Em 04/10/2011

IRIB Responde: Compra e venda. Regime matrimonial – separação de bens. Outorga uxória.


É inexigível outorga uxória quando, em virtude do regime de bens adotado, não há comunicabilidade do imóvel.


A pergunta selecionada para esta edição do Boletim Eletrônico trata acerca da anuência do cônjuge nas alienações de bens imóveis, quando o regime matrimonial adotado pelo casal é o da separação de bens. Veja como foi tratada a questão:

Pergunta:
Para os casamentos realizados sob a égide do Código Civil de 1916, no regime da separação de bens é necessário a anuência do cônjuge nas alienações de bens imóveis? O mesmo também ocorre para os casamentos realizados na separação obrigatória de bens, cujos bens foram adquiridos antes da realização do casamento?

Resposta:
Ainda que pesem respeitáveis entendimentos em sentido contrário, entendemos que, para os casados no regime da separação convencional de bens, nos casos em que apenas um dos cônjuges é o proprietário, o correto é a dispensa de tal exigência. A nosso ver, não faz sentido exigir a outorga uxória ou marital para a transmissão de um bem, quando não há comunicabilidade do mesmo.
 
Ulysses da Silva assim nos ensina:
 
“3.4.4. Do regime da separação de bens
 
‘Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real’.
 
Assim dispondo, o artigo 1.687 confirma o prescrito no artigo 1.647, quanto à desnecessidade da anuência do outro membro do casal nas alienações e onerações de bens imóveis. Alguns registradores e profissionais do direito chegaram a questionar a aplicação da aludida dispensa nos casos em que o casamento foi celebrado na vigência do Código anterior, quando era obrigatória a outorga uxória. Eventual dúvida, entretanto, dissipa-se diante da constatação de que a concordância então exigida não passava de mera formalidade, tendo em vista a incomunicabilidade dos bens e o direito à livre administração que já cabia a cada membro do casal.” (SILVA, Ulysses da. “Direito Imobiliário – O Registro de Imóveis e Suas Atribuições – A Nova Caminhada”, safE, Porto Alegre, 2008, p. 35).   
 
Ao comentar o art. 2.039 do Código Civil, Nelson Rosenvald assim escreveu:
 
“Assim, a dispensa da outorga do cônjuge para a disposição de bens no regime da separação por pacto antenupcial (art. 1.647, I, do CC) também se aplicará para a prática de atos transmissivos de propriedade por parte de qualquer dos cônjuges nos casamentos anteriores à vigência do Código Civil.” (ROSENVALD, Nelson in “Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência”, coord. Cezar Peluso, 3ª ed. revisada e atualizada, Manole, São Paulo, 2009, p. 2.225).
 
Corroborando temos:
 
CSMSP- Apelação Cível 356-6/0  da Comarca de São José do Rio Preto
Ementa: REGISTRO DE IMÓVEIS - Escritura pública de venda e compra - Recusa com base no art. 235, I, do Código Civil de 1916, combinado com o art. 2.039 do Código Civil de 2002 - Ausência de outorga uxória - Dúvida improcedente - Formalidade legal não inerente o regime de bens adotado - Incidência do art. 1.647, I, do diploma atual, que não afeta ou modifica tal regime - Registro cabível - Recurso não provido.” (http://www.irib.org.br/html/area-associado/jurisprudencia-busca-integra.php?codjuris=1459)
 
