IRIB - Nota Técnica 6-2020
NT sobre proposta de alteração de legislação federal, em discussão no âmbito do Ministério da Economia, que visa instituir Centrais Gestoras de Garantia (CGG) e o Sistema Nacional de Gestão de Garantias (SNGG).
NOTA TÉCNICA IRIB Nº 006/2020
O Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, entidade de classe de âmbito nacional dos oficiais de registro de imóveis, vem à presença de V. Exa. manifestar-se acerca de proposta de alteração de legislação federal, em discussão no âmbito do Ministério da Economia, que visa instituir Centrais Gestoras de Garantia (CGG) e o Sistema Nacional de Gestão de Garantias (SNGG).
A proposta em estudo, que chegou ao conhecimento deste Institutito, para ser apresentada ao Congresso Nacional, cria a figura jurídica das denominadas Centrais Gestoras de Garantia (CGG), que tem por objeto a constituição, registro, avaliação, gestão, organização, suplementação e execução de garantias utilizadas para operações de empréstimo e de financiamento, em andamento ou potenciais, de pessoas naturais ou jurídicas, a serem reguladas pelo Conselho Monetário Nacional.
A CGG receberia garantias formalizadas por instrumentos de gestão centralizada, as quais só poderiam ser utilizadas para cobertura de créditos registrados nas próprias Centrais, e agiria em nome de instituição financeira na avaliação, gestão, organização, suplementação e execução de garantias recebidas em operações de crédito. (íntegra do texto ao final deste documento)
Em que pese o esforço em se propor aperfeiçoamentos na legislação, com o objetivo de dinamizar o sistema de crédito e melhorar o ambiente de negócios, a proposta de instituição de Centrais Gestoras de Garantia vai na contramão das necessidade do mercado de crédito, aumentando a insegurança jurídica nas transações e na concessão de garantias, com repercussões negativas para o sistema de registro de direitos adotado no Brasil e na Europa. Destacamos as principais questões:
• As denominadas Centrais Gestoras de Garantia (CGG) não possuem natureza jurídica definida. A proposta apresentada não especifica sua função – pública ou privada? Estará a cargo de um orgão público ou privado? Tampouco esclarece, de modo suficiente, como se dará a sua regulação e fiscalização. Pelo Sistema Financeiro Nacional? Pelo Conselho Monetário Nacional? Pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da Corregedoria Nacional de Justiça?
• Monopólio privado? A criação da CGG, com a finalidade indicada na proposta de constituição de garantias reais abstratas e autônomas, sem vinculação a uma obrigação, além de inovar de modo extravagante o sistema jurídico pátrio, representa um monopólio inadmissível.
• A proposta permite a constituição de garantia sem objeto, isto é, sem a pré-definição de valor ou limite da garantia, de prazo, taxas e demais condições de um típico negócio jurídico. Trata-se de inovação no direito brasileiro com repercussões jurídicas e econômicas que podem provocar impactos sistêmicos no mercado de crédito ao permitir a constituição de um direito real de garantia abstrato, sem a participação de uma instituição financeira e sem o controle de legalidade ex ante dos atos pelos órgãos do Poder Judiciário (Registradores). Isso pode repercutir nos tribunais, com custos intoleráveis.
• Nesse sentido, a proposta ignora um princípio geral do direito privado, fundamental para a constitução do direito real de garantia que é o principio da especialidade (art. 1.424 do Código Civil), o qual impõe os elementos substanciais do negócio jurídico e que produzem a sua eficiácia: o valor do crédito, sua estimação (ou valor máximo), o prazo para pagamento; taxa dos juros, e as informações essenciais do bem dado em garantia.
• Essa mesma exigência é observada no negócio fiduciário e nas garantias do financiamento imobiliário, nos termos dos artigos 18 e 24 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997.
