MPF/MG ajuíza ação contra o Incra para efetivar assentamento agrário no Triângulo Mineiro
Fazenda São Domingos, em Tupaciguara, foi desapropriada há mais de dez anos e até hoje agricultores não receberam os lotes a que teriam direito
O Ministério Público Federal em Uberlândia (MPF) ajuizou ação civil pública para obrigar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a concluir o processo de seleção e assentamento de beneficiários no Projeto de Assentamento (PA) São Domingos, município de Tupaciguara, no Triângulo Mineiro.
A desapropriação do imóvel, que conta com 2.146 hectares, ocorreu em 2006 e custou aos cofres públicos quase 10 milhões de reais. A previsão é que fossem assentadas no local 177 famílias.
No entanto, passados mais de 10 anos, até hoje o imóvel ainda não foi dividido em lotes individuais para entrega aos destinatários. A demora deve-se, segundo o próprio Incra, a um impasse com o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL), entidade que atuou em favor da desapropriação do imóvel para fins de reforma agrária e insistia para que a concessão do imóvel fosse feita de forma coletiva.
Segundo a ação, "a desídia do Incra no cumprimento de seus deveres legais vem permitindo que agricultores familiares, pessoas de origem humilde que se encontram acampados na fazenda em condições precárias, fiquem à mercê e sob total dependência de supostas lideranças, que se valem de ameaças e outros expedientes ilícitos para expulsar aqueles que divirjam de suas determinações, agindo como se fossem os legítimos donos do bem público".
Denúncias que chegaram ao conhecimento do MPF relatam que lideranças do Movimento teriam expulsado algumas das 165 famílias inicialmente cadastradas e homologadas pelo Incra e impedido a divisão da fazenda em lotes. Além disso, segundo as denúncias, "os líderes do MTL estariam praticando diversas irregularidades, como arrendamento da terra para plantio de soja e criação de gado por latifundiários de Tupaciguara, apropriação ilícita de recursos repassados pelo Governo Federal e furto de gado na região".
Nos últimos anos, prossegue o MPF, "A situação de descontrole governamental é tamanha, que há notícia até de que um grupo armado ligado ao narcotráfico teria se instalado no local".
Vistorias e relatórios - As irregularidades são de conhecimento da autarquia pelo menos desde 2009.
Em dezembro daquele ano, servidores do Incra, após visita ao PA São Domingos, relataram que das 165 famílias originalmente previstas para o assentamento permaneciam na área apenas cerca de 40, em condição de acampamento, várias delas não cadastradas nem homologadas, e que "lamentavelmente um grupo de poucos está levando vantagens de um empreendimento governamental, que deveria ser unicamente pelo social".
Naquela oportunidade, os técnicos registraram que 30% da renda da exploração do imóvel era revertida para uma cooperativa criada pelo MTL e 70%, para os cooperados; que a maior parte do imóvel estava arrendada para plantio de soja e criação de gado; que a maior parte das famílias homologadas na RB não aderira ao projeto de exploração coletiva, por isso a grande evasão de assentados; que os dirigentes do MTL e poucas famílias estavam usufruindo dos rendimentos dos arrendamentos e das culturas, às custas do patrimônio público, sem que fossem prestadas contas ao Incra ou aos assentados; e que a sociedade local estava indignada com a omissão do Incra em relação às transgressões do MTL no imóvel.
Embora encaminhassem à direção do órgão no estado várias sugestões para efetiva implantação do assentamento, inclusive destacando que “não há autorização legal para titulação coletiva, seja na fase de concessão de uso, seja na fase de título de domínio” e que movimentos sociais, embora tenham papel importante no desenvolvimento dos assentamentos, desde a obtenção da área até sua consolidação, "não podem nem devem substituir o Incra nas ações que são de sua exclusiva competência, como o é o processo de seleção e assentamento de famílias”, os trabalhos foram suspensos.
Um ano depois, em 2010, o Incra informou que o impasse quanto ao modelo de assentamento persistia e solicitou ao MPF investigação sobre o arrendamento das terras do PA São Domingos por parte da Cooperativa Agropecuária Mista de Empreendimento Rural Comunitário do Assentamento São Domingos (Coerco). Em nova visita feita ao assentamento, em dezembro daquele ano, servidora do Incra identificou que apenas 23 famílias constantes da relação de beneficiários permaneciam no local. Foi também efetuado o cadastro de outras 33 famílias, indicadas pelo MTL, que viviam na área e trabalhavam para a Coerco.