No que se reporta ao casado no regime da separação obrigatória de bens, há, ainda, divergências de entendimento.
Há doutrinadores que defendem não mais prevalecer os efeitos da Súmula 377 do SFT para as aquisições feitas na vigência do Código Civil de 2002, à título oneroso, por apenas um dos cônjuges, quando casado no regime da separação imposta pela lei.  Alegam que a  Súmula 377 entrou no mundo jurídico com base na legislação que havia na época, ou seja o Código Civil de 1916, que sofreu consideráveis modificações pelo de 2002, que não mais deu sustentação à regular aplicação da aludida Súmula para os casados no regime da separação obrigatória de bens, e que, de forma individual, venham a adquirir imóveis, à título oneroso na constância do matrimônio. Justificam tal posição não só pelas circunstâncias que levaram na oportunidade o STF a editar sobredita Súmula,  que parecem superadas nos dias de hoje, mas principalmente pela intenção do legislador em fincar para o regime da separação de bens, quando a lei vier a assim determinar, que isso aconteça de forma ampla, ou seja, atingindo tanto os bens que cada um dos cônjuges leva para o casamento, como para as aquisições que vierem a ser feitas apenas em nome de um dos respectivos cônjuges durante o matrimônio, quer à título gratuito ou oneroso. Nessa direção é a intenção do legislador  que podemos identificar, de forma mais transparente, no art. 1.829, inciso I, do Código Civil de 2002, quando não se entregou ao cônjuge sobrevivo nem mesmo o direito de concorrer com descendentes, quanto ao que foi deixado pelo cônjuge falecido, sem qualquer ressalva para o que eventualmente tivesse sido por ele adquirido antes do matrimônio, ou durante ele, de forma gratuita ou onerosa. De importância, ainda, observar que esse dispositivo integra Lei que adveio em momento posterior à mencionada Súmula, mostrando-nos elemento jurídico não existente quando do entendimento que a colocou no meio jurídico, razão pela qual, sustentam, mesmo reconhecendo sustentáveis opiniões em sentido contrário, que não mais prevalece a Súmula 377 para as aquisições feitas à título oneroso por quem, de forma individual e exclusiva, adquiriu bem durante a vigência do atual Código Civil.
Desta forma, essa corrente defende que a separação obrigatória de bens deve ter igual tratamento dado à separação convencional de bens, enquadrando-se como separação absoluta, como exposto no art. 1.647, do referido C.Civil,  dispensando a presença do cônjuge não titular de direitos na transmissão de um bem, que vai reclamar somente a do que efetivamente venha a se mostrar como seu proprietário quando de sua alienação.

Contudo, o STJ, no REsp 1.163.074-PB, decisão publicada no DJ de 04/02/2010, entendeu prevalecer, ainda, a necessidade de vênia conjugal para o regime da separação obrigatória de bens, cuja ementa é a seguinte:
 
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO ANULATÓRIA DE AVAL - OUTORGA CONJUGAL PARA CÔNJUGES CASADOS SOB O REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS - NECESSIDADE - RECURSO PROVIDO. 1. É necessária a vênia conjugal para a prestação de aval por pessoa casada sob o regime da separação obrigatória de bens, à luz do artigo 1647, III, do Código Civil. 2. A exigência de outorga uxória ou marital para os negócios jurídicos de (presumidamente) maior expressão econômica previstos no artigo 1647 do Código Civil (como a prestação de aval ou a alienação de imóveis) decorre da necessidade de garantir a ambos os cônjuges meio de controle da gestão patrimonial, tendo em vista que, em eventual dissolução do vínculo matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento. 3. Nas hipóteses de casamento sob o regime da separação legal, os consortes, por força da Súmula n. 377⁄STF, possuem o interesse pelos bens adquiridos onerosamente ao longo do casamento, razão por que é de rigor garantir-lhes o mecanismo de controle de outorga uxória⁄marital para os negócios jurídicos previstos no artigo 1647 da lei civil. 4. Recurso especial provido. (STJ – REsp nº 1.163.074 – PB – 3ª Turma – Rel. Min. Massami Uyeda – DJ 04.02.2010)

