TRF1 suspende licença para que indígenas sejam consultados sobre construção de hidrelétrica
A decisão é da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que negou provimento a recursos e manteve decisão da Justiça Federal de Mato Grosso
Está suspenso o licenciamento emitido para a construção da Usina Hidrelétrica de Teles Pires, na divisa dos estados de mato Grosso e Pará. A decisão é da 5ª Turma do TRF da 1ª Região, que negou provimento a recursos e manteve decisão da Justiça Federal de Mato Grosso. Representantes das comunidades indígenas afetadas estiveram no tribunal acompanhando o julgamento.
A decisão foi unânime e negou provimento aos recursos de apelação interpostos contra a sentença, da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso, que, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPMT) contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), figurando como litisconsorte passivo necessário a Companhia Hidrelétrica Teles Pires S/A (CHTP) e a União Federal, determinou a suspensão do licenciamento da Usina Hidrelétrica (UHE) Teles Pires até que se realize “consulta livre, prévia e informada” aos povos indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká, afetados pela referida obra.
Os autores alegaram, na primeira instância, que o Ibama emitiu licença prévia e licença de instalação da UHE Teles Pires em 13/12/2010 e em 19/08/2011, respectivamente, sem consulta às comunidades indígenas afetadas, o que é necessário, tendo em vista que o empreendimento “causará interferência direta nesses povos” e trará “danos iminentes e irreversíveis” para sua qualidade de vida e seu patrimônio cultural.
Os requerentes fundamentaram o pedido de suspensão do licenciamento da UHE Teles Pires em duas ordens principais de razões: ausência de consulta prévia, livre e informada, dos povos indígenas afetados quanto ao aproveitamento de recursos hídricos que ocorrerá em suas terras e violação de áreas sagradas desses povos.
O MPF destacou que a inundação das corredeiras do Salto Sete Quedas, área de notável importância para a reprodução do modo de vida dos povos indígenas afetados, causaria impactos a essas comunidades, dentre outras razões: por tratar-se de área de reprodução de peixes migratórios, base alimentar dos povos indígenas que vivem na bacia do Rio Teles Pires, e por ser local sagrado para os Munduruku, onde vivem a Mãe dos Peixes, o músico Karupi, o espírito Karubixexé e os espíritos dos antepassados.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) contestou a ação aduzindo, em síntese, que não existem terras indígenas no trecho do Rio Teles Pires onde será instalada a usina e que, embora a Convenção 169 não possua regulamentação, os preceitos contidos na norma foram respeitados, visto que houve ampla participação da população indígena no processo de licenciamento da UHE.
Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal Souza Prudente, destacou que no Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI), apesar de constarem inúmeras referências aos povos indígenas afetados, não se encontra nenhuma linha que demonstre ter havido tentativas idôneas de promover, adequadamente, a consulta prévia, livre e informada. Da mesma forma, no PBAI não se verifica nenhuma referência ao Salto Sete Quedas como local sagrado para os povos indígenas.
O magistrado reiterou que, nos termos do artigo 13 da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), “os governos deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação”.
O desembargador citou o art. 231 da Constituição Federal que estabelece que: “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
O relator mencionou, ainda, que o § 1º do art. 231 prevê que “são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (…) as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.
Quanto à redação do § 2º do mesmo artigo, o magistrado enfatizou que esse parágrafo vai mais além ao dizer que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.
Cerca de cinquenta índios das três etnias acompanharam o julgamento e comemoraram a decisão. O procurador regional da República, Felício Pontes, afirmou que “a decisão unânime da Quinta Turma foi uma vitória dos povos indígenas, um direito que eles conseguiram consagrar na Constituição e em acordos internacionais que garantem esses direitos diante de uma obra que vai afetar a vida deles de uma forma irremediável”.
O Colegiado, nos termos do voto do relator, negou provimento aos recursos e manteve a sentença que suspendeu o licenciamento da Usina até a realização pelo Congresso Nacional de consulta aos povos indígenas afetados, as comunidades Kayabi, Munduruku e Apiaká, tal como determina o art. 231, § 3º, da Constituição Federal de 1988.
Processo nº: 9024-63-2014.4.01.3600
Data de julgamento: 30/11/2016
Fonte: TRF1
Em 5.12.2016
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