• Para agravar o risco sistêmico que essa proposta pode vir a representar, a CCG pressupõe que a vinculação da garantia real à obrigação garantida e seus elementos (valor, prazo, taxas de juros, alocação de capital para suporte das operações) prescindiria da indicação destes elementos no próprio registro da garantia real, feita no Registro de Imóveis, apartando-se, assim, o direito real de seu pressuposto necessário, que é a obrigação garantida. O registro ficaria desfalcado de um elemento essencial.
• O modelo é extravagante e se afasta totalmente do sistema da Civil Law, ao qual o Direito brasileiro se filia. Esse deslocamento assistemático pode representar inumeráveis controvérsias jurídicas que haverão de repercutir no Judiciário, tornando as operações mais custosas e de resultados imprevisíveis.
• A delegação de funções eminentemente públicas a entes privados, sem controle e fiscalização do Poder Público, tal qual como se prevê nas Centrais Gestoras de Garantia (CGG), representa um risco de questionamentos por via de ações de inconstitucionalidade. A constituição, tutela, segurança e defesa de property rights (e o direito real de garantia é uma expressão desse plexo jurídico) são atividades próprias de Estado, que podem ser delegadas ao particular, mas sempre de acordo com preceitos constitucionais.
• Aumento do risco na execução do crédito decorrente:
- da possível judicialização ou discussão sobre a inconstitucionalidade da proposta.
- da insuficiência de garantia constituída sobre múltiplos créditos e a falta de um sistema interno e externo de controle de preferência que decorre do instituto do direito real de garantia.
- da substituição de garantias reais titularizadas pela própria instituição financeira por uma relação fiduciária entre a instituição financeira credora e a CGG.
- Embaraços na definição segura de graus na prelação dos créditos decorrentes de registros exógenenos, infensos à ampla e segura publicidade jurídica tal e como definida na legislação civil e registral.
• Incompatibilidade com o registro eletrônico de imóveis e todo o seu arcabouço institucional, representado pelo Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis – ONR, criado pelo art. 76 da Lei nº 13.465/17, e sujeito à regulação pela Corregedoria Nacional da Justiça do Conselho Nacional de Justiça.
• A proposta requer um amplo debate público, que alcance a participação dos diversos atores que são afetados em suas atividades e negócios, para que não seja apresentada uma norma legal que leve à desestabilização do sistema de registro imobiliário, que hoje confere segurança e publicidade das transações realizadas com garantia real para todos os agentes de mercado e também para as atividades essenciais dos órgãos de controle e fiscalização.
Pelo exposto, observa-se que a proposta de alteração da legislação federal para instituição das Centrais de Gestão de Garantias contém inadequações conceituais na perspectiva do sistema financeiro de crédito e de garantias e impropridades legais insanáveis sobre o direito de crédito e de registro público.
Por fim, é fundamental promover debates envolvendo os atores jurídicos – especialmente o Poder Judiciário – a fim de se evitar, tanto quanto possível, a judicialização de figuras jurídicas desconhecidas do sistema jurídico pátrio e com isso potencializando conflitos e disputas que comprometem a dinamização do crédito e o desenvolvimento da própria economia.
Brasília, 6 de outubro de 2020.
SÉRGIO JACOMINO
Presidente
Das Centrais Gestoras de Garantia e do Sistema Nacional de Gestão de Garantias
Art. 1º. O Conselho Monetário Nacional poderá dispor sobre as Centrais Gestoras de Garantia (CGG) e sobre o Sistema Nacional de Gestão de Garantias (SNGG), com o objetivo de facilitar a constituição, a utilização, a gestão e o compartilhamento de garantias utilizadas para operações de crédito e de financiamento de pessoas naturais ou jurídicas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.
Art. 2º. A CGG é pessoa jurídica que tem por objeto a constituição, registro, avaliação, gestão, organização, suplementação, e execução de garantias utilizadas para operações de empréstimo e de financiamento, em andamento ou potenciais, de pessoas naturais ou jurídicas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.
