Em 18/03/2016

Incra: Comunidade quilombola na Paraíba comemora posse de imóveis


A conquista da comunidade quilombola do Grilo refere-se aos imóveis Serra Rajada I e II, que integram o território de aproximadamente 139 hectares que elas reivindicam


As 71 famílias que formam a comunidade quilombola do Grilo, no município de Riachão do Bacamarte, na região do Agreste paraibano, comemoraram, no dia 16/3, a conquista dos dois imóveis que integram o território de aproximadamente 139 hectares que elas reivindicam. Passaram à posse do Incra os imóveis Serra Rajada I e II, que somam cerca de 119 hectares e estão situados a aproximadamente 98 quilômetros da capital paraibana. Os outros 20 hectares do território reivindicado já estão em posse da comunidade.

O próximo passo no processo de regularização do território da comunidade quilombola do Grilo é, de acordo com a antropóloga do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra na Paraíba (Incra/PB) Maria Ester Fortes, a concessão do título de propriedade coletivo e pró-indiviso em nome da associação dos moradores da área.

“Os proprietários têm 30 dias para retirarem seus pertences das áreas, mas a comunidade já pode usufruir plenamente do seu território. A imissão de posse já garante às famílias acesso pleno e autoridade sobre as áreas”, explicou Maria Ester, acrescentando que o Incra emitirá, em nome da comunidade, um Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) que serve como título provisório.

Ato de posse

Além das famílias da comunidade do Grilo e de outras comunidades quilombolas paraibanas, participaram do ato de imissão de posse, realizado após uma caminhada, o superintendente do Incra/PB, Cleofas Caju, a equipe do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas da autarquia, o oficial de justiça da 6ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Campina Grande Milton Moraes e representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Associação de Apoio às Comunidades Afrodescendentes (Aacade), da Coordenação das Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba (Cecneq) e de movimentos sociais do campo.

“Estamos fazendo justiça social com essa conquista de mais de cem hectares. O Governo Federal está corrigindo uma grande injustiça cometida contra o povo negro, que foi tão explorado”, afirmou Cleofas Caju.

Para a presidente da associação da comunidade, Leonilda Coelho Tenório dos Santos, 55 anos, mais conhecida como Paquinha, a conquista das áreas reivindicadas significa mais do que a garantia de permanência das famílias na terra onde viveram seus antepassados. “Essa conquista é tudo para nós. Significa trabalho, plantio, criação de animais”, disse.

Foro

Segundo a agricultora, as famílias da comunidade do Grilo pagavam foro, uma taxa cobrada pelos proprietários das terras, para poderem plantar na área durante seis meses do ano. “Às vezes não dava nem tempo de colher o roçado porque o gado dos donos das terras comiam tudo”, contou Paquinha.

Com a imissão de posse dos imóveis, as famílias já planejam plantar feijão, milho, fava, macaxeira, inhame, batata-doce e hortaliças. “A terra é muito produtiva. O que plantar dá”, garantiu Paquinha.
“Não quero que nenhum jovem da nossa comunidade saia daqui para morar fora, em João Pessoa, no Rio de Janeiro ou em São Paulo”, concluiu a liderança quilombola.

Maria Ester disse que a imissão de posse dos dois imóveis vinha sendo aguardada com muita ansiedade. “A gente sabe que o processo é demorado e complexo, mas as comunidades quilombolas não desistem. Elas possuem muitos amigos e parceiros, que colaboraram para que o trabalho do Incra fosse realizado”, afirmou a antropóloga do Incra/PB.

Após o ato de imissão de posse, a comemoração da conquista da comunidade do Grilo seguiu durante toda a tarde com fogos de artifício, ciranda acompanhada com zabumba e triângulo e um almoço.

Relatório Antropológico

O Relatório Antropológico que compõe o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade quilombola do Grilo foi publicado em 25 de março de 2011 e foi fruto de contrato firmado em março de 2008 entre o Incra/PB e a Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTcPB) e elaborados por uma equipe formada por quatro professores doutores em Antropologia da Unidade Acadêmica de Sociologia e Antropologia do Centro de Humanidades da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Peça inicial do processo administrativo de regularização dos territórios quilombolas, o RTID aponta os aspectos históricos e socioculturais das comunidades e é constituído por relatório antropológico, relatório agronômico e ambiental, levantamento fundiário, mapa e memorial descritivo da área, além da relação das famílias quilombolas cadastradas pelo Incra.

