A Lei Geral de Proteção de Dados em debate – proteção de dados e os Registros Públicos – Entrevista com Marcelo Salaroli
Nos próximos dias 2 e 3 setembro de 2019 a EPM, em parceria com o IRIB e a ARPEN-SP promovem o importante evento “A Lei Geral de Proteção de Dados em debate – proteção de dados e os Registros Públicos”
Nos próximos dias 2 e 3 setembro de 2019 a EPM – Escola Paulista da Magistratura, em parceria com o IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil e a ARPEN-SP - Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo promovem o importante evento “A Lei Geral de Proteção de Dados em debate – proteção de dados e os Registros Públicos”, com a participação de juristas e especialistas no tema da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709, de 14/8/2018).
Para este edição, Sérgio Jacomino, Presidente do IRIB, convidou o Dr. Marcelo Salaroli para uma pequena entrevista. Marcelo é um dos nossos convidados e, juntamente com o registrador imobiliário Dr. Ivan Jacopetti do Lago, participará do módulo Ontologia registral – sujeitos de direito e suas representações nos Registros Públicos, buscando uma definição ontológica de pessoa registral e estabelecendo um contraste com a pessoa natural. Qual o papel dos Registros Públicos na revelação do dinamismo das mutações jurídico-pessoais?
Marcelo Salaroli é Mestre em Direito Privado pela UNESP e Bacharel em Direito pela USP. Foi oficial de Registro de Imóveis no Estado de São Paulo e atualmente é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais no Estado de São Paulo. É Diretor da Associação dos Registradores das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (ArpenSP). É co-autor do Livro "Registro Civil das Pessoas Naturais", publicado pela Editora Saraiva.
Publicidade X privacidade – temos um problema?
SJ - Sem delongas, vamos direto ao ponto: como conciliar o conceito tradicional de ampla publicidade registral com a tutela da privacidade? Estes não são binômios tensivos? Como conciliar e balancear esses conceitos na perspectiva da LGPD e LRP?
Marcelo Salaroli: A chave que nos permitirá equilibrar esses conceitos são os princípios da finalidade, adequação e necessidade, que estão positivados no artigo 6º da LGPD. Para chegarmos à sintonia fina que nos revelará as regras práticas a serem observadas na atividade registral, será necessário aprofundar esses estudos e debater a composição desses princípios e finalidades. Assim, muito louvável e oportuno este Curso organizado pela Escola Paulista da Magistratura.
SJ - A realidade social sempre acaba por proporcionar novos significados à lei. As atuais necessidades da sociedade contemporânea fazem nascer novas demandas: pesquisas massivas sobre conjunto de dados relativos a pessoas e bens. É lícito favorecer o acesso a um conjunto massivo de dados albergados no Registro Público? Isso não trai o princípio da finalidade consagrado na nova LGPD?
MS: Penso que viola, sim, o princípio da finalidade, logo não é lícito. Essa questão me trouxe a mente uma outra situação prática similar. Ainda não completei vinte anos de minha formatura em Direito e me recordo da afirmação categórica feita por diversos professores explicando que o processo judicial é público e qualquer pessoa pode comparecer pessoalmente ao ofício judicial e solicitar vista dos autos, o que somente poderia ser negado nos processos protegidos pelo segredo de justiça, que eram as exceções. Mas na prática esse acesso não era tão simples, pois poderia acontecer do processo estar na sala do juiz, no Ministério Público, com carga para o advogado... Com a informatização do processo judicial, passou a existir um meio técnico que permite que um mesmo processo seja acessado por inúmeras pessoas ao mesmo tempo, a partir de qualquer dispositivo conectado à internet, a qualquer momento, em qualquer lugar do mundo. Diante dessa nova ferramenta, a regra mudou e o acesso aos autos judiciais não é mais franqueado a qualquer pessoa. Aquela verdade dos meus tempos de estudante deixou de existir. Qual o motivo? Qual a diferença? Exatamente a nova técnica, que permitiu um acesso massivo. Essa é uma novidade muito interessante que se extrai da LGPD. Ela não se limita a proteção estática da privacidade, entendida como direito ao sigilo, ela regulamenta o tratamento dos dados pessoais, que por modernas técnicas de computação, utilizada numa escala gigantesca, permitem retirar dos dados pessoais inferências inimagináveis, sem qualquer controle pela pessoa a que se referem. Muitas vezes, a pessoa sequer tem conhecimento do tratamento e das conclusões que estão sendo feitas sobre ela. Ainda pior e mais perverso é que esse tratamento de dados muitas vezes poderá prejudicar e retirar direitos dessa mesma pessoa. Veja, o novo problema que temos não está exatamente na exposição de um dado privado, mas no seu tratamento massivo.
Monetização de dados – é lícito?
SJ - A tecnologia baseada em ontologia digital permite a definição de tipos, classes e propriedades de entidades formais para o fim de se buscar o inter-relacionamento não só interno, mas com elementos produzidos em fontes externas. Com base nessa tecnologia, os registradores podem combinar dados produzidos alhures para aperfeiçoar a informação registral (geolocalização, bases gráficas, biometria, timestamping, CPF/CNPJ, dados intrassistêmicos das especialidades etc.). Os registradores podem veicular dados tratados? Podem monetizar essas informações?
MS - Há que se verificar cada caso individualmente. A lei de proteção de dados pessoais prevê a possibilidade de compartilhamento de dados entre órgãos públicos e entre estes e os particulares, mas isso não afasta a aplicação dos princípios e regras de proteção da própria lei. Assim, no compartilhamento há que se respeitar a finalidade pública, a competência legal e a persecução do interesse público. Então haverá casos em que o compartilhamento será lícito e em outros não. Nesse contexto, não há na LGPD vedação a monetização, a qual é lícita, desde que observada a lei de custas e emolumentos.
SJ O direito é linguagem e o Registro Público manifestação e irradiação dessa realidade jurídica (simbólica) produzindo efeitos erga omnes. A difusão e cognoscibilidade desses signos se aperfeiçoa por meio de uma semiologia bem determinada e definida legalmente. A pessoa é titular de direitos e obrigações. Uma coisa é a pessoa em si, outra é sua projeção pelos instrumentos registrais. Qual a importância do conceito da “pessoa registral” para a publicidade dos Registros Públicos? Em que medida esses elementos podem ser trabalhados para uma determinação mais precisa dos bens e sua atribuição aos seus titulares?
MS: A decomposição analítica da pessoa em suas mais diversas representações, dentre elas a “pessoa registral”, é uma importante ferramenta conceitual para frear o avanço abusivo do tratamento de dados pessoais, bem como proteger aqueles que realizam tratamento legítimo desses mesmos dados. No âmbito do Registros Públicos, fica mais fácil compreender onde está o abuso do tratamento de dados se estiver bem delimitado o conceito de pessoa registral, que é o sujeito titular de relações jurídicas determinadas e específicas, publicizadas no registro público, em prol da segurança jurídica.
SJ - Como lidar com a tutela da privacidade quando os próprios cidadãos voluntariamente entregam seus dados pessoais para as redes sociais?
Marcelo Salaroli: Essa disponibilização pelo cidadão não significa uma carta branca para que se faça qualquer tratamento dos dados pessoais. Tampouco perde a titularidade de seus dados ao fazê-lo. Há que se respeitar a LGPD, como essa mesmo dispõe em seu artigo 7°, parágrafo 3°, o tratamento de dados pessoais cujo acesso é público deve considerar a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram sua disponibilização.
Veja mais aqui: https://epm.tjsp.jus.br/Noticias/noticia/58383?pagina=1
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