TRF2 mantém liminar que impede financiamento de projeto em área de quilombolas no ES
O mérito da causa ainda será julgado pela Justiça Federal de primeiro grau
A Quinta Turma Especializada do TRF2 negou pedido da maior empresa brasileira de celulose e papel, que pretendia cassar liminar proibindo o BNDES de financiar projeto da empresa no Espírito Santo, em terras que abrigam comunidades quilombolas, protegidas por lei. A Fíbria Celulose S/A é acusada pelo Ministério Público Federal de fraude na obtenção da área que, supostamente, serviria à plantação de eucaliptos, usados na produção da sua matéria-prima. Segundo o órgão, no início da década de 1970, antigos funcionários da empresa teriam se habilitado como se fossem pequenos agricultores junto ao governo estadual capixaba, a fim de conseguirem títulos de domínio de terras devolutas. Em seguida, segundo o MPF, esses empregados teriam transferido as glebas localizadas entre Conceição da Barra e São Mateus para a Fíbria.
Nos termos da liminar da primeira instância, além de o BNDES estar impedido de financiar a plantação de eucaliptos, os terrenos que teriam sido objeto de fraude deverão ficar indisponíveis. Segundo informações do processo, os contratos de financiamento com o banco público naquela área ultrapassam os R$ 5,3 bilhões. O mérito da causa ainda será julgado pela Justiça Federal de primeiro grau.
A Fíbria Celulose S/A foi criada a partir da fusão, em 2009, da Aracruz e da Votorantim Celulose e Papel. Conforme dados da agência de avaliação Bloomberg, sua capacidade de produção industrial é a maior do país, ultrapassando os cinco milhões de toneladas de celulose por ano.
A manutenção da liminar foi decidida pela Quinta Turma Especializada em dois agravos: além da empresa, o próprio BNDES apresentou recurso no TRF2, alegando que a operação financeira incluiria a disponibilização de uma linha de crédito para a Fíbria de cerca de R$ 167,7 milhões, para restauração, até 2019, de 21 mil hectares de mata atlântica na Bahia, no Espírito Santo e em Minas Gerais. Para o BNDES, a manutenção da medida acarretaria risco de dano ambiental irreparável.
A Lei Estadual 5.623, de 1998, reconhece, no Espírito Santo, a propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, um direito previsto pelo artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. Em seu voto, o relator dos agravos, desembargador federal Ricardo Perlingeiro, lembrou que a acusação de fraudes na obtenção das terras foi o foco de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e que há nos autos documentos que mostram indícios da "conduta suspeita dos funcionários ao transferirem seus direitos à empresa".
Ricardo Perlingeiro rebateu o argumento da Fíbria de que não haveria estudos conclusivos sobre o seu projeto envolver áreas ocupadas por comunidades de descendentes de escravos: "As informações prestadas pelo Incra já permitem identificar a sobre posição das áreas quilombolas e exploradas pela agravante", esclareceu o magistrado, para quem a urgência da liminar se justifica, entre outros motivos, com o fato de que não há prova de que a empresa teria condições de devolver aos cofres públicos o total do empréstimo, caso o julgamento de mérito seja favorável ao Ministério Público Federal.
Além de Ricardo Perlingeiro, a Quinta Turma Especializada é integrada por seu presidente, o desembargador federal Aluisio Mendes, e pelo desembargador federal Marcus Abraham. Ainda em seu voto, o relator ressaltou que a liminar expressamente suspendeu apenas o financiamento destinado ao plantio de eucalipto e à produção de celulose, não atingindo os recursos voltados para a restauração florestal e o cumprimento da legislação florestal.
Fonte: TRF2
Em 23.10.2014
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