Os Decretos de Declaração de Interesse Social para fins de desapropriação dos dois imóveis que integram o território reivindicado pela comunidade do Grilo foram assinados pela presidenta Dilma Rousseff em 5 de dezembro de 2013 e publicados no Diário Oficial da União (DOU) do dia seguinte.

Sobre a comunidade

De acordo com depoimentos dos moradores do Grilo transcritos no RTID, a comunidade se originou quando as terras da comunidade quilombola vizinha, a Pedra D'Água, tornaram-se insuficientes para sustentar todas as famílias. Descendentes da Pedra D'Água se estabeleceram em terras dos arredores, que hoje constituem as comunidades quilombolas do Grilo, do Matias e do Matão.

Ainda segundo o RTID, as famílias que hoje vivem na comunidade descendem, em grande parte, dos primos Manuel Dudá e Dôra, que, depois de casados, retornaram ao Grilo, onde Manuel havia nascido, na condição de moradores. No final da década de 1960, após 14 anos de trabalho, a família comprou um pequeno pedaço de terra onde hoje é o núcleo de moradia do Grilo.
De acordo com o RTID, ao se casarem, os filhos do casal foram se estabelecendo ao redor dos pais e passaram a depender das terras vizinhas para manter seus roçados, não mais como moradores, mas como arrendatários.

O RTID registra várias características e tradições da comunidade, como a organização em torno dos laços de parentesco, a priorização dos casamentos endogâmicos, as memórias de festa e trabalho constituídas pela lida no roçado próprio ou como mão de obra alugada, a confecção de louça de barro e do labirinto – tarefas marcadamente femininas –, as festas de São João e as celebrações animadas pelo coco de roda, pela ciranda e pelo samba. As celebrações religiosas de caráter coletivo incluíam, segundo o relatório, as rezas ao longo de todo o mês de maio e as novenas realizadas nas casas da comunidade e encerradas, muitas vezes, com uma roda de ciranda.

Processo de regularização

A missão de regularizar os territórios quilombolas foi atribuída ao Incra em 2003, com a promulgação do Decreto nº 4.887, que regulamentou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata a Constituição Federal em seu Artigo 68.

As comunidades quilombolas são grupos étnicos predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o país existam mais de três mil comunidades quilombolas.

Para terem seus territórios regularizados, as comunidades quilombolas devem encaminhar uma declaração na qual se identificam como comunidade remanescente de quilombo à Fundação Cultural Palmares, que expedirá uma Certidão de Autodefinição em nome da mesma. Devem ainda encaminhar à Superintendência Regional do Incra uma solicitação formal de abertura dos procedimentos administrativos visando à regularização.

A regularização do território tem início com um estudo de vários aspectos da comunidade, a elaboração do RTID. Uma vez aprovado este relatório, o Incra publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola. A fase final do procedimento é a regularização fundiária, com a retirada de ocupantes não quilombolas através de desapropriação e/ou pagamento das benfeitorias e a demarcação do território. É concedido título de propriedade coletivo, pró-indiviso e em nome da associação dos moradores da área, registrado no cartório de imóveis, sem qualquer ônus financeiro para a comunidade beneficiada. Os títulos garantem a posse da terra, além do acesso a políticas públicas como educação, saúde e financiamentos por meio de créditos específicos.

Na Paraíba

Dos 29 processos abertos no Incra/PB para a regularização de territórios quilombolas, 14 Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTIDs) foram iniciados e destes, nove foram publicados nos Diários Oficiais do Estado e da União: Engenho do Bonfim, em Areia; Matão, em Gurinhém; Comunidade Urbana do Talhado, em Santa Luzia; Pedra D'Água, em Ingá; Grilo, em Riachão do Bacamarte; Mundo Novo, em Areia; Paratibe, em João Pessoa; Caiana dos Crioulos, localizada nos municípios de Alagoa Grande, Matinhas e Massaranduba; e Vaca Morta, no município de Diamante.

De acordo com a presidente da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes da Paraíba (Aacade/PB), Francimar Fernandes, 38 comunidades remanescentes de quilombos na Paraíba já possuem a Certidão de Autodefinição expedida pela Fundação Cultural Palmares e uma outra comunidade deve receber a certidão em breve.

Fonte: Incra

Em 17.03.2016



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