Desta decisão, citam-se os seguintes trechos:
(...)
Veja-se, entretanto, que o mesmo não ocorre quando o estatuto patrimonial do casamento é o da separação obrigatória de bens. Nestas hipóteses, a ausência de comunicação patrimonial não decorre da vontade dos nubentes, ao revés, de imposição legal ex vi o disposto no artigo 1641 da lei civil, in verbis: "É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II - da pessoa maior de sessenta anos; III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial".
Portanto, verificadas as sobreditas hipóteses, o legislador já prevê qual o regime patrimonial deverá vigorar, não deixando margem de escolha aos contraentes. Logo, se na separação convencional há implicitamente a outorga prévia entre os cônjuges para que livremente disponham de seus bens como bem entenderem, o mesmo não se verifica na separação obrigatória, porquanto o regime patrimonial decorreu de expressa imposição do legislador.
Não se olvide, ainda, que o Supremo Tribunal Federal sumulou o entendimento segundo o qual "no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento" (Súmula n. 377⁄STF), o que deixa transparecer que, neste regime, ao contrário do que ocorre na separação convencional, cada cônjuge guarda consigo a expectativa de, eventualmente, se beneficiar de parcela do patrimônio do outro.
 (...)
Realmente, a exigência de outorga uxória ou marital para os negócios jurídicos de (presumidamente) maior expressão econômica previstos no artigo 1647 do Código Civil (como a prestação de aval ou a alienação de imóveis) decorre da necessidade de garantir a ambos os cônjuges meio de controle da gestão patrimonial, tendo em vista que, em eventual dissolução do vínculo matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento.
Sob e égide da separação legal, os consortes, por força da Súmula n. 377⁄STF, possuem esse interesse pelos bens adquiridos onerosamente ao longo do casamento, razão por que é de rigor garantir-lhes o mecanismo de controle de outorga uxória⁄marital para os negócios jurídicos previstos no já mencionado artigo 1647 da lei civil.
Caso os cônjuges sujeitos à separação legal desejem afastar os efeitos da Súmula n. 377⁄STF, cumpre-lhes celebrar o pacto antenupcial para acrescer às regras de separação legal as regras próprias da separação convencional com relação aos bens adquiridos na vigência do casamento.
Como já se anotou, a adoção do regime da separação convencional é uma prévia autorização para os cônjuges praticarem os negócios jurídicos do artigo 1647 do Código Civil.
De passagem, diga-se que o Código Civil previu outra hipótese de desnecessidade de vênia conjugal, embora restrita à alienação de imóveis. Cuida-se do caso de adoção do regime de participação final nos aquestos com expressa previsão, no pacto antenupcial, da dispensa de outorga uxória⁄marital para os negócios translativos de imóveis (artigo 1656). Nesse caso, o legislador foi expresso em admitir uma prévia autorização conjugal às operações de alienação de imóveis, a despeito de os bens adquiridos na constância do casamento (aquestos) se comunicarem.
Não sucedeu o mesmo com o regime da separação legal, pois inexiste previsão legal expressa no sentido de despojar o consorte - interessado nos bens adquiridos onerosamente na constância do matrimônio - do instrumento de controle de gestão patrimonial previsto no artigo 1647 do Código Civil, qual seja, a vênia conjugal.

Resumindo:
1)- Regime de separação convencional de bens (com pacto ) nos casamentos realizados sob a égide do Código Civil de 1916 e do atual código, não é necessária a anuência do cônjuge nas alienações de bens imóveis, desde que esse bem tenha sido adquirido somente por um deles.
2)- Regime de separação obrigatória de bens: há discussão sobre o tema:
a)- Há quem defenda a aplicação da mesma regra prevista para a separação convencional, sem necessidade de vênia conjugal para os bens adquiridos somente por um dos cônjuges, e em época posterior ao início da vigência do Código Civil de 2002;
b)- há quem defenda a prevalência da regra que prevê a necessidade de vênia conjugal em qualquer hipótese de alienação de bens.
 
Finalizando, recomendamos que sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, recomendamos que sejam obedecidas as referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.
 
Seleção: Consultoria do IRIB
Comentários: Equipe de revisores técnicos

 



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