Em 05/09/2010

Ministro Ayres Britto nega liminar e mantém teto de remuneração de interino de serviço extrajudicial


Em decisão monocrática, ministro reconheceu determinação do Conselho Nacional de Justiça


Carlos Ayres Britto, ministro do STFO Supremo Tribunal Federal, através da decisão monocrática proferida pelo Ministro Ayres Brito na Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 28959 – DF, reconheceu a determinação do Conselho Nacional de Justiça, no sentido de que deve ser depositada na conta do erário a diferença entre receitas e despesas da unidade que excederem o valor fixado como teto de remuneração do interino de serviço extrajudicial, bem como impede a contratação de novos prepostos; o aumento de salário e a contratação de novas locações de bens móveis ou imóveis, de equipamentos ou de serviços, “que possam onerar a renda da unidade vaga de modo continuado, sem a prévia autorização do respectivo tribunal a que estiver afeta a unidade do serviço”.

No caso analisado, a impetrante sustenta a violação ao seu direito líquido e certo, já que a atividade notarial e registral deve ser exercida em caráter privado, cabendo aos responsáveis pela prestação dos serviços a percepção integral dos emolumentos e a contratação de escreventes, com remuneração livre e ajustada pela legislação trabalhista, com base no art. 236, da Constituição Federal e arts. 20, 28 e 39, da Lei nº 8.935/94.

Em sua decisão, o Ministro Ayres Britto, analisando a natureza jurídica dos serviços notariais e de registro, conclui que estes são típicas atividades estatais, mas não são serviços públicos propriamente ditos. Neste diapasão, sustenta que, ao vagar a Serventia, a delegação é revertida ao poder delegante (Estado), cabendo a este a percepção da renda obtida pela Serventia. Afirma que extinta a delegação do notário ou registrador, a autoridade competente designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente da Serventia e abrirá concurso de provas e títulos, no prazo máximo de seis meses, conforme disposição do art. 39, § 2º, da Lei nº 8.935/94. Destaca, portanto, a transitoriedade da condição do substituto designado, não lhe sendo possível invocar nenhum direito adquirido. O Ministro argumenta ainda que, decorrido o prazo de seis meses, a situação do substituto se modifica, passando de transitória para indefinida, não mais sendo legitimado para exercer a função notarial e registral sem prévia aprovação em concurso público de provas e títulos.

Diante de tais argumentos o Relator indeferiu a liminar, assim se pronunciando:

Tenho que, neste juízo prefacial, a solução adotada pelo Conselho Nacional de Justiça é a mais adequada. Ainda que heterodoxa e precariamente, dá-se uma reversão do serviço ao Poder Público. Reversão que, além de não poder se protrair no tempo (sob pena, inclusive, de responsabilização administrativa da autoridade), gera as consequências versadas no ato tido por coator, notadamente no que concerne à renda e à administração da serventia. Solução diversa acabaria por beneficiar indevidamente alguém escolhido por critérios subjetivos, sem observância dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. Em situações extremas como a deste processo, prefiro abrandar, excepcional e temporariamente, a regra do caráter privado do exercício dos serviços notariais e de registro do que abalroar os princípios fundamentais da impessoalidade e da moralidade.

Confira a íntegra da decisão:

MS 28959 MC / DF – DISTRITO FEDERAL

MEDIDA CAUTELAR EM MANDADO DE SEGURANÇA

Relator(a):Min. AYRES BRITTO

Julgamento:23/08/2010

Publicação

DJe-159 DIVULG 26/08/2010 PUBLIC 27/08/2010

Partes

IMPTE.(S): ELIANE DORNELLES DE DORNELLES

ADV.(A/S): ELISIANE DE DORNELLES FRASSETTO E OUTRO(A/S)

IMPDO.(A/S): CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

IMPDO.(A/S): CONSELHO NACIONAL DE JUSTICA

ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

LIT.PAS.(A/S): UNIÃO

ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

DECISÃO:

Vistos, etc.

Trata-se de mandado de segurança, aparelhado com pedido de medida liminar, impetrado por Eliane Dornelles de Dornelles contra ato do Conselho Nacional de Justiça. Ato consubstanciado em decisão do Corregedor Nacional de Justiça, datada de 09 de julho de 2010.

2. Argui a autora que foi designada, em 26 de novembro de 2008, pela Direção do Foro da Comarca de São Gabriel/RS para responder, em caráter precário, pelo expediente do Cartório de Registros Especiais e Protestos da mesma comarca (Portaria 60/08-DF).

Isso em decorrência do falecimento do titular da serventia e até a assunção do novo delegatário, após a realização de concurso público. Alega que “foi surpreendida com a decisão publicada no Diário da Justiça Eletrônico que determinou, dentre outras coisas, o depósito da renda da Serventia em conta do Estado”. Decisão que, além de ordenar o mencionado depósito, proibiu: a) a contratação de novos prepostos; b) o aumento de salários; c) a contratação de novas locações de bens móveis ou imóveis, de equipamentos ou de serviços, “que possam onerar a renda da unidade vaga de modo continuado, sem a prévia autorização do respectivo tribunal a que estiver afeta a unidade do serviço”.

