Em 20/08/2021

José Renato Nalini concede entrevista à ANOREG/PR


“O avanço tecnológico das delegações extrajudiciais é evidente.”


O Desembargador aposentado e Ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e detentor da Cadeira n. 2 na Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral, José Renato Nalini, concedeu entrevista à Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (ANOREG/PR). Na entrevista, Nalini destaca a evolução tecnológica das Serventias Extrajudiciais e a necessidade de ampliação do rol de atribuições das delegações extrajudiciais”.

Segundo José Renato Nalini, “a mais inteligente estratégia do constituinte de 1988 foi converter os antigos cartórios em delegações estatais extrajudiciais. O Estado confere a um particular uma atividade essencialmente estatal, confia sua seleção, fiscalização e controle ao Judiciário e não investe um centavo nos serviços desenvolvidos por esses agentes qualificados e eficientes.” O Desembargador aposentado ainda destacou que “é preciso ousar e ampliar o rol de atribuições das delegações extrajudiciais, pois sua eficiência é muito superior à de qualquer organismo estatal.”

Confira abaixo a íntegra da entrevista:

Anoreg/PR – Como avalia a importância do trabalho promovido pelos cartórios extrajudiciais em prol da população e da desjudicialização?

José Renato Nalini - É praticamente um mantra que repito desde 1988: a mais inteligente estratégia do constituinte de 1988 foi converter os antigos cartórios em delegações estatais extrajudiciais. O Estado confere a um particular uma atividade essencialmente estatal, confia sua seleção, fiscalização e controle ao Judiciário e não investe um centavo nos serviços desenvolvidos por esses agentes qualificados e eficientes. Ao contrário, leva para o Erário considerável percentual dos emolumentos, os custos dos préstimos por eles concretizados. O exercício como iniciativa privada acelerou a capacidade de prestar serviços cada vez mais eficientes, antecipando-se – na adoção das modernas tecnologias da informação e da comunicação – ao próprio Estado. Principalmente em relação ao Poder Judiciário, que sobre as delegações exerce um jugo nem sempre suave. Elas podem e devem abarcar atribuições não conflitivas, para impedir que haja demanda reprimida e também para obviar a perigosa tendência do crescimento vegetativo do sistema Justiça, rumo ao infinito e cada vez mais questionado por uma sociedade iníqua e desigual como a brasileira.

Anoreg/PR – Durante a pandemia, os cartórios passaram por uma grande revolução tecnológica, efetivando grande parte dos atos de forma online. Como avalia a presença da tecnologia na prestação de serviços extrajudiciais?

José Renato Nalini - O avanço tecnológico das delegações extrajudiciais é evidente. Sem as amarras burocráticas do serviço estatal da administração direta, houve desenvoltura dos delegatários para a adoção de práticas somente depois utilizadas pelo sistema da Justiça. A severa seleção dos titulares das serventias dotou todas as categorias de verdadeiros polímatas, pois conhecem informática, eletrônica, telemática, gestão, cultivam com facilidade as competências socioemocionais que a educação tradicional negligenciou e se converteram num dos “cases” mais exitosos da República Federativa do Brasil. O resultado seria ainda maior se o CNJ incentivasse a criatividade, a engenhosidade, favorecesse a ousadia, para que o extrajudicial suprisse as deficiências de um sistema ainda sofisticado e arcaico para a realidade brasileira, com cinco Justiças, duas delas comuns, quatro instâncias e inúmeras possibilidades de reapreciação do mesmo tema, diante de um quadro recursal caótico e surreal.

Anoreg/PR – O senhor foi presidente e corregedor-geral do Tribunal de Justiça de São Paulo entre os anos de 2012 e 2015. Quais foram as principais iniciativas feitas junto ao foro extrajudicial durante a sua gestão?

