Reserva legal em municípios do Pará: possibilidade de redução pouco explorada
Confira a opinião de Caio Brilhante Gomes publicada no ConJur.
Dentre todas as normas e leis ambientais existentes no Brasil, há uma que se destaca, principalmente no cotidiano de quem vive na Amazônia e no nosso estado do Pará: o Código Florestal (Lei 12.651/08), que terá seu conteúdo e artigos mencionados a seguir.
No referido código está previsto um instituto, que todos os proprietários de terras rurais conhecem, chamado de Reserva Legal (RL) e definido como "área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa".
Essa área com cobertura de vegetação nativa deve ser mantida em todo e qualquer imóvel rural, pelo proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, sendo prevista em diferentes tamanhos, a depender da região no Brasil — e em imóveis localizados na Amazônia Legal e em áreas de floresta, esse tamanho é de 80% da área total da propriedade, com algumas exceções, como as do artigo 68 do código, que, porém, não são o foco deste texto.
Não há quem negue que se trata de um percentual bastante elevado, concordando ou não com a sua existência, e que pode ser reduzido em determinadas situações nas quais inclusive se enquadram alguns municípios do Pará. É o caso de municípios com mais de 50% da sua área ocupada por unidades de conservação da natureza de domínio público e por terras indígenas homologadas (artigo 12, parágrafo 4º).
Essa redução é legalmente permitida para fins de recomposição, ou seja, quando ocorreu supressão de vegetação de modo irregular que deve ser corrigida. Além disso, ocorrendo o desmatamento irregular, aquele que o realizou fica obrigado a suspender imediatamente as atividades e sujeito às sanções administrativas, cíveis e penais cabíveis.
A redução em questão pode ocorrer através do poder público, notadamente do Programa de Regularização Ambiental, o PRA, instrumento do poder público que possibilita a ocorrência dessa redução de Reserva Legal (artigo 17, parágrafo 4º).
Muito bem, na prática isso significa que se alguém praticou um desmatamento irregular em sua propriedade rural localizada em um município que possui mais de 50% da sua área ocupada por unidades de conservação da natureza de domínio público e por terras indígenas homologadas, existe a possibilidade de se firmar um PRA com o poder público, para permitir a recomposição de sua área ao percentual de 50% e não para os 80% que são a regra geral, ou também sendo entendido que o proprietário pode manter 50% de Reserva Legal ainda existente e utilize formas de recompor o desmatamento ocorrido, regularizando sua área em relação a essa infração de forma convencionada com o poder público.
Apesar disso, ainda há quem entenda que toda a previsão legal aqui exposta ainda depende de mais uma condição, que seria a sua aplicação apenas para desmatamentos irregulares ocorridos antes de 22 de julho de 2008. Com a devida vênia, entender dessa forma é adicionar um requisito que a própria lei não faz, portanto em desprezo ao princípio da legalidade.
O Código Florestal traz essa possibilidade como um benefício para os municípios, que já possuem grande parte da sua área destinada a funções ambientais, sendo também uma aposta dos legisladores que objetiva trazer produtores rurais à regularidade, dependendo apenas da existência de espaços territoriais especialmente protegidos no município e da adesão ao PRA, com todos os seus requisitos, não fazendo qualquer exigência em relação a data do desmatamento.
Tal entendimento não pode perdurar, afinal o Direito Ambiental antes de ser ambiental é direito, e como tal está sujeito às normas e princípios constitucionais basilares da República, como razoabilidade, proporcionalidade, desenvolvimento sustentável, proteção do meio ambiente em consonância com a ordem econômica e a já mencionada Legalidade.
Possibilitar a regularização de propriedades rurais, conforme os critérios legais, auxilia no desenvolvimento econômico do estado, no licenciamento de atividades produtivas e na proteção do meio ambiente, com a fiscalização das atividades pelo poder público.
Portanto, a gestão pública municipal e estadual pode (e deve) utilizar essa previsão legal, beneficiando os próprios municípios e a população local.
Caio Brilhante Gomes é advogado atuante nas áreas do Direito Ambiental, Agrário e Minerário, sócio no Ramalho e Brilhante Advogados, professor de Direito, especialista pela PUC-SP e mestrando pela FDULisboa em Direito Ambiental e presidente da Comissão de Assuntos Minerários da OAB-PA.
Fonte: ConJur (Foto: divulgação).
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