Em último debate, comissões buscam solução para regularização fundiária
CMA e CRA promoveram conjuntamente a terceira e última audiência pública para embasar a análise de projetos de lei que unificam a legislação fundiária para todo o país.
Relator dos projetos, Carlos Fávaro conversa com Esperidião Amin. Na Mesa, o presidente da Comissão de Meio Ambiente, Jaques Wagner
Como legislar sobre a regularização fundiária para reduzir desmatamentos, queimadas e grilagens e não incentivar a perpetuação dessas irregularidades pela credibilidade em anistias recorrentes é a dicotomia que os senadores das Comissões de Meio Ambiente (CMA) e Agricultura e Reforma Agrária (CRA) buscam solucionar. Para isso, nesta terça-feira (23), os colegiados promoveram conjuntamente a terceira e última audiência pública para embasar a análise de projetos de lei que unificam a legislação fundiária para todo o país.
Estão em análise o PL 2.633/2020, originário na Câmara, e o PL 510/2021, de autoria do senador Irajá (PSD-TO). O primeiro permite aumentar o tamanho (de quatro para seis módulos fiscais) de terras da União passíveis de regularização sem vistoria prévia.
Já o projeto iniciado no Senado modifica o marco temporal para a comprovação da ocupação, que deverá ser feita pelo interessado ao demonstrar “o exercício de ocupação e de exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anteriores a 25 de maio de 2012”. Atualmente, para regularizar a terra, o ocupante tem de comprovar que está na área (com até 2,5 mil hectares) desde antes de 22 de julho de 2008.
Relator dos projetos, o senador Carlos Fávaro ponderou a importância do tema “para quem está ocupando com vocação e há anos sonha com uma regularização justa que não acontece”.
— Com o amplo debate em todas essas audiências públicas, tivemos a possibilidade de ver os pontos sensíveis. Temos que fazer justiça social no campo com preservação ambiental.
O relator se disse atento com as datas dos marcos temporais propostos, assim como as alterações nos tamanhos dos módulos fiscais.
— Tenho a tendência de rever as datas para não estimular novas invasões, assim como nos pontos que tangem o tamanho das propriedades.
Presidente da CMA, Jaques Wagner (PT-BA) destacou que em áreas públicas ocupadas irregularmente ou ilegalmente, a taxa de queimadas e desmatamento chega a 45%. O senador apontou a importância dos seis debates — três sobre licenciamento ambiental e três sobre regularização fundiária — para a instrução dos parlamentares e da sociedade sobre os assuntos em análise.
— A legislação atual já possibilita a regularização de 88% dos demandantes até quatro módulos fiscais. Por isso, fica aqui a pergunta: o problema é lei ou vontade de fazer?
Zequinha Marinho (PSC-PA) destacou que o estado do Pará é campeão em projetos de assentamentos, com 1.132 pedidos.
— É preciso termos uma previsão legal. A regularização fundiária traz soluções para uma série de coisas, entre elas a segurança jurídica, para usar a terra como garantia real, para buscar recursos.
Jayme Campos (DEM-MT) afirmou que a precarização dos órgãos públicos atrapalha a celeridade dos processos.
— Há uma dificuldade gigantesca nos órgãos competentes para sair um CAR [Cadastro Ambiental Rural]. (...) Há uma demanda reprimida nessa área: muitas vezes é privilegiar o marginal em detrimento de quem está produzindo na terra.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) também enfatizou que no Distrito Federal metade da população mora em áreas sem titulação. Ele considera lamentável que os assentamentos não sejam organizados com infraestrutura e matéria-prima, o que acaba levando a ocorrência de loteamentos.
— E o pior é que o governo não consegue fiscalizar.
Benefícios
A regularização fundiária é benéfica ao meio ambiente, segundo o diretor de programa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Anaximandro Doudement Almeida.
Isso acontece, de acordo com Almeida, a partir da exigência de inscrição no CAR e pela obrigação de que proprietários com passivos ambientais celebrem o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e adiram ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).
Além disso, apontou o diretor do Incra, há maior segurança jurídica e o eventual descumprimento desses termos ou o desmatamento ilegal podem ensejar o cancelamento do título emitido pelo órgão.