Em maio de 2011, o MPF requereu novas informações. O Incra informou o recadastramento e identificação dos beneficiários do PA, assim como a instauração de uma Comissão de Sindicância para investigar a questão do arrendamento das terras.
Protelação - Nos anos seguintes, enquanto o processo para implementação do assentamento das famílias no PA São Domingos ficou tramitando entre vários setores do Incra, sem qualquer avanço concreto, continuaram chegando ao MPF e à Ouvidoria Agrária Nacional denúncias sobre a continuidade das irregularidades praticadas pelos dirigentes do MTL, entre elas, a exploração das famílias acampadas, o arrendamento de terras do assentamento para latifundiários e o desvio de recursos em benefício próprio.
Para exemplificar, a ação relata que, no período de 2010 a 2012, 140 hectares da Fazenda São Domingos foram arrendados para um fazendeiro local, para criação de cerca de 600 cabeças de gado. Ele pagou em torno de cinco mil reais por mês a dirigentes do MTL e da Coerco, totalizando, nos três anos da locação, R$ 180 mil. Além desse, de 2010 a 2014, outros 400 hectares de terras do assentamento foram arrendadas para um produtor de soja, tendo sido pagos, nos quatro anos da locação, cerca de R$ 1,2 milhões.
Em julho de 2013, o Incra encaminhou ao MPF cópia da ordem de serviço para elaboração da proposta de anteprojeto de parcelamento e determinação da capacidade de
assentamento do PA São Domingos, informando que, após a conclusão desse serviço, convocaria os candidatos constantes da relação de beneficiários para atualizarem seus cadastros, celebrarem os contratos e ocuparem suas parcelas. Foi apresentado ainda relatório de visita ao PA, ocorrida em maio de 2013, quando se constatou que apenas 27 famílias constantes da RB permaneciam no assentamento, havendo outras 44 famílias, em situação de irregularidade, vivendo no local.
O projeto de parcelamento somente foi concluído dois anos depois, em outubro de 2015, com a redução da capacidade do projeto para 85 lotes.
Mas, novamente, passados 16 meses, as ações para a implantação do PA São Domingos encontram-se paralisadas, em função da não aprovação, até o momento, da redução da capacidade de assentamento por parte da Direção Central do Incra. O órgão também alega que o Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão 775/16, suspendeu, entre outras providências no âmbito da reforma agrária, os processos de seleção de novos beneficiários e de assentamento de beneficiários já selecionados.
Pedidos - Para o MPF, a situação não pode permanecer da forma como vem se arrastando ao longo dos últimos dez anos. "Além do enorme dispêndio de recursos públicos federais empregados no processo de desapropriação - mais de 10 milhões de reais -, a situação de descontrole gera um inequívoco sentimento de revolta na população local, além de angústia e impotência frente à exploração ilegal das terras públicas por um pequeno grupo de particulares, com interesses pessoais e políticos espúrios", afirma o procurador da República Leonardo Andrade Macedo, autor da ação.
Ele pede que a Justiça Federal conceda liminar determinando que o Incra, no prazo de 30 dias, decida de modo definitivo sobre a proposta de redução da capacidade do assentamento, e que, em 90 dias, adote todas as medidas administrativas para o cadastramento e classificação de candidatos às vagas remanescentes para o Projeto de Assentamento São Domingos, independentemente de o interessado ser ou manter-se filiado a algum movimento ou entidade de classe.
A ação também pede que, em 180 dias, sejam celebrados os contratos de concessão de uso e entregues os lotes aos beneficiários selecionados pelo Incra em processo público e transparente.
Por fim, o Ministério Público Federal também pediu a condenação do Incra por dano moral coletivo no valor mínimo de um milhão de reais, a ser aplicado na implementação de benfeitorias de interesse coletivo no PA São Domingos.
ACP nº 2665-65.2017.4.01.3803
Fonte: MPF/MG
Em 20.3.2017
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