3. Sustenta a impetrante violação a seu direito líquido e certo. É que, para ela, os serviços notariais e de registro devem ser exercidos em caráter privado, cabendo aos responsáveis por sua prestação a percepção dos emolumentos integrais e a contratação de escreventes “com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho”. Tudo nos termos do art. 236 da Constituição Federal e dos arts. 20, 28 e 39 da Lei 8.935/94. Daí requerer a concessão de liminar para suspender o ato impugnado, “com a consequente manutenção da Impetrante no status quo em relação à percepção da integralidade dos emolumentos, autonomia administrativa e financeira e gestão da Serventia Extrajudicial”.

4. Pois bem, antes de apreciar o pedido de medida liminar, solicitei informações à autoridade apontada como coatora. Informações em que o impetrado argui que “o delegado não é servidor público, conforme já reconheceu esse C. Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.602”, mas, “quando desprovido de delegado, o serviço é revertido ao poder delegante. Em conseqüência, os direitos e privilégios inerentes à delegação, inclusive a renda obtida com o serviço, pertencem ao Poder Público”.

5. Feito esse aligeirado relato da causa, passo à decisão. Fazendo-o, pontuo, de saída, que o poder de cautela dos magistrados é exercido num juízo delibatório em que se mesclam num mesmo tom a urgência da decisão e a impossibilidade de aprofundamento analítico do caso. Se se prefere, impõe-se aos magistrados condicionar seus provimentos acautelatórios à presença, nos autos, dos requisitos da plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni juris) e do perigo da demora na prestação jurisdicional (periculum in mora), perceptíveis de plano. Requisitos a ser aferidos primo oculi, portanto. Não sendo de se exigir, do julgador, uma aprofundada incursão no mérito do pedido ou na dissecação dos fatos que a este dão suporte, senão incorrendo em antecipação do próprio conteúdo da decisão definitiva.

6. No caso, verifico estarem ausentes os requisitos para a concessão da liminar. Começo por dizer que a correta solução deste mandado de segurança passa pela análise da natureza jurídica dos serviços que a Lei Maior da República sintetizou sob o nome de “serviços notariais e de registro” (art. 236, cabeça e § 2º). Quero dizer, a formulação de qualquer juízo, ainda que provisório, deve ser precedida da análise do tratamento constitucional conferido às atividades notariais e de registro (registro “público” já é adjetivação feita pelo inciso XXV do art. 22 da Constituição, versante sobre a competência legislativa que a União detém com privatividade).

Com esse propósito, reproduzo trecho do voto que proferi na ADI 3.089, in verbis:

(…) anoto que as atividades em foco deixaram de figurar no rol dos serviços públicos que são próprios da União (incisos XI e XII do art. 21, especificamente). Como também não foram listadas enquanto competência material dos Estados, ou dos Municípios (arts. 25 e 30, respectivamente). Nada obstante, é a Constituição mesma que vai tratar do tema já no seu derradeiro título permanente (o de nº IX), sob a denominação de “DISPOSIÇÕES GERAIS”, para estatuir o seguinte:

‘Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º. Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciários.

§ 2º. Lei federal estabelecerá normais gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.’

14. Mas não fica por aqui a regração constitucional-federal sobre a matéria, porque o ADCT também dispôs sobre o mesmo assunto, nos seguintes termos:

‘Art. 32. O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo poder público, respeitando-se o direito de seus servidores.’

15. Pois bem, daqui se infere que, tirante os serviços notariais e de registro já oficializados até o dia 05 de outubro de 1988, todos os outros têm o seu regime jurídico fixado pela parte permanente da Constituição Federal. Mais precisamente, os demais serviços notariais e de registro têm o seu regime jurídico centralmente estabelecido pelo art. 236 da Lei Republicana. Um regime jurídico, além do mais, que pensamos melhor se delinear pela comparação com o regime igualmente constitucional dos serviços públicos, versados estes, nuclearmente, no art. 175 da Lei Maior. Por isso que, do confronto entre as duas categorias de atividades públicas, temos para nós que os traços principais dos serviços notariais e de registro sejam os seguintes:

I – serviços notariais e de registro são atividades próprias do Poder Público (logo, atividades de natureza pública), porém obrigatoriamente exercidas em caráter privado (CF, art. 236, caput). Não facultativamente, como se dá, agora sim, com a prestação dos serviços públicos, desde que a opção pela via estatal (que é uma via direta) ou então pela via privada (que é uma via indireta) se dê por força de lei de cada pessoa federada que titularizar tais serviços;

II – cuida-se de atividades estatais cuja prestação é traspassada para os particulares mediante delegação. Não por conduto dos mecanismos da concessão ou da permissão, normados pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dos serviços públicos;

III – a delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais. Ao revés, exprime-se em estipulações totalmente fixadas por lei. Mais ainda, trata-se de delegação que somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma “empresa” ou pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público;

IV – para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos. Não por adjudicação em processo licitatório, regrado pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público;

V – está-se a lidar com atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo (sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos). Atividades, enfim, que não se remunera por “tarifa” ou preço público, mas por uma tabela de emolumentos que se pauta por normas gerais estabelecidas em lei federal.

