SP: Remanescentes de quilombo ganham terra por usucapião
A sentença foi proferida no último dia 24 de março, em Ação de Usucapião impetrada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
Menos de um mês antes do Supremo Tribunal Federal julgar a constitucionalidade do Decreto 4.887/2003, que regulamenta identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, a 4ª Vara Federal de Santos, em São Paulo, determinou a transferência de terras de uma empresa para um grupo de famílias descendentes de quilombolas. A sentença foi proferida no último dia 24 de março, em Ação de Usucapião impetrada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que representou as famílias.
No caso, a Advocacia-Geral da União (AGU), por meio da Procuradoria Federal Especializada do Incra, entrou, em movimento inédito, como substituta processual às famílias dos descendentes de quilombolas. Em vez de representar o Incra, agiu em nome da Associação de Remanescentes de Quilombos do Bairro André Lopes, na cidade de Eldorado Paulista, no Vale do Ribeira, sul de São Paulo.
Para isso, usou do Decreto 4.887/2003, que trata da desapropriação de terras em nome de descendentes de quilombolas. O artigo 15 do decreto autoriza o Incra a representar “os interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos das questões surgidas em decorrência da titulação de suas terras”. Alegou, então, legitimidade extraordinária para representar as famílias paulistas.
As terras pertenciam à empresa Alagoinha Empreendimentos, mas, de acordo com documentos apresentados pelo Incra ao juízo, eram ocupadas “há muito mais de dez anos” pelas famílias, “de forma mansa, pacífica e ininterrupta”. Com isso, o prazo para a companhia alegar a propriedade da terra já havia prescrito, configurando o usucapião dos descendentes de quilombolas.
Diferentemente do que acontece com as terras de reservas indígenas, que pertencem à União, mas são ocupadas pelos índios, os terrenos ocupados pelos quilombolas são de sua titularidade. Isso de acordo com o que está descrito no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT): “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
Então, em vez de expropriar a terra e repassar a propriedade, o órgão pediu para que a Justiça declarasse a posse, por direito, das famílias, sem que precisassem ser "atravessadas". Fazer o contrário, afirma o Incra, seria um “verdadeiro atentado ao erário”. O pedido foi aceito pelo juiz, e a Ação de Usucapião foi acolhida pela 4ª Vara Federal de Santos.
Ocupantes por direito
Para comprovar que as famílias do bairro André Lopes são, de fato, descendentes de ex-escravos quilombolas, o Incra apresentou um relatório técnico-científico de autoria do Instituto de Terras de São Paulo (Itesp), ligado à Secretaria de Justiça do governo estadual. O estudo afirma que a história do bairro André Lopes, no Vale do Ribeira, remonta ao século XVII, quando a região era usada para exploração de ouro.
O relatório do governo de São Paulo conclui que o bairro faz parte “um conjunto maior de inúmeras comunidades rurais de população afrodescendente no Vale do Ribeira, cujas origens remontam à história do ciclo minerador iniciado na região no século XVII, e à história do ciclo rizicultor [de plantações de arroz], que teve seu ápice no século XIX”.
Conclusão semelhante à da Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, que diz serem "descendentes de homens e mulheres negros escravizados, e cujas origens estão diretamente ligadas à história da escravidão ocorrida no Vale do Ribeira”.
Baseada nos documentos e no que diz o artigo 68 do ADCT, a juíza do caso, Alessandra Nuyens Aguiar Aranha, decidiu pelo “reconhecimento da posse centenária, ininterrupta e pacífica das terras dos quilombos aos seus remanescentes, no momento da promulgação da Constituição Federal de 1988, cabendo-lhes declarar o direito à aquisição da propriedade ocupada de forma coletiva”.
Competência usurpada
Por mais que a posição do Incra, e a decisão da Justiça Federal, tenha sido inovadora, elas podem cair por terra. É que a constitucionalidade do Decreto 4.887/2003, em que se baseou a AGU para fazer o pedido, está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal.
Em Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta pelo antigo PFL, hoje DEM, é alegado que o decreto usurpou a competência do Congresso Nacional para tratar de questões fundiárias. Diz o partido que somente leis podem tratar de procedimentos que acarretem em despesas ao erário, como no caso de expropriação de terras pelo Incra em nome de comunidades quilombolas.
O caso deve ser discutido pelo Supremo nesta quarta-feira (18/4), e está sob relatoria do ministro Cezar Peluso. Será o último grande caso relatado por Peluso enquanto ele ainda está, formalmente, na presidência. A partir da quinta-feira (19/4), o ministro deixa o cargo nas mãos do atual vice-presidente, ministro Ayres Britto.
Fonte: Conjur
Em 18.4.2012
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