Em 05/09/2010

STJ: prévia averbação de reserva florestal é necessária para retificação de área


No caso analisado, o proprietário do imóvel rural pretendia realizar retificação de área em virtude de divergência entre a área real e a constante na matrícula


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o Recurso Especial nº 831.212 – MG que tratou acerca da retificação de área de imóvel e da necessidade de prévia averbação de área de reserva florestal, prevista no Código Florestal. A Turma, que teve como relatora a Ministra Nancy Andrighi, decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial.

No caso apresentado, o proprietário do imóvel rural pretendia realizar retificação de área em virtude de divergência entre a área real e a constante na matrícula. O Ministério Público mineiro se opôs ao procedimento retificatório alegando, em síntese, que a retificação não seria possível por não ter sido realizada previamente a averbação da área de reserva florestal, no importe de 20% do tamanho do imóvel, violando o art. 16, §8º, do Código Florestal.

A Turma entendeu que a prévia averbação da reserva florestal é necessária, pois tal obrigação, embora não decorrente da interpretação literal do artigo a que se alega violação, não implica em dizer que ela seja descabida. No caso, os Ministros entenderam que deve permanecer a interpretação teleológica do dispositivo legal, devendo ser analisada a referida obrigação como sendo voltada a todo o sistema de preservação ambiental. Neste sentido, vale a transcrição de pequeno trecho do decisum:

Como é cediço, sempre que uma lei comportar mais de uma interpretação, é necessário interpretá-la do modo mais coerente com o sistema na qual está inserida. A defesa do meio ambiente naturalmente implica restrição ao direito de propriedade. E a melhor forma de tornar efetiva essa obrigação, como bem notado pelo STJ no já citado julgamento do RMS 18.301/MG, é a de vincular qualquer modificação na matrícula do imóvel à averbação da reserva florestal. Interpretar a norma do art. 16 da Lei 4.771⁄65 de outra maneira implicaria retirar do art. 212 da CF/88 e de seus incisos parte de seu potencial de proteção ambiental.

Confira a íntegra da decisão:

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RECURSO ESPECIAL Nº 831.212 – MG (2006/0062192-7)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

RECORRIDO: WANDER DOS REIS ANDRADE E CÔNJUGE

ADVOGADO: RAUL MÁRIO DELGADO

EMENTA

Direito ambiental. Pedido de retificação de área de imóvel, formulado por proprietário rural. Oposição do MP, sob o fundamento de que seria necessário, antes, promover a averbação da área de reserva florestal disciplinada pela Lei 4.771/65. Dispensa, pelo Tribunal. Recurso especial interposto pelo MP. Provimento.

- É possível extrair, do art. 16, §8º, do Código Florestal, que a averbação da reserva florestal é condição para a prática de qualquer ato que implique transmissão, desmembramento ou retificação de área de imóvel sujeito à disciplina da Lei 4.771/65.

Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti.

Brasília (DF), 1º de setembro de 2009 (Data do Julgamento) 

MINISTRA NANCY ANDRIGHI, Relatora 

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, objetivando impugnar acórdão exarado pelo TJ/MG no julgamento de recurso de apelação.

Ação:de Retificação de Registro Público, proposta por WANDER DOS REIS ANDRADE e sua esposa, SANDRA MARIA CRUVINEL ANDRADE. Os autores alegam que adquiriram propriedade rural e que, procedendo a medição técnica do bem, constataram que sua área real seria maior que a constante do registro. A ação de retificação foi proposta com a anuência de seis confrontantes do imóvel, requerendo-se a citação dos demais. As citações foram procedidas, sem oposições.

Parecer do MP:contrário à retificação, em primeiro grau, por dois motivos: primeiro, porque a retificação implicaria aumento de quase dez vezes sobre a área anteriormente constante da matrícula; segundo, por ausência de averbação, na matrícula, de reserva florestal equivalente a 20% da área do imóvel.

Sentença:julgou procedente o pedido, contrariamente ao parecer ministerial.

Recurso de apelação:interposto pelo MP/MG, pelos dois fundamentos desenvolvidos no parecer anterior.

Parecer do MP em 2º grau:pelo provimento do recurso apenas quanto ao segundo fundamento, relativo à necessidade de averbação da reserva legal.

Acórdão:negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:

JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA – RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE IMÓVEL – ALTERAÇÃO DE ÁREA – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO FUNDAMENTADA – ADEQUAÇÃO DO REGISTRO À SITUAÇÃO DE FATO PREEXISTENTE – ADMISSIBILIDADE – AVERBAÇÃO DE RESERVA LEGAL.