§ 1º Os direitos e garantias reais recebidos pela CGG por meio de instrumento de gestão centralizada, bem como seus frutos e rendimentos, não se comunicam com o seu patrimônio, observado que:
I – não integram o ativo da CGG;
II – não respondem direta ou indiretamente por qualquer obrigação da CGG nem podem ser objeto de arresto, sequestro, busca e apreensão ou qualquer outro ato de constrição judicial em função de débitos de responsabilidade da CGG;
III – não se sujeitam à arrecadação nos regimes especiais das instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, à recuperação judicial e extrajudicial, à falência, à liquidação judicial ou a qualquer outro regime de recuperação ou dissolução a que seja submetida à CGG;
IV – só podem ser utilizados pela CGG para cobertura dos créditos nela registrados;
V – só podem ser utilizados pela CGG para cumprimento das obrigações das operações financeiras derivadas devidamente autorizadas pelo cliente da CGG.
§ 2º Ao aceitar garantias registradas e recebidas pela CGG em suas operações de crédito e financiamento, a instituição financeira credora designa a CGG para os fins do caput em nome próprio e em seu benefício.
§ 3º A CGG tem dever fiduciário em relação aos credores e devedores das operações garantidas, respondendo perante estes por todos os seus atos.
§ 4º A CGG, conforme regulamentação do Conselho Monetário Nacional, também poderá atuar como contraparte central, hipótese na qual o disposto nos §§1º, 2º e 3º deste artigo não se aplicam.
Art. 3º. O Conselho Monetário Nacional poderá dispor sobre outras atividades relacionadas à do art. 2º a serem realizadas pela CGG.
Art. 4º. A gestão centralizada de garantias realizada por CGG será celebrada por instrumento público ou particular, com pessoa física ou jurídica, e tratará da natureza e das condições das garantias e dos serviços prestados, conforme regulamentação do Conselho Monetário Nacional.
Art. 5º. As garantias constituídas no instrumento de gestão centralizada servirão para assegurar todas as operações financeiras derivadas autorizadas pelo cliente da CGG, independentemente de qualquer novo registro e/ou averbação adicional.
Art. 6º O registro das garantias constituídas no instrumento de gestão centralizada deverá ser efetuado na forma prevista na legislação que trata de cada modalidade da garantia, real ou pessoal, e serão inaplicáveis os requisitos legais específicos às operações financeiras derivadas, como os indicados nos seguintes dispositivos legais:
I - incisos I, II e III do caput do art. 18 e incisos I, II e III do caput do art. 24 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997 ;
II - incisos I, II e III do art. 1.362 e incisos I, II e III do art. 1.424 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 ; e
III - caput do art. 66-B da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965.
Art. 7º. O SNGG será formado pelas CGG, fundos por elas criados, e outras instituições, conforme regulamentação do Conselho Monetário Nacional.
Notícia Anterior
Câmara dos Deputados: seminário discute legislação ambiental e desenvolvimento urbano
Próxima Notícia
2º Integra Brasil - Certificação Digital, Direito e Tecnologia
Notícias por categorias
- Georreferenciamento
- Regularização fundiária
- Registro eletrônico
- Alienação fiduciária
- Legislação e Provimento
- Artigos
- Imóveis rurais e urbanos
- Imóveis públicos
- Geral
- Eventos
- Concursos
- Condomínio e Loteamento
- Jurisprudência
- INCRA
- Usucapião Extrajudicial
- SIGEF
- Institucional
- IRIB Responde
- Biblioteca
- Cursos
- IRIB Memória
- Jurisprudência Comentada
- Jurisprudência Selecionada
- IRIB em Vídeo
- Teses e Dissertações
- Opinião
- FAQ - Tecnologia e Registro
Últimas Notícias
- Penhora. Executado – cônjuge. Regime de bens – comunhão parcial. Meação – reserva.
- ONR investirá R$ 20 milhões para digitalizar acervo de Cartórios de cidades pequenas
- Resolução CNJ n. 609 de 19 de dezembro de 2024