel por mais dois anos pode pedir a transferência dele para seu nome, desde que não tenha outra propriedade.
Pela proposta da Anoreg, vários procedimentos previstos para a regularização de imóveis poderiam ser executados extrajudicialmente. Um dos mais importantes é a intimação de proprietários registrados na matrícula do imóvel, vizinhos, além da União, Estado, município e eventuais concessionárias de serviço público. "Se houver litígio, se o real proprietário aparecer, não há acordo com o tabelião e o caso vai para a Justiça", diz Paiva.
Especialistas em direito civil e imobiliário entendem que a proposta, com alguns acertos, resolveria o problema e poderia movimentar o mercado de imóveis. "Tudo o que se fizer para retirar [demandas] do Judiciário é um avanço", diz o advogado Silvio Venosa, sócio do Demarest & Almeida Advogados e ex-juiz do 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo.
Advogados entendem que é preciso prever na proposta algum tipo de fiscalização sobre os cartórios. Segundo eles, há risco de um tabelião de notas suprimir exigências ou "fazer vista grossa" para favorecer posseiros interessados no título de propriedade, especialmente em pequenos municípios. "É muito poder. Por isso, é imprescindível que haja fiscalização", afirma Fábio Yunes Fraiha, sócio do escritório que leva seu nome.
O especialista em direito imobiliário e contratual Carlos Artur André Leite, sócio do escritório Salusse e Marangoni Advogados, concorda com a necessidade de fiscalização, mas vê vantagens na desjudicialização do procedimento, a exemplo do que ocorreu com a retificação de descrição de imóveis e alienação fiduciária em garantia. "Transferir procedimentos para a área administrativa é uma tendência no mercado imobiliário", diz. "A adoção do procedimento extrajudicial foi um dos fatores para a alavancagem do setor nesta década, por garantir agilidade e segurança jurídica."
Fonte: Valor Econômico
Em 15.8.2012
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