Características de todo destoantes daquelas que são inerentes ao regime dos serviços públicos.

16. Numa frase, então, serviços notariais e de registro são típicas atividades estatais, mas não são serviços públicos, propriamente. Categorizam-se como função pública, a exemplo das funções de legislação, justiça, diplomacia, defesa nacional, segurança pública, trânsito, controle externo e tantos outros cometimentos que, nem por ser de exclusivo senhorio estatal, passam a se confundir com serviço público. Quero dizer: cometimentos que se traduzem em atividades jurídicas do Estado, sem adentrar as fronteiras da prestação material em que os serviços públicos consistem.

17. Em palavras outras, assim como o inquérito policial não é processo judicial nem processo administrativo investigatório, mas inquérito policial mesmo (logo, um tertium genus); assim como o Distrito Federal não é um Estado nem um Município, mas tão-somente o próprio Distrito Federal; assim como os serviços forenses não são mais uma entre tantas outras modalidades de serviço público, mas apenas serviços forenses em sua peculiar ontologia, ou autonomia entitativa, também assim os serviços notariais e de registro são serviços notariais e de registro, simplesmente, e não qualquer outra atividade estatal. (…).

7. Como se vê, os serviços notariais e de registro, ainda que exercidos em caráter privado, são típicas atividades estatais. Embora o exercício dessas atividades esteja a cargo de particulares, desvestidos da condição de servidores públicos, a titularidade dos serviços continua com o Estado. Tanto que se faz necessária a “delegação do poder público” (caput do art. 236 da CF). Delegação que se faz em favor de pessoa natural devidamente aprovada em concurso público de provas e títulos. Delegatário que, nesta condição, faz jus “à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia” (art. 28 da Lei 8.935/94).

8. O que se dá, porém, quando uma serventia fica vaga, sabido que “o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos”? Noutros termos: enquanto não se tem o vencedor do certame, quem responde pela atividade notarial? Pois bem, em homenagem ao princípio da continuidade do serviço, assim dispõe o § 2º do art. 39 da Lei 8.935/94:

§ 2º. Extinta a delegação a notário ou a oficial de registro, a autoridade competente declarará vago o respectivo serviço, designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente e abrirá concurso.

9. Cabe, portanto, ao substituto mais antigo, com todos os ônus e bônus da atividade, manter a serventia extrajudicial enquanto o novo titular não se investe na delegação estatal. Situação que, neste meu juízo prefacial, não viola a exigência do concurso público para ingresso na atividade notarial e de registro. Primeiro, porque o substituto exerce a atividade em caráter precário, jamais podendo invocar qualquer direito adquirido. Segundo, porque o próprio dispositivo legal determina a imediata abertura de concurso público, no que, aliás, afina com a parte final do § 3º do art. 236 da Constituição Federal (“não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”).

10. Não é raro, no entanto, que se esgotem os seis meses de que trata o § 3º do art. 236 da Constituição Federal (prazo máximo considerado razoável para a realização de concurso público) sem que o novo delegatário assuma as respectivas funções. Nesse caso, a condição do substituto passa de transitória a indefinida, já não mais se legitimando o exercício da função notarial e de registro sem aprovação em concurso público de provas e títulos. O que fazer, então, quando a Administração judiciária se vê diante de tal quadro? Não há delegatário regularmente constituído e já se esvaiu o tempo de transição constitucionalmente aceito (seis meses) para a designação precária do substituto.

11. Tenho que, neste juízo prefacial, a solução adotada pelo Conselho Nacional de Justiça é a mais adequada. Ainda que heterodoxa e precariamente, dá-se uma reversão do serviço ao Poder Público. Reversão que, além de não poder se protrair no tempo (sob pena, inclusive, de responsabilização administrativa da autoridade), gera as consequências versadas no ato tido por coator, notadamente no que concerne à renda e à administração da serventia. Solução diversa acabaria por beneficiar indevidamente alguém escolhido por critérios subjetivos, sem observância dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. Em situações extremas como a deste processo, prefiro abrandar, excepcional e temporariamente, a regra do caráter privado do exercício dos serviços notariais e de registro do que abalroar os princípios fundamentais da impessoalidade e da moralidade.

12. Por fim, anoto que, no caso dos autos, a interinidade da impetrante já dura mais de seis meses.

13. Ante o exposto, indefiro a liminar, sem prejuízo de u’a mais detida análise quando do julgamento do mérito.

14. Intime-se o Advogado-Geral da União. Após, dê-se vista dos autos ao Procurador-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 23 de agosto de 2010.

Ministro AYRES BRITTO, Relator.

 

Fonte: InfoIRIB - Jurisprudência Selecionada



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