Especialistas apontam acesso à moradia como “porta de entrada” dos demais direitos da população de rua
Estimativas apontam que 222 mil brasileiros vivem nas ruas sem acesso a serviços básicos de saúde, educação, identificação civil e cidadania.
O acesso à moradia é condição central para a superação da série de violações de direitos à qual estão submetidas as populações de rua. Esse foi o principal consenso de especialistas reunidos pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados no âmbito da Revisão Periódica Universal (RPU) de recomendações internacionais feitas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (Acnudh).
Estimativas apontam que 222 mil brasileiros vivem nas ruas sem acesso a serviços básicos de saúde, educação, identificação civil e cidadania. O número ainda é baseado em dados de 2020, mas foi visivelmente ampliado durante a pandemia de Covid-19.
O defensor público da União Renan Sotto Mayor destacou a “centralidade do papel da moradia” para a solução desses problemas. “Não se pode falar sobre superação da situação de rua sem falar de uma política séria e efetiva de moradia para as pessoas em situação de rua”, declarou.
O representante do governo federal concordou. Carlos Ricardo Junior é coordenador-geral de direitos de minorias sociais e população em situação de risco do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e defendeu a inclusão desse tema na Política Nacional de Habitação. Ele argumenta que os atuais programas disponíveis beneficiam pessoas com renda até R$ 2 mil, o que dificulta a inclusão da população de rua.
“Apesar da ampliação do acesso a serviços, essas pessoas não saíram da situação de rua porque faltou o acesso à [política de] moradia. Nós temos uma nova metodologia que já está sendo testada no Brasil”, afirmou.
A nova metodologia citada é o Housing First, ou Moradia Primeiro, que não se baseia na residência como propriedade, mas como serviço para pessoas que não têm condições de pagar por ela. Segundo Carlos Ricardo Junior, a metodologia já recebeu investimentos de R$ 10 milhões a partir de recursos do ministério e de emendas parlamentares.
Propostas em tramitação
Durante a audiência pública, alguns debatedores afirmaram que a estratégia de albergues, repúblicas, hotéis sociais e outras modalidades de caráter provisório não funciona efetivamente.
O presidente da Comissão de Políticas Sociais e Desenvolvimento do Cidadão e integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Mário Henrique Nunes, defendeu a aprovação do projeto de lei (PL 5740/16) que cria a Política Nacional para a População em Situação de Rua. O texto já passou pela Comissão de Desenvolvimento Urbano e está em análise agora na Comissão de Seguridade Social e Família.
Organizador do debate, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), também quer a aprovação da proposta (PL 488/21) que proíbe o uso de técnicas de arquitetura hostil em espaços públicos. O texto já foi batizado de “Lei Padre Júlio Lancelotti”, em homenagem ao líder de ações humanitárias em São Paulo.
“Na cidade de São Paulo consta que, nos últimos anos, houve crescimento de quatro vezes na população em situação de rua. São famílias inteiras. Percebe-se, inclusive, resquício de utensílios e mobília de alguém que já teve uma casa algum dia. Trata-se de um grupo populacional que concentra as principais violações de direitos humanos, porque atravessam esse grupo todas as demais violações, além, evidentemente, da negação de acesso a um teto, a uma moradia”, disse o deputado.
A mudança no perfil da população de rua também foi destacada por outros debatedores: antes dominada por homens, agora as ruas também abrigam grande quantidade de mulheres e crianças.
O defensor público Ronan Figueiredo citou dado oficial da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) sobre a população de rua da capital federal: são 71% de negros, 11% de indígenas e 17% de brancos.
Ele ressaltou também a importância de recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que restringe as revistas pessoais feitas por policiais sem motivação fundamentada e objetiva. A intenção é impedir o chamado “baculejo”, ou seja, as revistas violentas tradicionalmente impostas aos moradores de rua.
Líder do Movimento de Meninos e Meninas de Rua, Markinhus Souza reclamou de estigmas, excesso de visibilidade penal e de invisibilidade de direitos dessa população. “Não tem maior violação de direitos humanos do que a que trata da invisibilidade. A América Latina e o Brasil em especial entraram na luta de guerra às drogas e isso teve impacto no encarceramento em massa, especialmente no crescimento do encarceramento de mulheres e de pais bastante jovens. O reflexo étnico-racial dessa política é a invisibilidade da criança e do adolescente que tem o seu familiar encarcerado”, salientou.
Os debatedores ainda manifestaram preocupação com o fim do prazo da decisão judicial (ADPF 828) que restringe remoções e despejos forçados durante a pandemia. A Campanha Despejo Zero lembra que o prazo acaba em 30 de junho e existem 142 mil famílias ameaçadas de irem para a rua. São cerca de 570 mil pessoas, entre elas 97 mil crianças e 95 mil idosos.
O deputado Orlando Silva espera que o Supremo Tribunal Federal prorrogue o prazo e defendeu a criação de comissão especial da Câmara para analisar com urgência o projeto de lei (PL 1501/22) que disciplina os despejos após 30 de junho.
Fonte: Agência Câmara de Notícias (Reportagem - José Carlos Oliveira/Edição - Ana Chalub).
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