José Renato Nalini - Na verdade, recebi mais do extrajudicial do que ofereci ao setor. Foram as delegações extrajudiciais que permitiram a instalação dos “cartórios do futuro”, aparelharam as Varas de Registros Públicos, propiciaram a experiência da audiência de custódia, na feliz coincidência – e digo que não há coincidência, o que chamamos assim não é senão a lógica da Providência – de estar na presidência do STF o ministro Ricardo Lewandowski e na Secretaria da Justiça o hoje ministro Alexandre de Moraes. São Paulo inovou e, mais uma vez, foi pioneiro nessa iniciativa. Mas contei com uma equipe muito afinada e audaciosa, que reviu e atualizou as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, conferiu notável avanço à Regularização Fundiária, que deveria ser um tema de política de Estado e que é cada dia mais importante no momento em que a economia tupiniquim fragilizada precisa de alavancas de regeneração. A única frustração foi a suspensão, pelo CNJ, do Provimento que instaurava a conciliação extrajudicial, mera leitura do que já dispõe a lei de regência dos serviços notariais e registrais, por um ato monocrático da representante da OAB, justamente a entidade que questionou essa providência salutar, que só veio a surgir cinco anos depois.

Anoreg/PR – Atualmente, o senhor é detentor da Cadeira n. 2 na Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral. Como avalia a iniciativa da Anoreg/PR na criação da Academia?

José Renato Nalini - As Academias constituem uma resistência para o menosprezo à cultura, alimentado por um consumismo irracional e imediatista. É no seio de instituições como a Academia – e penso nesse verbete com uma compreensão dilatada e genérica – que se pode cultivar a verdade, o bem e o belo. Valores que se confundem quando pessoas de bem e com reta intenção se congregam sem outro objetivo, senão a busca da perfectibilidade humana. Louvo a Anoreg/PR e a Dra. Mônica Della Vecchia, além do desembargador Ricardo Henry Marques Dip, os idealizadores desta auspiciosa jornada que ora se inicia com tanto brilho.

Anoreg/PR – Quais são as expectativas para os estudos que poderão ser desenvolvidos na Academia Paranaense?

José Renato Nalini - Estou impregnado da cultura ESG, um conceito que pode ser a tábua de salvação para um planeta prestes ao exaurimento de suas condições de continuar a ser o habitat para qualquer espécie de vida. Penso que as delegações extrajudiciais poderão desenvolver excelente trabalho para a absorção desse conceito e para revolucionar todo o sistema Justiça, a partir de sua desenvoltura. O futuro é imprevisível e inesperado. Cumpre estar atento para mostrar que a solução do constituinte em relação às delegações extrajudiciais deveria servir para outros encargos do Estado, cuja estrutura tentacular não condiz com o PIB nacional. No seio de uma Instituição como a Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral poderão se desenvolver estudos tendentes a uma urgente reinvenção do Estado, a partir do seu sistema Justiça.

Anoreg/PR – Qual sua visão sobre o futuro da atuação extrajudicial na prestação dos serviços à população?

José Renato Nalini - É preciso ousar e ampliar o rol de atribuições das delegações extrajudiciais, pois sua eficiência é muito superior à de qualquer organismo estatal. Ainda há muito a ser explorado e as urgências da facilitação do crédito abrem inúmeras perspectivas para as serventias, assim como a conversão do Registro Civil das Pessoas Naturais em “Ofícios de Cidadania” precisa servir de inspiração para as demais categorias. Todas elas podem suprir a burocracia estatal e oferecer à população serviços de melhor qualidade, sempre com dispêndio menor do que aquele verificado na prestação direta. Uma Academia é a instância adequada para preservar a qualidade e a tradição dos serviços desempenhados pelos antigos cartórios, mas adentrar sem receio ao universo da profunda mutação gerada pela Quarta Revolução Industrial. E consta que a Quinta está a caminho...

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Fonte: IRIB, com informações da Assessoria de Comunicação da ANOREG/PR (Foto: ANSP).



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