Comprovada a divergência para maior entre a área real do imóvel e aquela lançada no assento do registro público, aliado ao fato de inexistir impugnação fundamentada pelos confrontantes, tem o proprietário direito à sua retificação, na forma do art. 1.247 do Código Civil, e dos artigos 212 e 213 da Lei de Registros Públicos. Descabe a pretensão ministerial no tocante à averbação de reserva legal, com fundamento no Código Florestal (art. 16), visto tratar-se de pedido incompatível com a natureza do procedimento retificatório, de jurisdição voluntária (arts. 213, e §§ da Lei nº 6.015/73).

Embargos de declaração:opostos pelo MP/DF, foram rejeitados.

Recurso especial:interposto com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional. O recorrente alega violação aos arts. 535, II, do CPC, pela rejeição dos embargos de declaração opostos, bem como ao art. 16, §8º, do Código Florestal (Lei 4.771/65), pela inexigência de averbação da área florestal no imóvel, antes da retificação de sua matrícula.

Admissibilidade:O recurso foi admitido na origem.

Parecer do MPF:pelo provimento do recurso, subscrito pelo i. Subprocurador-Geral da República Durval Tadeu Guimarães.

É o relatório. 

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

I – Delimitação da contovérsia

Cinge-se a lide a estabelecer se o deferimento de pedido, formulado pelo proprietário, de retificação de área de imóvel  rural, pode ser condicionado à prévia averbação, na respectiva matrícula, da reserva florestal estabelecida por lei. 

II – Violação ao art. 535 do CPC

O MP/MG, ora recorrente, argumenta, preliminarmente, que há violação ao art. 535, II, do CPC. O motivo é o de que o TJ/MG, ao decidir este processo, mencionou expressamente o art. 16, §2º do Código Florestal, em lugar do respectivo §8º, que é a norma efetivamente aplicável à espécie.

Não há razão para acolher o pedido de anulação do julgado. Ao analisar o processo à luz do art. 16 do Código Florestal, o TJ/MG promoveu o efetivo enfrentamento das questões de fato e de direito submetidos a julgamento. Ao aplicar o art. 16, §2º do Código Florestal, em detrimento do respectivo §8º, o Tribunal efetivamente enfrenta a questão controvertida. Resta, portanto, apenas verificar se há violação a alguma dessas normas.

Rejeito a alegação de ofensa ao art. 535, II, do CPC. 

III – Violação ao art. 16, §8º, do Código Florestal

O TJ/MG denegou a pretensão formulada pelo MP/MG, de condicionar a retificação do registro do imóvel em julgamento à averbação da Reserva Florestal de 20% sobre a área, sob o fundamento de que “o procedimento retificatório não é a via adequada para tal discussão, vez que não se insere nas hipóteses previstas no artigo 213 e §§, da Lei nº 6.015/73″.

A questão, contudo, não se resolve meramente no âmbito da Lei de Registros Públicos. O art. 16, §8º, do Código Florestal dispõe, expressamente, que “a área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código”.

A questão, portanto, diz respeito a definir se a referida norma efetivamente contempla uma obrigação de se promover, previamente a qualquer pedido de retificação, a averbação da reserva legal.

Tal obrigação não decorre da literalidade do dispositivo. Com efeito, o referido §8º, por um lado, dispõe sobre a obrigatoriedade da averbação da reserva, sem nada dizer acerca do prazo em que isso deve ser feito. Por outro lado, tal norma disciplina também a inalterabilidade da averbação, depois de feita, mesmo em hipóteses de alienação, retificação ou desmembramento. Contudo, não há, ao menos expressamente, qualquer menção a que seja averbada a reserva como condição para que se autorize a alienação, averbação ou desmembramento do imóvel.

A inexistência de exigência expressa, todavia, não implica a conclusão de que ela seja descabida. É necessário interpretar teleologicamente o referido art. 16 do Código Florestal para apurar, com os olhos voltados a todo o sistema de preservação ambiental, se a pretensão formulada pelo MP/MG merece guarida.

No recurso especial o MP/MG pondera que “a obrigação de registrar a reserva legal é do proprietário, em qualquer época. As mais propícias, no entanto, são aquelas em que, por força de atos negociais, como uma compra e venda ou permuta do imóvel, há a necessidade de se promoverem alterações no registro”. Para o recorrente, portanto, o momento em que se requer a retificação da área configura “oportunidade impar de se identificar, inclusive com o auxílio do Poder Público, a área passível de ser demarcada a título de reserva legal”.