Números do Incra apontam que o público total de regularização fundiária e agrária é de 116 mil famílias (em 25 milhões de hectares) na Amazônia Legal, 185 mil (em 1milhão de hectares) em glebas fora da Amazônia e 688 mil famílias (em 44 milhões de hectares) em assentamentos.
Na Amazônia Legal, a área de atuação do Incra se concentra em 2.180 glebas públicas. Ao se retirar as já destinadas, o Incra estima como passível de regularização na região a área correspondente a 4,9%.
Recentemente entrou em funcionamento a Plataforma de Governança Territorial (Incra).
— Vamos oferecer os serviços em uma única plataforma, com integração dos cadastros, o que gerará a conferencia automática de dados, dispensa de entrega de documentos e redução do tempo de resposta — expôs o diretor do Incra, que também destacou o uso de tecnologias como o sensoriamento remoto.
Consultor jurídico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo de Oliveira Kaufmann também vê benefícios na regularização fundiária, como a garantia de segurança jurídica, o fim da sua marginalização com o acesso ao crédito e a inclusão do produtor rural no mercado competitivo de produção agropecuária, assim como nas exigências de sustentabilidade ambiental e econômica do seu negócio.
— Para o país, é instrumento fundamental para o trabalho de fiscalização fundiária e ambiental, para a identificação dos infratores e garantia de adequada responsabilização. É medida efetiva de combate à grilagem, às queimadas ilegais e ao desmatamento, garantia da aplicação efetiva de lei, de formação de cadastro nacional e de informações essenciais para a elaboração de políticas públicas.
Malefícios
Para a pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Brenda Brito, há que se questionar se os projetos em análise são compatíveis com as medidas para impedir o agravamento da crise climática, assim como se desestimular desmatamento e queimadas ilegais, preocupações que devem embasar os projetos apreciados pelo Congresso, segundo a debatedora.
— Vamos mover mais uma vez o ciclo de grilagem e desmatamento, com ocupação de terra pública, desmatamento para sinalizar a ocupação, pedido de titulação e lobby para a mudança da lei. Esse é o momento que estamos vivendo agora. E se a lei é alterada é mais um estímulo para as ocupações.
O PL 2.633, afirmou Brenda, legaliza procedimento inconstitucional e ilegal de destinação fundiária por permite regularização em florestas públicas.
— 45% das florestas públicas federais destinadas a regularização pela Câmara técnica já foram georreferenciadas. Se parte dessas áreas for de fato privatizada, teremos um risco de desmatamento de 11 mil a 16 mil km2 até 2027. A sociedade brasileira também perderia entre R$ 62 bilhões a R$ 88 bilhões (estimativa de 2016) pela venda de terras abaixo do valor de mercado.
Os projetos de lei aumentam o risco de legalização de conflitos, na opinião da pesquisadora do Imazon, já que a Lei 11.952, de 2009, dispensa a vistoria de até quatro módulos fiscais, enquanto o PL 2.633 expande essa dispensa para seis módulos fiscais e o PL 510 elimina vistoria até 2.500 hectares.
— Os PLs permitem titular áreas desmatadas recentemente e adiam demanda por regularização ambiental. A regularização fundiária é importante, mas não pode trazer novos problemas para o futuro. Já temos tecnologia para acelerar esse processo de regularização e não há nesse momento necessidade de alteração na legislação.
A desnecessidade de novas leis também foi ratificada pela pesquisadora da PUC-Rio e representante da coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, Cristina Lopes.
Ela enfatizou que “terras públicas somos todos nós” e que a transferência do público para o particular tem que ser feita com muitas balizas.
— É preciso antes avaliar a política atual de titulação para depois ampliar o processo.
Entre os pontos negativos dos projetos, a pesquisadora destacou que os textos tratam de definições de infração que não existem na legislação ambiental.
— Essas definições esvaziam as salvaguardas ambientais — disse Cristina, ao destacar que pela primeira vez viu uma audiência pública ter a questão da preservação ambiental como algo premente.
Fonte: Agência Senado (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado).
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