Taxas condominiais e recusa injusta do comprador em se imitir na posse
"Havendo recusa injusta do comprador em receber as chaves do imóvel, afigura-se lícito ao vendedor promover a consignação em pagamento das chaves".
No âmbito dos condomínios edilícios, o Código Civil, em seu artigo 1.334, inciso I, estabelece que os condôminos assumem obrigação de arcar com as despesas ordinárias e extraordinárias de manutenção e de conservação da coisa, sendo consideradas uma obrigação propter rem, isto é, as despesas condominiais acompanham a coisa.
Daí porque 1) subsiste a responsabilidade do proprietário (vendedor) pelo pagamento das despesas condominiais, ainda que posteriores à imissão do comprador na posse do imóvel (AgInt no REsp 1565327, relator ministro Raul Araújo), 2) a obrigação de pagamento de taxas condominiais alcança os novos titulares da propriedade sobre o imóvel, sem prejuízo de eventual demanda regressiva (AgInt no AREsp 1.015.212, relatora ministra Maria Isabel Gallotti), 3) na hipótese de arrematação em que consta a existência de ônus sobre o imóvel, o adquirente responde pelos encargos condominiais anteriores à arrematação (AgInt no AREsp 1434491, relatora ministra Maria Isabel Gallotti), e 4) o proprietário do imóvel pode ter seu bem penhorado no bojo da fase de cumprimento de sentença, ainda que não tenha participado da fase de conhecimento (AgInt no REsp 1851742, relatora ministra Nancy Andrighi).
A responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais recai em regra sobre o proprietário. Pela extensão adotada pelo Código Civil, em seu artigo 1.334, §2º, a mencionada responsabilidade pode recair também sobre o promitente comprador e sobre o cessionário de direitos relativos ao imóvel.
Em havendo a celebração de contrato de compra e venda de imóvel, a obrigação de pagar as despesas condominiais tanto pode recair sobre o vendedor, como também sobre o comprador, dependendo das circunstâncias alusivas ao exercício da posse e pela ciência do condomínio sobre o contrato, como vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça de há muito tempo (EREsp 138.389, relator ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira).
No Tema Repetitivo nº 886, a 2ª Seção do STJ, relator ministro Luis Felipe Salomão, fixou a tese, em abril de 2015, de que o que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do contrato de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, podendo recair a responsabilidade por tais despesas sobre o proprietário ou sobre o comprador. Se ficar comprovado que o comprador se imitira na posse e o condomínio teve ciência inequívoca do contrato de compra e venda, afasta-se a legitimidade passiva do vendedor para responder por despesas condominiais relativas ao período em que a posse foi exercida pelo comprador.
Assim, fundada no Tema Repetitivo 886, há orientação no sentido de que o vendedor não pode ser responsabilizado pelos débitos condominiais posteriores à alienação, contemporâneos à posse exercida pelo comprador, eis que, ao alienar o imóvel, tem a intenção de desvincular-se do direito real sobre o bem (REsp 1440780, relator ministro Marco Aurélio Bellizze).
Para compatibilizar a mencionada tese fixada no Tema Repetitivo nº 886 com a natureza jurídica propter rem, o STJ passou a decidir, no mesmo ano de 2015 logo após o referido precedente jurisprudencial, que os débitos condominiais, no caso de contrato de compra e venda, devem ser imputados ao comprador que fora imitido na posse, sem prejuízo da responsabilidade do proprietário (vendedor), estando ambos legitimados a figurar no polo passivo de demanda de cobrança, isto é, relativizando o teor da tese fixada no Tema Repetitivo 886, passou-se a entender que, no caso de exercício de posse pelo comprador, o condomínio pode acionar, em litisconsórcio passivo, tanto o vendedor como o comprador (REsp 1.442.840, ministro Paulo de Tarso Sanseverino).
Vale dizer, a tese fixada no Tema Repetitivo 886 foi revisitada no mesmo ano de 2015, de sorte que a jurisprudência evoluiu no sentido de que, uma vez demonstrado que comprador imitiu-se na posse do bem e sendo comprovado que o condomínio teve ciência da transação, há legitimidade passiva concorrente de ambos os contratantes para responder pelas despesas condominiais relativas ao período em que a posse foi exercida pelo comprador (AgInt no REsp 1219742, relatora ministra Maria Isabel Gallotti).
A partir do instante em que, por exemplo, recebe as chaves do imóvel o comprador passa a ser responsável pelo pagamento das despesas condominiais, tendo em vista ser o momento em que tem a posse do imóvel. A posse é, pois, o elemento fático que gera para o comprador do imóvel a obrigação de arcar com as taxas condominiais, eis que passa a ter direito a usufruir de toda a estrutura organizada do condomínio (AgInt no REsp 1.881.812, relator ministro Moura Ribeiro).
Em importante julgamento ocorrido no último dia 29.03.2022, a 3ª Turma do STJ, no REsp 1.847.737, decidiu que, havendo recusa ilegítima em receber as chaves do imóvel, a responsabilidade pelo pagamento das taxas condominiais recai sobre o comprador. No voto do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a resistência ilegítima em se imitir na posse (e de receber as chaves) configura mora do comprador, de sorte que não há fundamento legal para se responsabilizar o vendedor pelas taxas condominiais, se a obrigação de colocar à disposição do comprador as chaves foi devidamente cumprida. Isto é, o comprador deve pagar as taxas condominiais desde o recebimento das chaves ou, em caso de recusa ilegítima, a partir do momento no qual as chaves estavam à sua disposição.
Por isso que, na esteira do decidido no REsp 1.847.737, havendo recusa injusta do comprador em receber as chaves do imóvel, afigura-se lícito ao vendedor promover a consignação em pagamento das chaves, dando-se ainda ciência ao condomínio de tal iniciativa, momento a partir do qual a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais passará a ser do comprador, e não mais do vendedor.
Fonte: ConJur.
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