A matéria já foi analisada pelo STJ, conquanto o tenha feito em situação fática diversa da dos autos. Por ocasião do julgamento do RMS 18.301/MG (Rel. i. Min. João Otávio de Noronha, 2ª Turma, DJ de 3/10/2005), o STJ decidiu ser correta a interpretação do Código Florestal no sentido de se considerar a averbação da reserva legal como condição da transcrição de títulos aquisitivos de propriedade. Naquela oportunidade, a matéria enfrentada dizia respeito a Portaria decretada pelo Juízo de direito da Comarca de Andrelândia, MG, que dispensava referida averbação. O i. Min. Relator, durante o julgamento, após ponderar que “a lei não esclarece a oportunidade em que se deve dar tal averbação”, sustentou que “desobrigar os proprietários da averbação é o mesmo que esvaziar a lei de seu conteúdo”, complementando: “O mesmo se dá quanto ao adquirente, por qualquer título, no ato do registro da propriedade. Não há nenhum sentido em desobrigá-lo das respectivas averbações, porquanto a reserva legal é regra restritiva do direito de propriedade, tratando-se de situação jurídica estabelecida desde 1965,”

Conforme ensina Calmon de Passos (“Meio Ambiente e Urbanismo. Compreendendo, hoje, o código florestal de ontem”, in Juris Plenum, nº 19, págs. 35 a 48, esp. pág. 35), o jurista deve “trabalhar com textos revestidos de validade jurídica, mas para compreendê-los com o objetivo de aplicá-los” é necessário “ultrapassar sua literalidade e singularidade, mais que isto, contextualizá-los no todo do sistema social”.

O art. 1º da Lei 4.771/65 já estabelece de plano, a importância dos direitos por ela regulados, mencionando que “as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem”. Comentando referido dispositivo, Paulo de Bessa Antunes chega a firmar que “a abrangência da norma contida no Código é extremamente ampla, pois ela oferece uma tutela que, ‘verbi gratia’, é mais alargada do que aquela fornecida pela Ação Popular, que somente contempla o cidadão. No caso presente, até mesmo o estrangeiro é sujeito ativo de tal interesse, condição que lhe assegura o acesso aos remédios jurídicos aptos a tornar efetiva sua defesa” (Direito Ambiental, 7ª Edição, Lumen Juris, pág. 602).

Essa norma foi plenamente recepcionada pela CF/88 que, a respeito do meio ambiente, dispõe ser ele “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Como é cediço, sempre que uma lei comportar mais de uma interpretação, é necessário interpretá-la do modo mais coerente com o sistema na qual está inserida. A defesa do meio ambiente naturalmente implica restrição ao direito de propriedade. E a melhor forma de tornar efetiva essa obrigação, como bem notado pelo STJ no já citado julgamento do RMS 18.301/MG, é a de vincular qualquer modificação na matrícula do imóvel à averbação da reserva florestal. Interpretar a norma do art. 16 da Lei 4.771/65 de outra maneira implicaria retirar do art. 212 da CF/88 e de seus incisos parte de seu potencial de proteção ambiental.

Disso decorre que assiste razão ao i. representante do MP/MG no recurso especial interposto. Ao desobrigar os proprietários de averbar, na matrícula, a reserva florestal fixada por lei, como condição para a retificação da área do imóvel, o TJ/MG violou o art. 16, §8º, do Código Florestal; 

Forte em tais razões, conheço e dou provimento ao recurso especial, determinando que seja constituída área de reserva florestal no imóvel controvertido, como condição à retificação de área pleiteada, nos termos do art. 16, §8º, do Código Florestal. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2006/0062192-7 / REsp 831212 / MG              

Números Origem:  10643059305513  10643059305513003  80503  8052003

PAUTA: 01/09/2009 – JULGADO: 01/09/2009    

Relatora: Exma. Sra. Ministra  NANCY ANDRIGHI

Presidenta da Sessão: Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI 

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO

Secretária: Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

RECORRIDO: WANDER DOS REIS ANDRADE E CÔNJUGE

ADVOGADO: RAUL MÁRIO DELGADO 

ASSUNTO: Civil – Registros Públicos – Imóvel – Retificação

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti. 

Brasília, 01 de setembro de 2009 

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA, Secretária

(DJ. de 22.09.2009)

 

Fonte: InfoIRIB – Jurisprudência Selecionada



Compartilhe